3.10.07

Salinger em tempos sombrios


(Continuação – Resenha publicada em 1990)
Os anos que se seguem à Academia Militar e o levam a desembarcar numa praia da Normandia, no dia D, são os menos documentados de sua vida, mas talvez os mais definitivos para sua carreira de escritor. Nesse meio tempo ele viaja pela Europa, frequenta universidades e passa por um período de grande criatividade. Publica seu primeiro conto na revista Story, da qual diz Norman Mailer, que também começou lá: “A revista era um mito, e os jovens autores do final da década de 30 e da época da IIª Guerra Mundial sonhavam aparecer em suas páginas, assim como um conjunto de rock da atualidade se sente glorificado diante da promessa de uma reportagem na Rolling Stone.”
Mas Story era uma revista para outsiders, J.D. queria mais. Apesar das aparentes vacilações, está decido a ser escritor. Parece estar seguindo os planos paternos, mas na verdade, está tecendo o seu destino. Kafka, um dos seus autores prediletos, já havia mostrado como um pai comerciante podia esmagar um filho talentoso mas esquisito. Salinger parece ter aprendido a lição.
Notável também, foi a receptividade dos grandes editores aos seus primeiros trabalhos. Naquele final dos anos 30 , quando não existia ainda a televisão , um fenômeno típico da cultura Americana era o domínio das grandes revistas. Collier’s, Liberty e Saturday Evening Post destinavam-se ao grande público e pagavam muito bem por uma história curtíssima. Esquire e The New Yorker, além de pagar bem, buscavam um público selecionado. Era à última que Salinger queria chegar. Em 1941 conseguiu vender à revista um conto em que pela primeira vez aparece Holden Caufield; mas a história não foi publicada, porque incentivava a evasão escolar.
No fim daquele ano, quando já tem vários contos publicados em grandes revistas (sobre cuja orientação Ian Hamilton escreve passagens de inegável interesse), Salinger enamora-se de Oona, filha do dramaturgo Eugene O’Neill . É um relacionamento tempestuoso, interrompido pela Guerra do Pacífico e a convocação de Salinger para o exército. É então que sabe do relacionamento de Oona com Charles Chaplin, o que o irrita, mas não chega a ser um desastre para seu ego. Em 1943 vai para a Inglaterra, como agente da contra-espionagem. Hamilton descobre que nessa época Salinger não pára de escrever- durante os preparativos para o dia D cria “seis capítulos do romance sobre Holden Caufield” – mas a Guerra não aparece explícitamente em suas histórias. Os dados biográficos sobre a trajetória de Salinger a partir de seu bastimo de fogo na Normandia são escassos. Passou por Paris, encontrou-se com Ernest Hemingway, detestou o machismo do colega. Participou de árduas batalhas contra os alemães, mas não largava a máquina de escrever, continuando a “catar milho” enquanto as bombas explodiam. Cumpre missões de desnazificação na Alemanha, parece ter-se hospitalizado em Nuremberg com problemas de ordem psiquiátrica, casa-se repentinamente com “uma possível médica francesa”. Talvez seja o momento decisivo da crise. Hamilton anota: “Antes da Guerra Salinger havia conseguido disfarçar sua alienação nervosa com aquela pose ensaiada de rapaz da cidade grande”. Apesar de não ter escrito sobre a cena da Guerra, todas as suas ficções dessa época tratam de “sobreviventes” que tentam superar o trauma e integrar-se na vida civil. Nessa quadra, Hamilton percebe, Salinger está em plena autobiografia. Ele chega a levar sua “esposa francesa” para os EUA, mas após oito meses anuncia o fim do casamento em um cenário semelhante ao de um dos seus melhores contos. Um dia ideal para os peixes-banana. Nessa história, Seymour Glass, um de seus personagens preferidos, está em um hotel da Flórida, com sua mulher, recuperando-se de um colapso nervoso ocasionado pela Guerra. Na praia, Seymour conta uma estranha fábula a uma garotinha chamada Sybil: é a história de uns ingênuos e gulosos peixes, que se metem num buraco cheio de bananas, do qual não conseguem sair. Seymour volta para o hotel e se suicida. Salinger se separou da mulher e aparentemente salvou-se. Em 1949 seu conto Tio Wiggly em Connecticut é adaptado para o cinema, com o título de My Foolish heart, numa versão em que nada há da epifania alcançada por Salinger nessa magnífica história. O filme era grotesco. O autor destilou: “Se Hollywood filmasse “Um dia Ideal para os Peixes – Banana” , sem dúvida, Edward G. Robinson ficaria com o papel de Sybil. Nesta parte da biografia Hamilton comete um erro, ao afirmar que a canção título do filme ganhou um Oscar. Não é verdade, ela foi apenas indicada; a vencedora foi Baby, its cold outside, de Frank Loesen. A versão lacrimosa de seu conto valeu-lhe a resolução de não permitir mais adaptações para o cinema ou o teatro. Elia Kazan implorou pelos direitos de “O Apanhador”. Salinger não cedeu.
(Continua no próximo capítulo)

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