
(Aproveito que o nosso Zé Bonitinho do rock chega com tudo aqui no Brasil ( e por que não dizer no mundo?), para surfar na onda dessa reciclagem geral com meu pranchão( filme pintando nas telas contando a história dele e a presença física da lenda num megashow aqui no Rio celebrando o "Modern Times" que é um ótimo CD) e boto no ar um textículo que fiz falando do filme No Direction Home que Martin Scorsese dirigiu sobre o nosso mítico Bob Dylan - Garotas, preparem-se...)
Uma coisa fica clara nesse documentário que Martin Scorsese fez para a TV sobre Bob Dylan (No Direction Home): cada vez mais ele se parece com o Zé Bonitinho. Outra é que, sem dúvida, o genial compositor é também um tremendo cara-de-pau que mostra uma determinação férrea. Ferramentas que o ajudaram a abrir portas e superar as dificuldades de sua natureza mirrada: uma voz esganiçada (de taquara rachada mesmo) que muitas vezes anasalava, numa época em que se privilegiava o gogó (a bela voz estilo Jonnhy Mathis), um porte atlético que estava mais para um“corpo de passeio”e um visual que contrastava com o ideal de beleza masculina da época (Elvis, James Dean e Marlon Brando de “The Wild One”).
O documentário de Scorsese também mostra as contradições do astro que parece que sempre gostou de contar uma lorota a seu respeito, um pouco por gosto mesmo de inventar um personagem, ou porque percebeu que estava criando sua lenda.(num determinado momento um dos caras que o filmaram (Pennebaker ou Jeff Rosen?) diz que ele passou agir como ator quando percebeu que o filme-entrevista não estava rendendo). Mas temos que dar um desconto ao artista. Ele sem querer, querendo se transformou num mito do dia para a noite. E como todo mito sofreu o que se chama paradoxo dos mitos. Como diz Ken Dowden em “Os usos da mitologia grega”: os mitos “não são factualmente exatos: são falsos, não inteiramente verdadeiros, ou não verdadeiros desta forma, Mas possuem um poder que transcende sua imprecisão”…
O filme de Scorsese por um lado reafirma essa faceta mítica, quando mostra que em poucos meses, desde que ele botou o pé na estrada e saiu da sua provinciana Hibbin e foi para a universidade Minnesota em Minneapolis em 59, aprendeu rapidamente a tocar violão, piano e gaita com a “malandragem” da cidade e já estava pronto para se transformar numa das estrelas da música folk. (Ele , de certa forma começa como músico folk e continua a participar de festivais de música folclórica até 66 ano em sofre um acidente de moto que o deixa for a do ar por uns meses).
Pode-se dizer que o astuto Dylan, sempre com sua cara de sonso ao tomar emprestado seu sobrenome do nome do poeta Dylan Thomas fez uma verdadeira operação plástica, já estava se transformando numa “persona” e por uma coincidência muito curiosa escreveu canções que as pessoas queriam ouvir, e isso é impressionante , pois algumas de suas grandes composições nasceram quando ele tinha perto dos 20 anos. O garoto era esperto. O álbum “Freewhellin” de 62 por exemplo já tinha dois verdadeiros hinos daquela geração : "Blowin´ in the Wind" e "A Hard Rain´s A-Gonna Fall”.
Ele , de fato “pegou o espírito da época” como disse um dos entrevistados no filme. E com pouca idade.
Atento, captou no ar o movimento de renovação que iria desembocar no fenômeno de 68, um ano em que o mundo disse não e tudo aconteceu quase que ao mesmo tempo. (em outro dia a gente fala desse ano que “abalou o mundo”)
O filme tem também o mérito de mostrá-lo, sob vários aspectos como como um estranho no ninho que apesar disso, se sentiu muito bem lá. Mas existiam coisas que o incomodavam : muitos não entendiam o seu desejo de ser apenas um artista livre.
O problema era que a novidade em Dylan estava em usar como base um meio arcaico como música foclórica que ele vai fundir com elementos do rock e do blue. E usa esse meio antigo para expressar sentimentos de rebeldia muito modernos e por isso mesmo muito confusos como os caracóis de seus cabelos.
Isso dava a ele uma cor muito especial e o tornava exótico, um objeto a se decifrar. Tentaram fazer com que ele carregasse diversas bandeiras, e a principal era a de ser um cantor de protesto, coisa que ele não queria. Não queria ser“politizado”. Mas o pessoal desejava novidades, que ele fosse alguma coisa diferente do que era, que ele emitisse uma mensagem oculta (mania da época). E o que ele era?: Parecia querer ser somente um artista , uma antena que não sabia muito bem como captava coisas que não eram muito claras e que se transformavam em versos que por uma coincidência histórica assumiam a força de hinos repetidos por aqueles que marchavam pelas ruas contra a Guerra do Vietnam. Suspeito dessa intenção simplória dele. Dylan estava nos lugares certos no momento exato, fez canções que expressavam o desejo de que as coisas mudassem. E não queria se rotulado de “revolucionário”?. Talvez o único rótulo que topou foi o de ser um cantor folk. É uma contradição dos diabos! Vandré aqui no Brasil sofreu esse problema. Ele fez canções de protesto, mas além disso mostrou uma produção lírica muito interessante, que ficou em segundo plano.
Outra coisa impressionante do filme é ver o depoimento de jovens que eram chamados de“reacionários”nesse tempo de grandes mudanças. Eles acusam Dylan de Judas, de traidor, porque não aceitavam o fato de que o artista naquele momento rompia com os padrões da música folclórica. Era uma questão engraçada. Isso acontece quando ele troca o violão acústico pela guitarra elétrica e se apresenta com uma banda estridente com bateria e órgão. Seria a mesma coisa se de repente Zeca Pagodiinho trocasse seu cavaquinista por um guitarrista. Como o ajuste de som nesse tempo ainda era muito primitivo nas salas de concerto, Bob Dylan, precisava gritar para ser ouvido no meio daquela massa sonora. Ele ao perceber a divisão de seu público, começa a fazer concertos meio a meio. Numa parte tocava com violão e gaita e na segunda entrava com a banda. Aí acontecia o grande momento em que se uniam na vaia os contrários : de um lado os que gostavam do antigo- acústico e do outro aqueles que estavam de acordo com a moderno-elétrico.
Dylan chega a falar sobre essas vaias. Num trecho do filme ele reage e nos bastidores comenta com a banda que as vaias o deixam tonto . Num depoimento atual ele diz:-“ Tenho uma opinião sobre as vaias…
Porque você tem de entender que pode matar alguém com gentileza, também”…
Isso mostra que ele até curtia aquela manifestação raivosa do público.
Scorsese termina o filme de forma abrupta, a gente fica no ar, parece que esse deveria ser a parte do projeto que poderia se chamar, parafraseando James Joyce, “o retrato do artista quando jovem.”
Observações finais : é muito engraçado assistir nos bônus a interpretação de uma música de Dylan por Joan Baez onde ela faz uma caricatura da sua forma anasalada de cantar.
Legal também é ver as raras imagens de Woody Guthrie, o grande inspirador de Dylan.
Notem bem: são três horas e meia de desafinação, mas se vocês leram esse longo texto (para os padrões da Internet) até aqui, creio que terão a paciência necessária para chegar ao final desse vídeo numa boa.
Nota da Redação: Hendrix adorava Bob Dylan (do qual gravou alguns sucessos) e numa certa época andava com os discos dele debaixo do braço e torrava a paciência de uma de suas namoradas dizendo: - Esse é o cara!
3 comentários:
Tem tia-avó assanhada catando bata e guirlanda para os cabelos. Pra quem canta anasalado, desafinado e de língua enrolada, Bob tem muito mais marketing do que borogodó!
Querida Tinê, o cara manda bem, escute Modern Times, que é a última coisa dele que saiu por aqui e veja que o cara é bom. E depois a letras, o cara tem umas letras que são o fino da bossa. Claro que ele sabe fazer o marketing pessoal, mas ele é bom de música e letra e tem carisma. Zé Bonitinho é fogo! Uma lenda viva!
Jimi Hendrix gostar dele já faz meio paraíso de paz. O violino no disco que tem Hurricane é divino. Não tem crédito nem letra no disco. Era o violino da esposa dele? O folk e o não folk, não povo não tradição, aparece na disputa musical entre Apolo e Marsyas, disputa mítica de música. Tradição versus anti-Tradição.
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