7.6.08

Il sorpaso de Dino Risi


Ele morreu hoje em Roma aos 91 anos, o grande Dino Risi. Vai ficar conhecido como o homem que fez o clássico "Perfume de Mulher". Acredito que pouca gente vai lembrar de Il Sorpaso - que recebeu o título brasileiro de "Aquele que sabe viver". Sem dúvida este é um marco do cinema mundial.
É a primeira grande viagem do cinema moderno – que de certa forma inaugura o que se chama hoje “road-movie” “Il Sorpasso”(Aquele que sabe viver) de Dino Risi com roteiro de Ettore Scola, Risi e Ruggero Maccari. É um filme mítico que foi feito em 1962 e registra em detalhes a época em que a Itália passava por um momento feliz de prosperidade, e respirava uma atmosfera de renascimento depois das agruras da guerra. Como disse Risi na sua entrevista, (nos Extras do DVD da “Versátil Home Vídeo”) :A Itália da guerra é a terra da bicicleta ou dos andam a pé, depois veio a “motorina” e enfim “la macchina”, o fabuloso automóvel.
Martin Scorsese que é maluco por esse filme, chegou imaginar que o trajeto “geográfico” que os personagens fazem na história da película desenha um ponto de interrogação.Pelo menos foi isso que disse ao filho de Risi em Los Angeles. Você pode conferir isso na entrevista de Risi que consta nos “extras” do DVD da “Versátil Home Vídeo” . Claro que Risi, um grande gozador , sacaneia esse achado do diretor de “Taxi-Driver”.
Dino Risi ficou famoso como diretor de comédias. Tem uma filmografia imensa. É dele o original de “Perfume de Mulher”( Profumo di donna) de 1974 e o cruel “Os novos monstros” (I nuouvi mostri) de 1977.
“ Il Sorpasso” é um filme que chocou o público, um filme que surpreendeu o relax dos espectadores que achavam que estavam diante de uma comédia leve. Juro que não vou contar o final do filme para não estragar o prazer daqueles que não o viram e vão assistir pela primeira vez. Conta uma história que se passa em pleno “ferragosto” que é o feriado do dia 15 de agosto que festeja a assunção da Virgem Maria em que para tudo no território italiano.
(Observação marginal:Eu passei um “ferragosto” com meu filho em Roma, e garanto, quase tudo não funciona na cidade dos césares. Araújo Netto, o saudoso jornalista que foi correspondente em Roma por quase toda sua vida me disse que um dia nesse famoso feridado pararam até os transportes públicos., uma loucura!
No “ferragosto”que meu filho e eu passamos em Roma, se não fosse Julio Lubetkin e sua família, estaríamos fritos- a italianada sai de ferias mesmo, fecha da farmácia ao posto de gasolina, a cidade fica deserta, todo mundo vai para a estrada rumo ao litoral ou à montanha e isso aparece no filme muito bem)
Voltemos ao “Il sorpasso” que não quer dizer “Aquele que sabe viver” mas sim “A ultrapassagem” . Como eu dizia, a história se passa num “ferragosto” onde logo de cara envolvidos por um jazz feroz acompanhamos Bruno Cortona( vivido de forma magnífica por Vittorio Gassman), um homem espaçoso que pilota seu Lancia chapa 329446 pelas ruas de Roma como se fosse um ás da formula 1. Está procurando um telefone e encontra a cidade deserta. Gira por Roma e pará numa bica d’água para se refrescar do calor que nessa época é de “rachar catedrais”(como um dia disse Nelson Rodrigues noutro contexto).
Ao lavar o rosto e beber da bica, ele percebe na janela de um apartamento um rapaz que veio observar a rua quando ouviu o ruído do carro de Bruno. (É bom salientar que parece que realemente todo mundo sai de férias nesse dia, os apartamentos ficam abandonados). O “espaçoso” Bruno então pergunta ao jovem se ele tem um telefone e se pode ligar para uma mulher chamada Marcela e dizer que ele vai se atrasar.
O tímido jovem estudante Roberto Mariani (vivido por Jean Louis Trintignant) , que está metido entre livros de direito diz a Bruno que seria melhor ele mesmo ligar para Marcela e o convida a subir. A partir daí, Bruno toma conta do destino de Roberto, que acaba entrando numa longa e excitante viagem pelas estradas da Itália em férias.
Bruno é terrível: egocêntrico, narcisista, sedutor. De cara ele se revela um irresponsável de marca maior, dirige a 120 km pelas estradas onde assume o papel de professor que vai ensinar o jovem o que é viver. Roberto entra na jogada aos poucos e quando vê já está de porre cantando "Mamãe eu quero" (claro que isso é uma força de expressão, mas o rapaz chega perto disso) O carro (como já dissemos, um Lancia) é um personagem fundamental do filme, sua buzina cantante é inesquecível. Ah, tem um detalhe no carro que é inacreditável: ele possui um toca-discos, acho que de 45 rotações. Será que isso é uma desvairada ficção, ou os malucos dos designers criaram um automóvel imune aos quebra-molas e buracos das estradas? Um outro detalhe engraçado decora o carro, ao lado do painel está colado um quadrinho com uma foto de Brigitte Bardot sorridente junto a uma legenda que diz : “Seja prudente, eu te espero em casa.”
Bruno aponta o quadro e diz , Bela ragazza , hein!
A gente precisa dizer que o Brasil desta época também vivia esse surto "automobilistico" e um resnascimento bossa-novista, uma procura do novo, tinha acabado de se mudar para Brasília, uma cidade inteiramente planejada, um emblema do modernismo.
O filme é pontuado por situações humorísticas e toques de ironia de Risi. Por exemplo no momento em que fala de uma música de Domenico Modugno, Bruno cita um filme de Antonioni, “O Eclipse”, Ele fala: Essa música tem aquela coisa, a solidão, a incomunicabilidade, e aquela outra coisa que está na moda, a a lienação como nos filmes de Antonioni. Você viu “O Eclipse”? Roberto vai dar sua opinião e é logo interrompido por Bruno que diz : Eu dormi o tempo todo, tirei uma boa soneca. Belo diretor é esse Antonioni!
A trilha sonora do filme é um colar de pérolas da época onde desfilam músicas como : “Quando, quando, quando “ de Tony Renis e Alberto Testa na voz de Emílio Pericoli. “St. Tropez Twist” de Cenci-Faiella com Peppino di Capri. “Per un attimo” de Luigi Naddeo com Peppino di Capri. “Don’t Play that song (You Lied) de Ahmet M. Etergun e Betty Nelson com Peppino di Capri. "Giani" de Tassone –Cassia na voz de Miranda Martino. “Vechio Frak” de Domenico Modugno que tembém a interpreta . “Guarda come Dondolo de Rossi-Vianello na voz de Edoardo Vianello. “Pinne Fucili Occhiali” da mesma dupla com interpretação de Vianello. Quanto ao jazz furioso que abre o filme eu não encontrei os créditos) Enquanto tocam essas músicas, vemos aquela cena que está em quase todos os filmes italianos desse tempo, como uma marca registrada made in Italy: gente bailando o twist. Gente de todo tipo sacudindo o esqueleto.
Num ponto da Estrada os dois encontram um punhado de padres que não falam italiano em torno de automóvel , estão com dificuldades para trocar um pneu. Bruno pergunta o que está acontecendo. Um dos padres fala em latim várias frases. Bruno diz que não compreende “niente”. Roberto traduz: Eles perguntam se temos um macaco.
-E como se diz que não temos? Pergunta Bruno.
Roberto diz: “Num habemus”
Bruno então emenda: “Num habemus macaco”, ciao ! E mete o pé no acelerador.
Quando eles passam por um ciclista , Bruno grita: - :”Compre uma Vespa!” E a seguir conclui:-“ O ciclismo não me interessa, é antiestético, engrossa as coxas. Prefiro bilhar ou cavalos…e vai por aí acelerando, cantando mulheres (inclusive sua filha que ele não reconhece em baixo de uma peruca negra, interpretada pela belíssima Catherine Spaak), seduzindo velhotas, tentando dormir com sua ex-mulher, contando lorotas…vivendo um brutal verão.
Segundo Risi o filme foi beijado pela sorte e chegou a inspirar “Easy Rider”, um “clássico” que ainda comentarei .(Aliás o filme “Il sorpasso” na na tradução americana se chama “The Easy Life”)
Por enquanto ficamos nesse artiguete sem muito pé nem cabeça como a viagem desses alucinados até que surge “il sorpasso”… Mas aí é outra história. Se tudo der certo, voltarei a esta Estrada. Aguardem .Vrummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm.........

5 comentários:

Anônimo disse...

mas come uno "toca-discos" num carro!!! má que cosa molto strana, rerere. Valeu como dica de filme,rs

LIBERATI disse...

Pois é Josemauros, um toca discos num Lancia. Gostaria de saber como foi esta experiência, ou se foi apenas um carro cenográfico, uma piada de Dino Risi. Como ele foi o rei das comédias italianas, deveria mudar seu nome para Dino Riso.
Agora, sem brincadeira, o filme é sensacional, vale a pena ver mais de uma vez. Outro dia vi por um preço baratinho numa dessas grandes megalivrarias.
Um abraço

ze disse...

Gente, deixem de ser burros! O toca disco toca aonde o carro parar : é som no meio do mato, no meio do nada! é música para quem nunca ouviu ! não é para tocar andando !
15 de agosto é quando Nossa Senhora sobe para os céus com corpo é tudo. Ainda é feriado. Junta com 15 de setembro que é a Descoberta da Cruz.
Liber, desculpe. Easy rider tem final triste.

ze disse...

o twist já é globalização. o macaco está engraçado.

Anônimo disse...

Excelente post! Tb adoro esse filme. Abçs.