11.4.08

Mantra


(Das croniquetas que cometi em minha vida, esta é uma das que mais gosto)
Jogos, filmes, programas, CD-Rom, DVD, Photoshop, Corel, Autocad, jogos, filmes, programas, CD-Rom, DVD, Photoshop, Corel, Autocad…
Ele, todos os dias, cantava essa ladainha. E, como pronunciava a seqüência de uma forma muito especial, ela foi se imantando de energia. Pode-se dizer que superou em muitos quilowatts aquela que é extraída na Av. Rio Branco e adjacências pelos gatos de camelôs mais sofisticados, que, comparados a ele, seriam operadores de sistemas mais complexos de sonegação, com seus elegantes home-theaters instalados nas calçadas da principal artéria da cidade.

Ele, coitado, era um pobre ambulante que não estava roubando, matando, nem estuprando, mas sim defendendo o dele - apesar de se abrigar sob a encaveirada bandeira, a velha Jolly-Roger esfarrapada de pirata da Carioca…

Mas um dia causou espécie e chegou ao topo da camelotagem. Tudo por causa da repetição de seu bordão de venda:
"Jogos, filmes, programas, CD- Rom, DVD, Photoshop, Corel, Autocad...", que se transformou num poderoso mantra e produziu tamanho campo de força que ele começou a levitar. No começo o pessoal achou que era mais um truque de um artista popular como os milhares que passaram por aquele local, mas, aos poucos, alguns transeuntes perceberam que se tratava de um verdadeiro prodígio. E assim fez-se a sua fama sobrenatural no boca-a-boca das ruas do Centro.

O resultado desse "marketing do além" logo apareceu em dinheiro vivo, lavável em qualquer boa lavandeira do país. Vendeu à beça: joguinhos de computador se esgotaram num piscar de olhos. Filmes de todos os tipos, desde os que estavam ainda passando nos cinemas até os clássicos de Holywood, escorriam de suas mãos. E ele, flutuando na praça, enquanto distribuía CD-Roms a mancheias. DVDs de shows, nem se fala, inundavam o povão que o cercava lá embaixo. E mais: botou para rodar milhares de CDs que tocavam na rádio. Entre eles, a trilha da novela das oito, o pagode nota 10, o funk da Quebra-barraco. Enfim, uma festa retocada a Photoshop, com
patrocínio não contabilizado da Microsoft e regado a Corel. Vendia até o sistema operacional da Linux, que é de grátis mas demora pra baixar.

O negócio ia às mil maravilhas. Chovesse ou fizesse sol, lá estava ele, levitando, cantando e enchendo o sacolão. A mídia logo se interessou: foi filmado, fotografado, entrevistado. Os policiais o cumprimentavam
abertamente e o saxofonista do metrô até criou um tema para seus vôos. Cientistas de todo o mundo vieram estudar o fenômeno. Alguém teve a idéia de criar uma ONG para ajudar meninos de rua otimizando seu mantra numa
gravação que seria decorada e repetida como numa madrassa. Mas os garotos estavam sempre chapados de cola de sapateiro e não conseguiam sair muito do chão. Logo ficavam à deriva, dando rasantes pela avenida e
atrapalhando o trânsito.

Porém, como diria Plínio Marcos, "sempre há um porém", num dia de caldo de feijão ralo, ele despencou lá de cima e se arrebentou todo. Nunca mais se falou na sua pessoa…Dizem as más línguas que seu milagre não passava de um artigo falsificado, um mantra do Paraguai.

2 comentários:

ze disse...

a prática de repetir mantras e olhar yantras é bem Oriental. o sentar para meditar. o rezar talvez seja o mantra. a cruz o yantra. bom vendedor. há quem nasça com o dom.

LIBERATI disse...

Mas o mantra dele era batizado, como o bom uísque que se toma nos piores botecos da vida.
Abração