5.11.14

Do fundo da estante: Capa de "O Primo Basílio" e seus desencontros

Do fundo da estante: cometi algumas ilustrações de capas de CD e livros. Esta foi uma das primeiras ilustrações de capa de livro que fiz e tem uma curiosa história de desencontros por trás. Ela foi feita em meados dos anos 70 quando eu engatinhava na profissão de ilustrador e encontrei a pessoa iluminada de Jiro Takahashi, editor da Ática (naquela época), que generosamente dedicou seu tempo para olhar meu magro portfólio, que nesse momento juntava alguns artigos que eu havia ilustrado para o jornal Movimento e uns outros, publicados no Jornal da Tarde. Ah, exibi também umas HQs e ilustrações coloridas feitas só para impressionar os editores que imaginava encontrar pela frente. Cabe informar que eu tinha saído dos trilhos de uma "promissora" carreira de sociólogo para me aventurar na esfera das artes... A minha sorte foi que Jiro, depois de conferir meus trabalhos iniciais, confiou em mim, e me passou o desafio de ilustrar a capa do livro do Eça de Queirós. Fazia parte da "Série Bom Livro/ Edição Didática". Por isso, deveria criar também o material pedagógico que acompanharia o livro - uma história em quadrinhos apresentando os principais momentos da obra. O objetivo era orientar a leitura dos alunos (o livro servia como apoio para professores de literatura). Nessa arte, trabalhei com lápis de cor , aquarela e guache. Para fazer a HQ do material didático em P&B usei um "episcópio" artesanal que existia numa grande editora de Sampa, cujo pessoal foi muito gentil, ao permitir o uso desse instrumento ótico por horas, atrapalhando o fluxo da diagramação das revistas que ali eram produzidas. ( o episcópio e o aerógrafo estavam na moda nos anos 70 - computador era um sonho). Confesso que trabalhei duro nessa arte. O contexto era particularmente confuso. Nesse tempo, meu filho estava para nascer, a mãe dele e eu vivíamos numa dureza danada e estávamos aprontando as malas para mudar para o Rio. Pode-se dizer que esta capa literalmente foi feita em trânsito. Comecei seus esboços em Sampa (no bairro do Paraíso) e terminei na rua Djalma Ulrich, em Copacapana. Durante o processo de sua "gestação"eu aguardei uma inserção no mercado de trabalho, o que de fato aconteceu. Após longa negociação, consegui trabalho num grande jornal carioca (o old JB). Fui contrado para ilustrar um suplemento em forma de tablóide, que na época tinha por nome "Serviço Completo". Passei ilustrar também o caderno de "Livros" e uma revista dominical. E assim, começou uma jornada incrível na qual aprendi muita coisa: passei mais de 30 anos pintando o 7 , inclusive escrevendo textos neste antigo habitante da avenida Brasil, 500. Importa dizer que no meio dessa agitada migração inicial, o livro foi enfim para a impressão, e não demorou para chegar às minhas mãos um exemplar com aquele cheirinho bom de tinta de gráfica. Encantado, coloquei o "Primo" na minha estante e sempre que podia, eu o admirava, feliz da vida. *** O tempo passou na janela , só Carolina não viu e eu - em meio aos acidentes da vida ( mudanças de imóvel, separações etc) acabei perdendo meu " Primo Basílio". Décadas depois, um amigo da Editoria de Arte achou o danado do "Primo" numa livraria da Rodoviária , e quando viu o meu nome na página dos créditos comprou o livro e me deu de presente. Corta/ Na cena seguinte, estou num departamento de criação de uma agência de publicidade carioquíssima, onde uns sujeitos engravatados me entrevistaram e olharam meu portfólio que, nessa época já era um senhor obeso e incluia dentro dele o livro que meu amigo tinha encontrado na Rodoviária . Eu -" não sabe de nada, inocente"- pensava que aqueles publicitários - "aceita um cafézinho, água?"- queriam contratar meus serviços de ilustração e eles "raposamente", na verdade, estavam mais ineressados em sondar a minha esbelta figura a respeito de um cliente para o qual eu fazia uns pequenos anúncios. Era um curso de inglês com o qual eu trocava trabalho por aulas. Muita conversa mole depois, o pessoal da agência viu meus trabalhos, cercou Lourenço, tomou informações sobre meu cliente e me descartou (ainda não se falava deletou) com aquele papo de que a gente te liga, se esbarra na praia, etc e tal... Aí, aconteceu a segunda perda do "Primo", acabei esquecendo o ilustre parente lá na agência, mas só percebi isso muito tempo depois e nem me lembro se telefonei para perguntar se algum dos publicitários tinha se interessado por literatura portuguesa. Desde este dia andei a procura dele nas "feirinhas de livros" ou sebos que costumo frequentar. Necas, nunca mais o encontrei em terras de Estácio de Sá. *** Tempos depois , precisei enfrentar os 450 km da Dutra, num retorno a Sampa e passar pelo maior engarrafamento do mundo (que lá ocorre dia sim dia sim), para achá-lo logo alí, na passagem subterrânea da Consolação - onde ninguém consola ninguém (perto do Cine Belas Artes e do antigo Bar Riviera - hoje fechado). Neste local existia um sebo coletivo denominado "Via Libris"). Lá estava ele , meu escorregadio "Primo" olhando para mim. Não se encontrava em bom estado e estava sem o material didático que o acompanhava originalmente- decerto foi usado e abusado, e repousa em algum lixão dos campos de Piratininga....Comprei na hora, feliz da vida saí do subterrâneo e entrei na confusão da Paulicéia desvairada, Obs: A tempo: o projeto gráfico é do craque Ary Almeida Normanha. Clique na imagem para ampliar e VER melhor

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