11.10.07

Ian Hamilton e a armadilha Salingeriana


Em "Pra cima com a viga, moçada", Salinger elabora uma das melhores aberturas narrativas da literatura americana. "Seymour, uma introdução", ao contrário, é uma peça chata. É neste trabalho que Salinger se confunde com seus dois "alter egos" (Buddy e Seymour Glass), rejeita a caravana beat e desanca a aristocracia intelectual da época - segundo Hamilton, despedindo-se do mundo. O troco não se fez esperar. Norman Mailer declarou que "sua sabedoria" não era respeitável; George Steiner, John Updike e Leslie Fiedler o atacaram com maior ou menor aspereza. Mary McCarthy foi a mais ferina: "O mundo de Salinger não contém nada além de Salinger", a seguir cruamente apontado como uma fraude.
Em um apêndice no qual resume a longa questão legal que finalmente o impediu de incluir as cartas de Salinger na biografia , Ian Hamilton faz ele mesmo a crítica do seu trabalho:" Não posso dizer qu eu estivesse ansioso pelo pelo lançamento do livro. Ele já não era bem o qu eu havia imaginado. Ficou excessivamente tenso e respeitoso, e prejudicado em muitos aspectos pela minha preocupação em demonstrar a Salinger qu eu não era um moleque". Em outra passagem ele chega a dizer que o livro não pode ser considerado uma biografia.
Excesso de pudores à parte, Ian Hamilton deve estar feliz, pois obrigou o mito a sair da toca, a escrever cartas, a contratar advogados e a a ir a um tribunal. Estas seriam relíquias sagradas para qualquer fã, mas Hamilton confessa que não gostou de ter seu nome associado ao de Salinger numa querela desse tipo. A conclusão do caso é que o biógrafo inglês caiu numa típica armadilha salingeriana: a dos peixe-banana. Como essas inocentes criaturas aquáticas do conto de J.D. , ele se meteu em um buraco cheio de apetitosas informações, fartou-se com elas, mas no final não pode sair. Ele deveria saber, desde a primeira leitura de "O Apanhador" , que com Salinger sempre acontece um "negócio de doido"
E assim chega ao final a resenha do livro "Em busca de J.D. Salinger" de Ian Hamilton. A seguir publico Os afetos e os desafetos de Salinger , o mapa de sua morada e a lista de seus livros no Brasil e como encontrá-los.
Talvez, mais para frente, vou procurar alguma coisa que escrevi sobre a família Glass e quem sabe a resenha do livro da mocinha que viveu com o mito de Cornish, New Hampshire.

4 comentários:

Anônimo disse...

Ainda estou no capítulo anterior de sua resenha.

Não entendi.
O cara boicota o lançamento de sua própria obra, pondo dificuldades na divulgação da mesma, e, quando começa a fazer sucesso, ele fica de bronca.
Ele é doido?
Ou está a fazer c*-doce como merchandising?

LIBERATI disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Gostei muito de sua explicação.

Tocou num ponto que é caro a alguns escritores.
Talvez porque estejamos no Dia da Criança, recordo d mtas discussões em torno da utilização das imgs em livros infantis; ouvi professores a criticar obras destinadas ao pequeno público por autores famosos devido ao tipo de ilustração "que inibia a imaginação do mini-leitor". Eu concordo, em parte. É preciso respeitar algs critérios de acordo c/ o público-alvo.

Achei curioso ler sobre este aspecto no caso de um adulto para adultos. Sem dúvida J.D. é excelente, mas um tanto preciosista. Uma literatura de qualidade não será ofuscada por uma img de capa, e mtas obras são reeditadas c/ imgs diferentes.

Imagine "Ulisses" de J.Joyce ilustrado por capítulos; se for um artista como o xilógrafo Goeldi numa obra de Dostoievski, a img enriquecerá o conteúdo, será um complemento repousante às letras corridas por mais que estas expressem idéias e sentimentos cativantes.

Na Europa as capas não costumam ter "enfeites"; são diretas no título, autor, no máximo um retrato na orelha da última capa.

Aqui no Brasil, um leiaute destes leva o leitor comum a pensar que se trata de livro didático, de referência, e os olhos passam direto p/ outro exemplar. Um pouco de propaganda é necessário, a "embalagem" do objeto livro não foge à regra.
(O livro sobre Zen q eu tenho é superilustrado...)

Todos viajaram e eu aqui a preparar chá de bonecas. :) Bom feriadão!

LIBERATI disse...

Cara Tinê, Jerome David Salinger é tem uma personalidade complexa. É contra o tipo de divulgação que as editoras estão acostumadas a fazer das obras. Foto na capa, ilustrações na capa. Ele é quase contra imagens que atrapalhem o seu texto. O sumo do seu texto. Gosta que o livro tenha capa com apenas letras, uma tipologia bacana, uma diagramação nos trinques, mas que não tenha uma imagem que comprometa a "imagem" que ele quis transmitir com palavras. Por isso é contra os filmes que queriam fazer sobre seus textos. Na verdade, ele tem medo do poder destrutivo que a imagem pode ter em relação à imaginação. Como ela pode interferir de maneira determinante na construção da sua ficção, perturbando e induzindo a imaginação do leitor. Quer portanto, apenas o texto como elemento condutor. Ele é zen, adota o pensamento zen. Gosta de fazer seu próprio alimento, parece que fazia terapia reichiana. Usou os elementos do grande sistema para se proteger da mídia e seu poder diluidor. Foi uma opção dele. Escreveu uma obra fundamental - "O Apanhador"- criou uma família interessantísima : - os Glass, e escreveu contos maravilhosos. Parece que não parou de escrever, mas talvez achou que já tinha escrito tudo o que queria e não conseguiu superar o que já havia produzido. Existem escritores que escrevem uma obra só- não é o caso dele. Mas, Juan Rulfo fez "Pedro Páramo" - uma obra "seminal" da literatura latinoamericana e mundial e um livro de contos chamado "Planalto em chamas" e nunca mais publicou nada. Quando perguntado por Eduardo Galeano se estava escrevendo algo, contava com detalhes o plano de uma obra que talvez estivesse escrevendo em sua cabeça, mas nunca o publicou, a obra variava de acordo com seu humor, mas ficou nisso. Levou para o túmulo a continuação do grande romance americano.
É isso, não acho Salinger maluco, acho que ele optou por não querer ser uma celebridade. Mas o grande sistema não deixa isso barato, ele se tornou de qualquer maneira célebre por não querer ser uma celebridade. Mas sua obra, isto sim é grande, inspirada, mostra uma potência criativa jamais igualada.
É isso aí, bom feriadão
bjs