31.10.07

A travessia do Grande Sertão


(Continuação do ensaio sobre o livro Grande Sertão:veredas)
Riobaldo percebe ser ele a travessia e intui não estar "terminado", terá que se definir em provas. "Viver é muito perigoso", repete. A
travessia é uma metáfora da experiência de conhecimento. Tarefa estrambótica para a maioria dos homens simples que vegetam na
qualidade de roceiros perdidos no tempo, capiaus sucumbindo às febres e desgraças comuns. Só os grandes senhores com seus
exércitos dominam a ciência das coisas. O mundo que o jagunço encantado encontra estruturado à sua frente é o vazio da lei. "O senhor
sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado". Sua ascensão começará,
portanto, pelo domínio do rifle. A pontaria certeira vai lhe dar um novo nome: "Tatarana-cerzidor". Mas isso não basta para o confronto
com Hermógenes. É preciso fazer o pacto, fechar o corpo. Daí, salta da condição de jagunço bom de mira para a chefia do bando. Sua
transformação é festejada: "Uai, tão falante Tatarana? Quem te veja…". É como se depois do ritual tivesse encontrado o dom demoníaco
de usar as palavras, e as astúcias que aquelas permitem engendrar. Nos enfrentamentos do sertão adquire mais valor. Então Zé Bebelo
o renomeia ao lhe passar o mando: "Mas você é outro homem, você revira o sertão… Tu é terrível, que nem o urutu branco". Uma nova
etapa se inaugura nessa ocasião: "Agora o tempo de todas as doideiras estava bicho livre para principiar", diz Riobaldo, pronto para o
grande embate: "Tinham me dado em mão o brinquedo do mundo". Por outro lado, é curioso notar que Diadorim, ao mesmo tempo que
o cega para seu destino, abre as portas de sua percepção: através dos olhos dela ele vai aprender a ver beleza no sertão.

5 comentários:

Anônimo disse...

Jacó que ao brigar com Deus entra na terra prometida mesmo que ferido e passa a se chamar Israel. ritual de passagem. na cidade grande é díficil sentí-lo na pele, o ritual de passagem. mas ele existe mesmo, o ritual. Coitado do Hermógenes professor de Yoga de tanta gente que fez aquele livro didático dela: quer dizer que no livro de Rosa ele é bandido ? zé

LIBERATI disse...

Caro Zé, é uma pena mesmo, mas Hermógenes no livro de Guimarães Rosa é um bandido pacatário com o demo. Na minissérie da Rede Globo (por sinal muito bem feita) ele foi interpretado por Tarcísio Meira, que também esteve ótimo, impressionante, nas roupas e com os enchimentos e apetrechos de guerra, Tarcísio dava medo.
Nosso bom Hermógenes o da yoga é outro, vi outro dia um filme sobre ele, uma pessoa generosa, um iluminado. Ritos de passagem também existem na cidade grande, com outras astúcias. Quem vem de baixo sabe disso. Os de cima, passam de helicóptero, a jato, mas esses também passam e tem seus ritos de passagem. Passam de milionários para bilionários e assim por diante.
Um abraço

Anônimo disse...

Homem cego de si sempre precisa ver-se por outros olhos;
não é à-toa que estes sejam de uma mulher decidida.

A alma nunca é cega.
Ela nos mostra aquilo que o entendimento se embaralha como o redemoinho em fim de tarde escaldante.

Quem cerze é o autor, pelo viés das falas da gente da terra.

LIBERATI disse...

Cara Tinê, e o demo, segundo o começo do Grande Sertão, está na rua, no meio do redemunho.
bjs

Biratan disse...

Master Liberati;
Háquantiempo. Parabéns pelas bela ilustras do mundo insertanecido do Guimarães Rosa.Mudando de terra seca para folhas secas, pincei um cartola teu pra minha coleção. No meu blog http://biratancartoon.blogspot.com/
estou expondo as caricas do grande Cartola feitas por colegas desses brasis. a proxima fornada o teu tá no meio. grande abraço do Biratan