26.7.08

Depoimentos sobre Macunaíma - Final -


(Aqui termina,a matéria espetacular de Jorge Sanglard sobre Macunaíma. Nesta parte final estão depoimentos de grandes figuras do mundo da arte da palavra)
Alexei Bueno
“Sempre afirmei ser a língua portuguesa a única língua moderna a ter criado três epopéias: ‘Os Lusíadas’, ‘Os sertões’ e ‘Grande sertão: veredas’. Uma em verso, no século XVI, e duas em prosa, no século XX. É certo que só Camões a escreveu dentro dos cânones estritos do gênero, mas o titanismo, o caráter bélico e o pathos épico que dominam a narrativa histórico-militar de Euclides da Cunha e o romance de Guimarães Rosa fazem com que ambos os livros, emocionalmente, existam como epopéias, o que importa muito mais do que a discussão sobre gêneros literários. O que é inegável é que essas duas obras são os nossos dois grandes livros nacionais, respectivamente a nossa ‘Ilíada’ e a nossa ‘Odisséia’, assim como ‘Os Lusíadas’ são a ‘Eneida’ de Portugal. Pois se esse livro cruento, ‘Os sertões’, narrando a queda da ‘Tróia de taipa dos jagunços’, faz bem as vezes da primeira, ‘Grande sertão: veredas’, essa demanda sublime pelo amor, pelo conhecimento e pela vingança é sem dúvida a possibilidade brasileira da segunda. Como Ulisses no seu atribulado retorno, o jagunço Riobaldo navega pelos infinitos e ínvios caminhos do sertão, plenos de tentações físicas e sobrenaturais, na busca do restabelecimento da ordem, do apaziguamento final, só conseguidos após a destruição da potência maligna representada por Hermógenes, tal como o grego só os conseguiu após o massacre dos pretendentes e seus próximos.
‘Os sertões’, como sabemos todos, veio à luz em 1902, e ‘Grande sertão: veredas’ em 1956. É quase exatamente entre esses dois livros que aparece ‘Macunaíma’, em 1928, que podemos chamar de nossa antiepopéia. O fabuloso conhecimento folclórico e lingüístico de Mário de Andrade chegou à sua síntese maior nesse livro mural que é a sua ‘rapsódia’. Afastado voluntariamente do pathos titânico dos dois livros que o enquadram historicamente, seu ‘herói sem nenhum caráter’ está provavelmente mais perto da verdade do que as alturas sublimes de Euclides e Rosa, o que não sei se é exatamente lisonjeiro para o Brasil. Entre o português muito nutrido pelos clássicos, e com uma visível influência de Oliveira Martins, ainda que de uma força sui generis, de ‘Os sertões’, e o expressionismo genial de Guimarães Rosa, cuja fonte mais importante está no Aquilino Ribeiro de ‘O Malhadinhas’, situa-se, portanto, a tentativa de ‘língua nacional’ de Mário de Andrade. Se em sua ficção, cuja culminância é ‘Macunaíma’, e em sua poesia – e quem escreveu ‘Meditação sobre o Tietê’ é uma grandíssimo poeta – essa ‘língua’ funciona perfeitamente, o mesmo não se dá, é preciso reconhecer, em boa parte da sua prosa não ficcional. Há um certo plebeísmo incontornável, um plebeísmo artificial, na topologia pronominal e em muito da sintaxe tão típicas do Mário de Andrade não ficcionista. Essa sua faceta fracassou obviamente, mas é uma faceta do doutrinador, do teórico, não do grande artista que sempre foi. O primeiro parágrafo de ‘Macunaíma’ permanece, só como exemplo, como uma dessas coisas que parecem ter existido desde sempre, no mundo platônico das idéias puras, tal qual o primeiro parágrafo de ‘Iracema’ ou a ‘Canção do exílio’ de Gonçalves Dias. A ‘língua nacional’, tão teorizada por Mário e antes e depois dele, foi algo que se desvaneceu perante a língua universal, e mais brasileira do que todas, do insuperável Guimarães Rosa. ‘Macunaíma’ segue, indubitavelmente, em sua originalidade e riqueza impressionantes, como um dos ‘livros da nacionalidade’, junto com ‘Os sertões’, o ‘Romanceiro da Inconfidência’, de Cecília Meireles, e o ‘Grande sertão: veredas’.”


Régis Bonvicino

“Mário de Andrade foi um excelente poeta em parte de seu livro ‘Paulicéia Desvairada’ (1921) e de ‘Losango Cáqui’ (1924). Depois, com passar do tempo, tornou-se um poeta de nível médio. Seu livro póstumo ‘Lira Paulistana’ (começo dos anos 1950) retorna ao bom nível do início. Mário de Andrade criou o que hoje se chama cultura nacional brasileira – estratégica para certa época e inútil hoje. Foi apropriado por esquerdistas-nacionalistas nos anos 1940 e significou ‘fechamento’ nacional para o Brasil. Fez de tudo muito, desde escrever cartas a pesquisas antropológicas e musicais. ‘Macunaíma’? Vale mais como metáfora, como aquilo que os outros imaginam, do que como romance em si. Há inúmeros romances ou prosas melhores do que ‘Macunaíma’, tanto no primeiro quanto no segundo modernismo brasileiro. Cito um: ‘Primeiras Estórias’, de Guimarães Rosa. ‘Macunaíma’ é um livro – ao ouvido de hoje – rebuscado. Vejo-o como um sonífero. Andrade é como o próprio modernismo brasileiro: arcaico. É uma instituição. Precisa de um releitura que o retire do ranço em que o meteram”.


Chico Lopes
“Tenho a impressão de que ‘Macunaíma’, que li nos meus anos de juventude repletos de descobertas quanto à literatura brasileira e reli uns 20 anos depois, mais sereno e cético, sempre foi para mim uma espécie de fantasma multicolorido a pairar na consciência brasileira. Preguiça, sensualidade desabusada, troca de raça e cor, venalidade feliz, abjeção carnavalesca, a fuga por um mosaico alucinado de Brasis. Não se pode pensar o Brasil real sem o ‘o grande Mal’ divertido de Mário de Andrade. Esse herói, tão assumidamente alheio ao heroísmo clássico, é visto sempre como pouco heróico e, no entanto, não me parece apenas assim. Diria que o sinto também como um herói trágico, dionisíaco, e lutando com um dilema que assola os brasileiros desde sempre e não dá sinal de solução: o da identidade, simbolizada pelo amuleto muiraquitã.
A decantada ‘falta de caráter’, em geral vista como um sinal de abertura e legitimação para a corrupção e a farra, parece carregar tintas mais sombrias, nos últimos tempos. Como o país vem progressivamente se tornando gravemente desconfiado de seu mito nacional de cordialidade, é possível que Macunaíma já tenha assumido um outro perfil e seja menos alegre que o grande Pândego que habitaria sob nossos paletós e gravatas. Mas esse lado sombrio nunca esteve descolado de sua totalidade. Macunaíma é um símbolo de muitos usos e infindáveis sentidos. É o símbolo maior de um país com uma estranha propensão a uma perversa alegria desenfreada e a se perder de si mesmo, fazendo trágicos mergulhos sem volta em rios repletos de miragens”.


Magaly Trindade Gonçalves e Zina C. Bellodi

“Num certo sentido ‘Macunaíma’ cumpre, de forma próxima ao picaresco, a tarefa de retratar o ‘herói’ nacional em sua ‘mock-epic’, isto é, numa obra onde o que constituiria os feitos grandiosos de uma figura mítica da nacionalidade, transforma-se, pelo humor, no que seria a imitação cômica do grandioso. Assim, acompanhamos a trajetória do herói desde o norte, vindo para São Paulo, percorrendo o Brasil, para voltar ao ponto de origem, onde, para não fugir à tradição folclórica, sofre sua definitiva transformação em constelação. Nas andanças pelo Brasil, e principalmente em São Paulo, experimenta as mais diversas aventuras, no meio das quais não deixa de figurar um tom às vezes irônico. O grande feito do herói é a luta que permeia suas aventuras com figuras como Venceslau Pietro Pietra. O próprio nome indica que a São Paulo pintada por Mário de Andrade, um dos destinos do herói, é uma cidade marcada pela imigração italiana. Ao longo da história diversas metamorfoses (momentâneas ou permanentes) aparecem como ponto fulcral de uma ação. O que marca este ‘mock-epic’ é particularmente a mistura de tempos diversos. De lugares primitivos onde se pesca como no início da civilização, parte-se para uma São Paulo e para um Sul em geral onde já existe aviação. A outra ironia que permeia a obra é a maneira como Macunaíma, ‘herói sem caráter’ (até por carecer de uma personalidade bem definida) embora originário de um Brasil primitivo, convive perfeitamente bem com as condições de vida de uma São Paulo já moderna. Poder-se-ia dizer que a obra procura, por meios diversos, focalizar a marca essencial de um país jovem como o nosso, isto é, a presença intensiva de outras etnias, todas elas tentando convergir para um ponto médio de cultura e civilização. Esta mistura reflete-se ainda no uso de diferentes linguagens, estilos diametralmente opostos, ao longo da história. De qualquer forma ‘Macunaíma’ é o épico que o Modernismo quis e pôde criar, isto é, a obra que busca a marca da nacionalidade (como toda epopéia clássica) sem deixar de destruir, pela ironia, sua própria estrutura grandiosa”.


Ronaldo Cagiano
“Ainda que críticos, ensaístas e estudiosos tenham se debruçado sobre a bibliografia e a personalidade de Mário de Andrade, não se esgotaram os olhares e as inúmeras possibilidades de compreensão de sua obra e de sua importância, como um antecipador e um divisor de águas na literatura brasileira. A partir da eclosão da Semana de 22, como um de seus principais signatários, Mário de Andrade chamou a atenção para a necessidade de uma arte que representasse e pensasse o caráter nacional, tendo como marco dessa consciência estética o romance ‘Macunaíma’. Não só como ficcionista e poeta, mas também como pesquisador e estudioso de nossa realidade multicultural, Mário mergulhou nos meandros cultura popular e erudita, e como um verdadeiro escafandristra, realizou um trabalho monumental de resgate, registro e memória, que são fonte e referencial permanente para estudiosos da língua e da literatura nacionais. Outra grande contribuição de Mário de Andrade foi a sua epistolografia. Nas cartas que trocou com amigos, escritores e intelectuais, percebem-se não apenas o seu pensamento e sua visão crítica sobre a arte e o País, mas suas agudíssimas discussões estéticas, que funcionam como verdadeiros farol e lição, principalmente para escritores de ontem e de hoje”.


Ozias Filho

“Este ano comemoram-se 80 aniversários do lançamento de uma obra fulcral da literatura e cultura brasileiras. Lançada em 1928, ‘Macunaíma – o herói sem nenhum caráter’, de Mário de Andrade, procurou na voz do próprio autor a definição de uma identidade nacional brasileira, longe do jugo e modelos coloniais ou aculturados. É certo também que a própria face da literatura brasileira nunca mais foi a mesma partir da experiência estética/lingüística vivenciada nesta obra que até aos dias de hoje inspira teses, dissertações, entre outras e variadas manifestações artísticas e culturais. Não sei, ao certo, se os objetivos do escritor na sua busca de uma identidade nacional foram plenamente alcançados, pois nesta aldeia global nunca deixamos de ser colonizados e aculturados, mas é inegável a representatividade do herói Macunaíma na ferida aberta, na alma brasileira. Contudo, para o leitor comum, onde me incluo, o que fica mesmo latente no livro de Mário de Andrade é esta viagem aos confins de um mundo do imaginário que está tão próximo de nós brasileiros; algo que nos remete para um estágio arquetípico; algo que já estava antes mesmo de sermos. Ao reler ‘Macunaíma’, aos 45 anos de idade, em Portugal, lembrei-me quase que instantaneamente das estórias que a minha avó cabocla (mestiça de branco com índio) contava-nos quando éramos crianças pequenas lá por terras do Rio de Janeiro: lá estavam a mula-sem-cabeça, o saci-pererê, a caapora, o curupira; personagens indígenas místicas às turras com lobisomens, sereias e outras assombrações do domínio público ocidental. Nós, irmãos, primos ou algum amiguinho que estivesse lá por casa a dormir, à meia-noite, por debaixo dos lençóis, cheiinhos de medo, contidos, mas com ou ouvidos atentos para mais uma comeizada de relatos sobrenaturais. Assim como o herói sem nenhum caráter Macunaíma, permiti-me viajar à terra mística da minha infância, à terra de magia e de liberdade; terra esta que também é preenchida pelas muitas aventuras do Sítio do Picapau Amarelo do meu preferido Monteiro Lobato”.


Lyslei Nascimento
“Macunaíma, nos seus 80 anos, tem muito a nos ensinar. A importância de Mário de Andrade e desse romance na renovação da literatura brasileira no século XX são inegáveis. Súmula do projeto estético de Mário, o romance funda, em suas poucas páginas, um novo olhar sobre a cultura brasileira. Ao mesmo tempo em que rechaça o academicismo formal e temático das letras e da arte em nosso país, através da Antropofagia, redefine nossa condição diante do ‘outro’ europeu. Ao abrir-se para o canibalismo cultural, deixa permear-se pelas vanguardas e pelo espírito cosmopolita do século que inicia. Com ‘Macunaíma’, o herói sem nenhum caráter, ventilamos o que foi definido como a ‘dialética da malandragem’ e, tal Brasil, tal romance, redescobrimos o que Eneida Maria de Souza chamou de ‘a pedra mágica do discurso’, ou seja, a possibilidade de, pela linguagem, construirmos um perfil nacional sem as empedernidas formas de nacionalismos que, vez por outra, insistem a tomar forma por aqui. Afastando-se das construções idealizadoras da nação, Mário propõe a ironia, ou seja, a desconstrução pelo riso e pelo deboche, que nem sempre, diga-se de passagem, é para fazer rir. Tal como Machado de Assis, Mário desfia a cultura entre a galhofa e a melancolia. Carece, portanto, de se estar atento à ironia em Mário. Um olhar sobre o seu romance, hoje, num mundo que se diz globalizado, pasteurizado por discursos do tipo ‘control alt c – control alt v’, deve, como na arte de ‘Macunaíma de Andrade’, de Arlindo Daibert, reinscrever, insubmisso, o processo antropofágico da cultura brasileira em nosso contexto artístico e literário”.


Marília Librandi Rocha
“Mítico, Macunaíma condensa imagens do inconsciente de uma brasilidade sempre por vir, em seu devir metamórfico – de piá a príncipe a constelação da Ursa Maior. Quando tentamos capturá-lo, Macunaíma já virou outra coisa, escapuliu, travesso. Lê-lo é sempre uma alegria. A primeira vez que ‘vi’ Macunaíma foi no teatro, na antológica encenação de Antunes Filho. Aquilo era um ritual, um acontecimento contagiante. Hoje, ao reler o livro, vejo o Macunaíma com a cara do Grande Otelo. O Imperador do Mato-Virgem. Quem seria a Macunaíma mulher? Iracema, provavelmente, a Virgem-dos-lábios-de-mel, se tivesse sobrevivido em versão Modernista. Um matrimônio a ser celebrado. Não seríamos mais como Moacir, ‘filhos da dor’ mas de um alegre amor em imaginária utopia”.


Eneida Maria de Souza
“Mário de Andrade é um dos escritores mais importantes da literatura brasileira do século XX. Mesmo tendo morrido jovem, aos 51 anos (Mário nasceu em 1893 e morreu em 1945), deixou uma obra essencial, de grande repercussão no Brasil, e uma correspondência vastíssima com os amigos, principalmente com escritores (dentre eles um grande número de escritores mineiros, como Drummond, Pedro Nava, Henriqueta Lisboa, Hélio Pellegrino e Fernando Sabino), em que se compõe toda uma poética modernista. A publicação das cartas que recebeu, que agora começa a ser divulgada, vai permitir que tenhamos acesso a um painel quase completo do princípio do século até os anos 50.
Mário foi grande poeta e romancista, e seu livro mais conhecido, ‘Macunaíma’, é a obra-prima do Modernismo brasileiro. Além de ‘Macunaíma’, publicou o romance ‘Amar, verbo intransitivo’, vários livros de poemas, entre eles ‘Paulicéia desvairada’, ‘Losango cáqui’ e ‘Remate de males’, contos, crônicas e relatos de viagem, como ‘O turista aprendiz’. Mário foi também um pesquisador importante das artes plásticas, da música, do folclore e do patrimônio e é autor de livros de ensaio como ‘Aspectos das artes plásticas no Brasil’, ‘Música, doce música’ e ‘Ensaio sobre a música no Brasil’. Alguns de seus originais ainda estão sendo publicados, e as pesquisas que deixou inacabadas vêm sendo concluídas por outros pesquisadores. Duas de suas obras foram adaptadas para o cinema: ‘Macunaíma’, de Joaquim Pedro de Andrade, filme rodado em plena ditadura militar, que levou a paródia ao extremo e rompeu com a estética do cinema novo, e ‘Amar, verbo intransitivo’, que recebeu o título de ‘Lição de amor’, dirigido por Eduardo Escorel.
Arlindo Daibert, artista plástico mineiro (1952-1993) realizou, em 1982, a leitura de ‘Macunaíma’ através de desenhos e gravuras. Ao condensar no título do trabalho, ‘Macunaíma de Andrade’, o nome da personagem com o do autor, assume a invenção artística sob o signo da autobiografia, ao reunir obra e vida a partir da reconstrução de retratos que reportam a cenas literárias, artísticas e políticas do período. As apropriações, as associações livres e os deliciosos roubos cometidos por Andrade na produção literária de ‘Macunaíma: o herói sem nenhum caráter’ demonstram a capacidade de entender a estética da paródia como ponto fulcral da arte modernista, procedimento encontrado nas colagens e reproduções de figuras da época. No texto ‘Diário de Bordo’, registro da preparação e da feitura de seus desenhos, Arlindo Daibert confessa as licenças artísticas cometidas na reconstrução das personagens, ao transformar a Uiara – e Ci – na imagem da bela e talentosa Tarsila do Amaral; a figura de Getúlio Vargas para protagonizar o gigante Piaimã ou elegendo o amigo e pintor Siron Franco como representação de Macunaíma, recriado na cena referente ao jogo das adivinhas. A mais evidente inserção autobiográfica do artista se revela na colagem referente à cena do capítulo ‘Macumba’, por contar com o respaldo de Mário: na festa da tia Ciata, o escritor introduz e ‘cola’ os amigos, transformando-os em personagens da rapsódia, procedimento capaz de romper com o limite rígido entre ficção e realidade. A explicação de Arlindo sobre a cena justifica sua intenção autobiográfica na leitura de ‘Macunaíma’: No final do capítulo, Mário mistura aos personagens da ficção alguns ‘macumbeiros’ reais como Bandeira, Antônio Bento, Cendrars, etc. Trata-se de uma lembrança de caráter afetivo, ou talvez por identificação ideológica, como no caso de Raul Bopp, também envolvido no estudo da cultura popular (...). Incluo entre os meus ‘macumbeiros’ alguns dos de Mário e outros como Drummond, Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Virginia Woolf, etc.(…). O quadro ainda não está completo e para confundir um pouco os exegetas incorporei ao trabalho algumas… afinidades eletivas (ou seria liaisons dangereuses?) que, para terminar, ‘fizeram a festa juntos’1.
Em 1982, ‘Macunaíma de Andrade’ chega até a mim através de um recorte da revista Veja, enviado por um dos muitos amigos que me mandavam, do Brasil, notícias e bibliografia sobre Mário de Andrade. Nessa época estava terminando o doutorado em Paris, cujo tema era a análise do discurso e da linguagem em ‘Macunaíma, o herói sem nenhum caráter’2. A impressão de ver plasticamente traduzido o texto literário com o qual estava, há mais de três anos, em diária companhia, foi a mais impactante possível, embora não pudesse ainda avaliar a obra, por desconhecê-la na íntegra.
O contato mais próximo com a série de desenhos ocorreu em 1993, por ocasião da montagem da exposição em homenagem ao centenário de Mário de Andrade, voltada para a relação entre o escritor e os intelectuais e artistas de Minas. ‘Mário de Andrade – Carta aos mineiros’ contou com a presença de Arlindo, que teve parte de sua obra exposta, juntamente com as ilustrações de Nava sobre ‘Macunaíma’ e de documentos relativos ao convívio epistolar e literário de Mário. Nessa ocasião, já havia optado por uma abordagem mais contextual e biográfica de sua obra, através do estudo de sua correspondência, de ensaios, diários de viagem e entrevistas do autor. De posse de nova postura metodológica e teórica, foi possível perceber que ‘Macunaíma de Andrade’ realizava, dez anos antes, uma leitura em que o texto ficcional atua como pretexto para a invenção teórica, cultural e artística, além de tornar mais tênue a distância entre realidade e ficção”.
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(Obras citadas na matéria que está disposta neste blogue em partes pois é muito grande- mas vale a pena, um útil material para os pesquisadores e admiradores da obra de Mário de Andrade. Arlequinal!!!!
1 DAIBERT, Arlindo. Cadernos de escritos. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995. p.25-26. (Organização de Júlio Castañon Guimarães.)
2 SOUZA, Eneida Maria de. A pedra mágica do discurso. 2.ed. revista e ampliada. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.)
(A ilustração desta parte da matéria é um desenho feito por mim para o livro "Astronomia do Macunaíma" de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão)

Um comentário:

ze disse...

faltou ao João fazer a própria psicanálise e indicar a referência bíblica, para não ficar o plágio, à história de Jacó : subconscientemente ele sabia - daí ter predito a própria morte ao entrar na academia. quanto á linguagem - é do povo. juro que vou tentar ler Macunaíma. de novo. desculpe qq coisa.