9.6.11

Gigantes da Bola



NR: Este texto é de Jorge Sanglard, um craque do jornalismo.Ele faz a resenha do maravilhoso livro Gigantes do Futebol Brasileiro de dois craques da escrita: João Máximo e Marcos de Castro que por sua vez escreveram sobre aqueles craques que nos gramados inventaram a história do nossa paixão nacional.(Os desenhos do livro são de Ique)

Escalar um time com 21 craques inquestionáveis da bola num universo tão amplo e rico de talentos quanto o do futebol brasileiro ao longo do século XX e a primeira década do século XXI parece ser tarefa para mestres. E é mesmo. Dois mestres da escrita esportiva, João Máximo e Marcos de Castro, toparam a empreitada e reeditaram um livro digno de quem ama o futebol tupiniquim e seus craques: “Gigantes do Futebol Brasileiro” (Civilização Brasileira), uma releitura ampliada e atualizada da edição inicial lançada em 1965. Questionada por muitos pela omissão de dois gigantes, Ademir e Didi, a primeira edição ainda teve pela frente o fracasso da Seleção Brasileira, em 1966, na Copa da Inglaterra, e o editor Ruy Carvalho acabou jogando a toalha. Resumo da história, o livro só era encontrado em alguns bons sebos.
Passadas quatro décadas e meia, João Máximo e Marcos de Castro resolveram reescalar o timaço de gigantes da pelota e, nesta nova edição, atualizaram os perfis da primeira edição, incluíram os de Ademir e de Didi, além de inserirem novos sete perfis: Gérson, Rivelino, Tostão, Falcão, Zico, Romário e Ronaldo. Num universo movido a paixão como é o futebol, principalmente no Brasil, não é tarefa das mais fáceis escolher apenas 21 gênios da bola entre tantos craques que seduziram e seduzem as massas com dribles, toques refinados, passes magistrais e gols, muitos e belos gols.
Se na edição inaugural, o escritor Paulo Mendes Campos (1922 – 1991) assinava o prefácio, intitulado “Uma palavra” (incluído nesta nova edição), agora a tarefa do novo prefácio coube a outro mestre da escrita, Luis Fernando Veríssimo. E Paulo Mendes Campos sentenciou: “Futebol no Brasil é uma função da alma”. Já Veríssimo não perde a maestria e dá o tom: “O futebol mudou muito desde os tempos de Friedenreich. O que pouco mudou foi a relação do torcedor com o futebol. Continua sendo uma coisa meio irracional e misteriosa: amamos uma camiseta, um nome, um escudo. Amamos, no fim, uma abstração. Mas o que realmente nos leva ao estádio, e nos envolve e reforça nossa devoção, é nada mais concreto do que o grande jogador”.
O primeiro gigante abordado no livro é Friedenreich, nascido na esquina das Ruas Vitória e Triunfo, em 1892, em São Paulo, ídolo no São Paulo e no Flamengo. E vitória e triunfo foram constantes na carreira do genial Fried. A seguir, Fausto marca presença no livro como a “Maravilha Negra”, graças a seu porte de “rei negro de nação africana”. O “Divino Mestre” Domingos da Guia, zagueiro maior, é outra estrela, assim como Leônidas, o “Diamante Negro”, ídolo rubro-negro, inventor do gol de bicicleta e primeiro responsável por tornar o Flamengo o clube mais popular do país.

Outra fera, Tim, “El Peón”, marcou época com seus dribles e como fio condutor dos times onde jogou e da Seleção. O próximo gigante abordado no livro é Romeu, o primeiro homem-equipe a surgir num futebol de virtudes isoladas, na opinião de João Máximo, e de quem o próprio Tim diria: “Romeu passava meses sem errar um passe”. Mestre Ziza, o Zizinho, um dos maiores craques brasileiros de todos os tempos, um meia-de-ligação excepcional, ou seja um gênio da bola, é outro craque em destaque. Segundo o saudoso Armando Nogueira, “Zizinho tinha o futebol na medula e no cérebro, no coração e nos músculos. Era, ao mesmo tempo, o pianista e o carregador de piano. Sempre suou a camisa, na derrota ou na vitória – era um operário; mas quanta beleza na transpiração de sua obra”.
O mineiro de São João Nepomuceno, Heleno de Freitas, foi o mais puro representante do profissionalismo incipiente, romântico, no país. Craque, boêmio, elegante, galã, rebelde, castigado pela destruição do sistema nervoso por uma sífilis em último grau. Dele, disse na época o saudoso escritor José Lins do Rego (1901 – 1957): “Reclamando, enfezado, irritando até as traves dos gols, ainda é ele o melhor. O mais eficiente, o de mais classe, o mais capaz. Depois que Leônidas se foi, ou melhor, depois que acabou o futebol de Leônidas, o que existe por aí é o futebol de Heleno”.
Meia-direita que passou a ponta de lança com igual desenvoltura, Ademir Meneses, apelidado Queixada, ficou célebre por suas sensacionais arrancadas rumo ao gol. De Danilo Alvim, craque apelidado de “Príncipe”, tal a nobreza e a elegância de seu futebol disse o locutor e mestre da MPB, Ari Barroso (1903 - 1964): “A técnica de Danilo lembra Chopin, manso, doce, inspirado”. Já o locutor esportivo Valdir Amaral chamou Nílton Santos de “Enciclopédia”, uma síntese exemplar para um gênio do futebol, maior jogador de defesa no país e um dos mais completos craques do Brasil em todos os tempos. Segundo os autores, “Nílton Santos é, em uma palavra, eterno”.
Sobre Didi, Paulo Mendes Campos sintetizou com precisão, como eram os passes do mestre, “O futebol de Didi é lento, sofrido, difícil, inspirado, idealista. Eis um homem que quase achou o que não existe: perfeição”. Para João Máximo, “Didi é o mais ilustre continuador da tradição brasileira de criativos arquitetos de jogada, sucessor de Romeu, Tim, Jair, Zizinho e antecessor de Gérson, Rivelino, Falcão”.

Mestre, gênio, ou seja lá o que for, Garrincha é difícil de ser explicado. E é o saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987) que lança um feixe de luz sobre Mané: “Se há deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho”.
Marcos de Castro afirma que “Garrincha ganhou duas Copas do Mundo para o Brasil”. O Garrincha dos “Joões” encantou o Brasil com seus dribles desconcertantes, e hipnotizou o mundo da bola. A alegria do povo transformou a ponta direita em local nobre nos estádios de todo o mundo.
É novamente Marcos de Castro que traça um dos perfis mais emblemáticos do livro, o de Pelé. A história do futebol brasileiro tem de ser dividida em duas partes: antes de Pelé e depois de Pelé. E Pelé foi um caso único no Século XX. Autor de 1.284 gols em 1.375 partidas de futebol, alcançou a incrível média de 0,93 gols por jogo. Aos 16 anos, em 1957, já era titular do ataque do Santos e, entre 1957 e 1973, foi artilheiro 11 vezes do campeonato paulista. Ganhou dois mundiais de Clubes com o Santos e ajudou o Brasil a conquistar três Copas do Mundo, 1958, 1962 e 1970. Considerado o Atleta do Século XX, Pelé é o Rei do Futebol. E pronto. Tudo o mais é história.
Entre os novos perfis desta nova edição, Gérson abre alas e inscreve seu nome entre os gigantes. Sobre o Canhotinha de Ouro, João Saldanha (1917 – 1990) disse: “Foi um dos maiores jogadores de meio-campo do Brasil, talvez o mais completo”. Foi ídolo no Flamengo, no Botafogo e no São Paulo. E, na Copa do Mundo de 1970, encantou o mundo com seu futebol preciso e de classe.
Rivelino, o “Garoto do Parque” marcou época no Corinthians e depois no Fluminense. É outro gigante da Copa do Mundo de 1970. Seu potente chute de canhota demoliu defesas e goleiros nos quatro cantos do planeta. O dramaturgo, jornalista e cronista Nélson Rodrigues (1912 – 1980) sintetizou: “Rivelino faz da bola o que quer. Suponho que seus dribles irritem profundamente o adversário. Mas isso é o chamado inevitável. Ninguém mais exasperante do que o gênio do futebol”.
Outra fera da Copa do Mundo de 1970, Tostão, a partir de 1965, inseriu seu nome entre as estrelas do Cruzeiro, em Minas Gerais. Entre 1965 e 1969 foi pentacampeão mineiro. Ao lado de Dirceu Lopes, Wilson Piazza, Hílton Oliveira, Natal, Zé Carlos, Evaldo e Raul, integrou um dos maiores times do futebol brasileiro. Goleador, craque e mestre do futebol arte, depois de encerrar a carreira, Tostão formou-se em Medicina e virou o “doutor Eduardo”. Mas a sedução da bola falou mais alto e transformou Tostão, a partir de 1994, num dos mais competentes cronistas e comentaristas esportivos do país.
Ídolo maior do Internacional, de Porto Alegre, Falcão virou ainda o “Rei de Roma”, para onde seguiu em 1980 e, depois, em 1985, retornou ao Brasil para jogar no São Paulo, onde encerrou a carreira. Ídolo maior da história do Flamengo, um time de grandes ídolos ao longo do Século XX, Zico, o camisa10 rubro-negro eterno, ganhou de Valdir Amaral o apelido de “Galinho de Quintino”. Ao lado de Carpegiani e Adílio, ou de Andrade e Adílio, Zico formou dois dos maiores meios de campo da história do Flamengo. Campeão mundial interclubes, em 1981, Zico integrou um timaço, onde despontavam os laterais Leandro e Júnior, além de ter o “artilheiro das decisões”, Nunes, no ataque. A despedida do Flamengo ocorreu em dois jogos: em 2de dezembro de 1989, em Juiz de Fora, numa estrondosa goleada de 5x0 sobre o rival Fluminense, com direito a golaço de falta e no Maracanã, em fevereiro de 1990, num 2x2 contra um time de jogadores estrangeiros.

O jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano dá o norte sobre outro gigante da área: “Vindo sabe-se de que região do ar, o tigre aparece, dá seu bote e se esfuma. O goleiro, preso na sua jaula, não tem tempo nem de piscar. Num lampejo, Romário mete seus gols de meia volta, de bicicleta, de voleio, de trivela, de calcanhar, de frente ou de perfil”. O craque holandês, Cruyff, disse dele: “Romário é o gênio da grande área”. Ao lado de Bebeto, Romário foi a estrela da conquista da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos. Ídolo no Vasco e também no Flamengo, o “Baixinho” foi um dos maiores centroavantes brasileiros de todos os tempos e conquistou o seu gol 1.000 em 20 de maio de 2007. Até então, só Pelé tinha rompido a marca do milésimo gol.
O gigante que encerra o livro é Ronaldo, o “Fenômeno”. Maior artilheiro em Copas do Mundo, com 15 gols em três disputas. Sobre ele, o escritor e cronista Luis Fernando Verissimo foi incisivo: “Ronaldo imitou a trajetória clássica do herói mitológico que desde ao inferno e volta para refazer a história. É o primeiro mortal real a retornar no tempo para corrigir a própria biografia”. João Máximo, em seu perfil, destaca que “na hora de finalizar, o raciocínio rápido o levaria a optar sempre pelo melhor: desviar abola ou driblar o goleiro, se frente a frente com ele, ou chutar de longe, colocado, forte, de surpresa. Em qualquer dos casos, gol de Ronaldo será quase sempre uma obra pessoal.
Aos17 anos, já vestia, como reserva, a amarelinha da Seleção Brasileira e integrava o time tetracampeão do mundo, em 1994, nos Estados Unidos. Aos 20 anos, seria apontado pela Fifa como o melhor jogador mundial e ainda repetiria o feito outras duas vezes. Ídolo na Inter e no Milan, no Barcelona e no Real Madrid, Ronaldo foi decisivo com seus gols na Copa do Mundo na Ásia, em 2002, quando o Brasil sagrou-se pentacampeão. Sua despedida da Seleção Brasileira aconteceu em jogo amistoso contra a Romênia, em 7 de junho de 2011, em São Paulo.
Em todo o Século XX e nesses 11 anos do Século XX, o Brasil revelou ao mundo da bola os 21 gigantes do futebol retratados no livro e muitos outros craques, que encantaram e/ou encantam nos mais diversos rincões do planeta. O país do futebol é um celeiro inesgotável e se prepara para em, 2014, sediar outra Copa do Mundo. Além disso, em 2016, o Rio de Janeiro sediará os Jogos Olímpicos. Momentos de afirmação esportiva de um povo, que vem superando desafios e conquistando a cidadania. Enfim, o esporte mais popular abre caminhos para o Brasil se projetar ainda mais no cenário internacional.


Jorge Sanglard é jornalista, pesquisador e produtor cultural. Escreve em jornais de Portugal e do Brasil. E-mail: jorgesanglard@yahoo.com.br

Nenhum comentário: