29.10.07

Grande Sertão é um bazar árabe


(Continuação do ensaio sobre o livro Grande Sertão :veredas)
Dizem que escreveu o livro suando em bicas; como um médium, incorporou a alma sertaneja. Sua primeira frase é um coice, indica que
se entrou num mundo estranho: "Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja". Se o leitor agüentar a
pancada, o relato o levará para lonjuras, onde encontrará formas arcaicas de vida. Homens presos a um tempo imóvel-mineral. Até
antropofagia inconsciente ocorre, como lembra Oscar Lopes. Num trecho, Zé Bebelo – um dos grandes chefes – intui que topou com
gente de outra era quando é indagado a respeito de onde vinha por uns catrumanos. Responde: "Ei, do Brasil, amigo".
Em O narrador, o melancólico Walter Benjamin afirma que a arte de narrar entra num processo histórico de dissolução justamente
"porque o lado épico da verdade, a sabedoria está agonizando". A obra de Rosa é, sem dúvida, o testemunho da sabedoria sertaneja, e
carrega algo de desespero antropológico em seu registro. Disse uma vez: "Quando não entendo bem alguma coisa, então não vou
conversar com nenhum professor erudito, procuro um vaqueiro velho de Minas, qualquer um deles, pois todos são sábios".
Não era uma boutade. Riobaldo filosofa enquanto conta sua história. Arrisca, num certo momento, a entrever certa universalidade: "O
sertão está em toda parte… é do tamanho do mundo". Pode-se dizer que foi até picado por uma dúvida iluminista ao tentar desvendar
se existe ou não o demônio, ao qual, num certo momento, empenhou sua alma. Riobaldo será um Fausto por amor.
Alguém disse que o Grande sertão se assemelha a um grande bazar árabe: tem de tudo. Captar a totalidade dele é um problema
insolúvel. Afonso Casais Monteiro afirmou: "Evidentemente há coisas que só entenderá em Grande sertão: veredas o sertanejo,
precisamente o menos provável de seus leitores". Paulo Rónai continua: "Acrescentaria eu que há outras coisas que só o dialetologista,
outras que só o filósofo, outras ainda que só o psicanalista entenderá – o que equivale a dizer que nenhum leitor entenderá a obra na
íntegra". Observou que o autor trabalhou como cineasta: "Sabe que os detalhes de seus flagrantes só parcialmente serão percebidos
pelo público na rápida sucessão das imagens"

2 comentários:

TS disse...

Ei, do Brasil, amigo!
Dou trégua, não. Postou, bati.
Cavalo do seu traço, beleeeza! Surreal.

Guima com razão:
uma vez meu passarinho adoeceu, fui procurar o veterinário; o capiau no caminho me disse:
cê besta, perde tempo não, dona, médico de bicho entende nada não. quem entende é o 'passarinhêro', 'porcura' o zé-azulão.

E assim salvei meu passarinho.

T.

Anônimo disse...

Ih, só agora vi, 'alguém' falou por mim.
Deixa estar. Importa, não.
Mas o cavalo é cubista!
Duas cabeças numa.