4.10.11

Fafá Lemos: samba com pizzicato, temperado na bossa, em saborosa receita de violino popular





 
"Fui convidado para ir a um samba/lá no Morro do Arrelia/me apresentaram ao dono da casa/era um tal de Malaquia/ele me disse: "em sua homenagem,/já mandei preparar um prato"/eu fiquei indignado quando me disseram que comi carne de gato/
          Eu não gostei do papel do Malaquia/bem que eu desconfiei com tanta carne que havia/malandro não dá mancada/eu vou pôr as minhas mãos à obra/vou convidá-lo para uma peixada/mas vai ser de carne de cobra/ (no breque) surucucu, cascavel
"
          

         

         Nos discos de Rafael Lemos Jr., o saudoso Fafá Lemos (foto acima), ele, em uma ou outra faixa, embalado por um violino travesso, mandava uma letra chistosa - como a do ótimo samba "Carne de Gato",  dos versos acima -, cantando macio, com bossa e com classe. Antes, romântico, pela Musidisc, também cantara no aveludado original de "Duas Contas", do genial Garoto (com raríssima letra deste), com o qual e mais o gaúcho Romeu Seibel, o Chiquinho do Acordeom, formaria um conjunto, o Trio Surdina (foto acima), identificado, em 1952, com uma nova vestimenta harmônica para a canção popular, de alinhavo jazzístico, e surgido, no programa "Música em Surdina", no fim de noite da Rádio Nacional, por iniciativa do diretor artístico da emissora, Paulo Tapajós. Se alegre e buliçoso no sincopado, seu arco e flexa, em contraste, também emitia a nota plangente, melancólica, como na belíssima gravação da valsa "Tudo Cabe num Beijo", em seu derradeiro elepê, de 1989, pelo Estúdio Eldorado, produzido por Zuza Homem de Mello e feito em duo com outra saudade, esta em forma de piano, a também carioca Carolina Cardoso de Menezes, autora da melodia lembrada. Um disco primoroso, de feitura inspirada em jantar oferecido por Carolina em seu apartamento no Rio a jornalistas especializados (como já escreveu um dos presentes, também saudoso, Aramis Millarch), no qual o versátil Fafá talvez se aproximasse mais em si, retrospectivamente, daquela criança de formação erudita que, aos nove anos, tocaria Vivaldi acompanhado de orquestra no Teatro Municipal e, mais adiante, do rapaz que, aos dezenove, integraria, por curto período, a Orquestra Sinfônica Brasileira   
          Diferentemente do violão e da flauta, com suas figuras de proa, o violino, antes de Fafá, era aqui um instrumento de tope erudito e sem lastro solista no sentimento popular aflorado em canção. Poucos no ramo, além dele - como Tobias Troisi, Eduardo Patané e Irany Pinto -, nos anos 50, por exemplo, quando também se apresentou com Carmen Miranda nos EUA, destacaram-se no disco por um trabalho próprio a tocar (n)o coração do cidadão comum, distanciado de salas de concerto e fruições camerísticas. Ainda naquela década, Fafá seria diretor artístico da RCA Victor e dono de uma boate na Rua Rodolfo Dantas, em Copacabana - "um buraco na parede", como ironizava, à maneira norte-americana, de tão pequena -, até, a partir de 1961, domiciliar-se por muitos anos nos EUA, o que já fazia o amigo guitarrista Laurindo de Almeida, com quem, por sinal, ainda no comecinho dos anos 50, lá estivera a trabalho. Em 18 de outubro de 2004, praticamente em surdina, sem que se lhe destinasse relevo, ainda que póstumo, na imprensa, silenciavam de vez aquele vibrato e aquele pizzicato tão particularmente utilizados por ele em tempo de samba e hoje referências de estilo dos excelentes Nicolas Krassik - que gravou em seu primeiro CD o choro "Fafá em Hollywood", de Fafá - e Ricardo Herz, violinistas também devotados a uma expressão popular e marcante do instrumento. No último 19 de fevereiro, esse nosso Grappelli tropical teria completado 90 anos.
         ***
Pós-escrito: 1) nos "links" seguintes, Fafá canta outro samba chistoso, "Saturado", da autoria de Berico e Franco Ferreira; 2) toca "Cigano no Baião", de Garoto, gravado em 1952; 3) toca, com Luiz Bonfá, "A Voz do Morro", de Zé Kéti; 4) canta mais um samba engraçado, "Time Perna de Pau", de Vicente Amar, gravado em 1956; 5) toca "Chão de Estrelas", de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa; 6) toca e canta "Duas Contas", de Garoto, na cultuada gravação do Trio Surdina; 7) exercita-se em bolero famoso, dos anos 40, "Acércate Más";    
                   2) ainda acima, duas fotos de capas da discografia de Fafá: a do elepê "Bonfafá", gravado em 1958 com Luiz Bonfá, e a do já citado com Carolina Cardoso de Menezes. 
              

          http://www.youtube.com/watch?v=yg1d4FiMjpU&feature=related
("Saturado")

          http://www.youtube.com/watch?v=efwuv5-uKs0 ("Cigano no Baião")

          http://www.youtube.com/watch?v=yNiPVfwqa5g&feature=related ("A Voz do Morro")

          http://www.youtube.com/watch?v=gQhUp9ifb3U&feature=related ("Time Perna de Pau")

          http://www.youtube.com/watch?v=N6jkHNau3IA ("Chão de Estrelas")

          http://www.youtube.com/watch?v=N6jkHNau3IA ("Duas Contas")

         http://www.youtube.com/watch?v=vj_extxsxIw&feature=related ("Acércate Más")  

Nenhum comentário: