25.8.16

Querida Itália

Minha solidariedade ao povo italiano...

Festa Literária de Madalena -FLIM 2016 / Sábado e Domingo, 27 e 28 de agosto


A sensacional FLIM 2016 vai rolar neste final de semana em Santa Maria Madalena (RJ). O homenageado dessa edição vai ser o escritor Antônio Torres.
Eu, modestamente, com muita honra, estarei presente com uma mostra de caricaturas de escritores e com uma oficina de ilustração.
Mais detalhes a respeito da programação da Festa no blog http://flim-festaliterariademadalena.blogspot.com.br/

16.8.16

O poder do som Woodstock, 47 anos depois



Por Jorge Sanglard (*)

A utopia libertária de Woodstock, quase 47 anos depois, permanece viva. E volta e meia é reativada pela celebração daqueles três dias de paz e muita música que entraram para a história do século XX. O poder do som e a força das imagens do maior festival de todos os tempos transcenderam as terras da fazenda de Max Yasgur, em White Lake, na cidade de Bethel, Condado de Sullivan, Nova York, e ganharam impulso com os lançamentos de discos e de um documentário. A cada reedição comemorativa, os ritmos e as imagens da Feira de Arte e Música de Woodstock ampliam a reflexão sobre a transformação de costumes desencadeada nos dias 15, 16 e 17 de agosto de 1969.
No livro “Back to the garden” – no Brasil, “Woodstock” –, lançado pela editora Agir nas comemorações de 40 anos do evento, o radialista norte-americano Pete Fornatale mergulhou nas impressões de mais de uma centena de personagens que estiveram lá, nos bastidores, no palco, na produção, na grama, na lama, e abriu um diversificado leque de opiniões sobre o evento que sacudiu a América. E deu voz a alguns analistas do fenômeno Woodstock.
Pete Fornatale assegura no livro que o festival, sem qualquer intenção prévia, se tornou um manifesto, um símbolo das mudanças que borbulharam na primeira metade e transbordaram durante a segunda metade dos anos 60 nos Estados Unidos. Ainda no livro, ele levanta a questão sobre tudo o que rolou durante as 65 horas de som no evento que redefiniu a cultura e os valores de toda uma geração e lançou sementes para além de seu tempo: “Woodstock foi, sem dúvida, o marco principal da grande revolução jovem da época, uma onda de transformação musical, política e social”. A empreitada idealizada por Michael Lang, Artie Kornfeld, John Roberts e Joel Rosenman nasceu de um encontro a partir de um anúncio de jornal e transformou a música e o comportamento do século XX.

A lenda e o mito de Woodstock se tornaram maiores do que a sua realidade


O músico Graham Nash sintetizou: “A lenda e o mito de Woodstock se tornaram maiores do que a sua realidade. Foi inegavelmente um tremendo evento social. Muita música de qualidade. Muita diversão para muita gente. Acho que, à medida que o tempo passou, a lenda, o mito de Woodstock, se tornou maior do que a realidade”. A antropóloga Margaret Mead viu tudo como um fenômeno sociológico e assegurou na revista Red, na época, que foi uma confirmação de que esta geração tem, e compreende que tem, sua própria identidade. E David Crosby, em seu livro “Stand and Be Counted”, deu uma pista: “não foi um evento político no sentido tradicional do termo, mas foi tão grande que teve um impacto político semelhante”.
Muitas controvérsias marcaram o festival. Talvez a maior delas é quanto ao número de gente que conseguiu reunir, 400 mil, 500 mil. Pouco importa, era um mar de gente. O certo é que às 17h07 da sexta-feira, 15 de agosto de 1969, uma onda humana como nenhuma outra nos anais da história, como descreve Pete Fornatale, ouvia os primeiros sons de Richie Havens, que fora escolhido na hora para abrir o festival num vôo solo ao violão. Quase três horas depois, já exausto, o músico continuava no palco, a pedido da produção, e não sabia mais o que cantar, já cantara tudo, quando veio a inspiração: “Olhei para a platéia e não conseguia ver o fim dela porque, como se vê no filme, é gente até onde se consegue enxergar. Então olhei para cima e disse ‘liberdade não é o que eles fazem a gente pensar que é, nós já a temos. Tudo que devemos fazer é exercê-la, e é isso que estamos fazendo bem aqui’. Então comecei a tocar umas notas procurando alguma coisa e a palavra saiu, ‘freedom’, e aí, claro ‘Motherless child’, que eu não cantava há uns seis, sete anos, surgiu. Depois apareceu uma parte de uma canção que eu costumava cantar quando tinha 15 anos e entrou no meio. Foi assim que juntei tudo”.
Fornatale esclarece que a performance de Richie cristalizou e iluminou a verdadeira razão subjacente para que aquele meio milhão de pessoas se reunisse ao toque de uma única palavra, repetida mil vezes e ecoada pela multidão: “Freedom, freedom, liberdade, liberdade”. A performance de Havens hipnotizou e seduziu a massa e o músico, segundo Fornatale, parece em transe, transformado, transportado: “ele ainda é a maior encarnação viva do ethos de Woodstock”.
Para o escritor e crítico Bob Santelli, Havens salvou o dia do festival. Mas ainda no primeiro dia nasceu uma inesperada estrela solo, Coutry Joe McDonald, uma inclusão tardia no elenco. O Fish estava escalado só para o domingo, Joe chegou cedo para curtir a abertura do festival, na sexta, e dava bobeira na lateral do palco, quando o apresentador e gerente de produção, John Morris, resolveu convocá-lo. E Joe soltou logo uma adaptação de um grito de guerra que usara antes e soletrou a palavra “fuck” no lugar de “fish”. Segundo o coordenador artístico, Bill Belmont, quando soou “Me dá um F!”, todo mundo sabia o que ia acontecer. O que veio depois está no filme, a multidão inteira gritando “fuck”, uma palavra proibida na América até então. “E, claro, não é só a palavra, mas o significado por trás dela”, esclarece Santelli: “todas as regras e leis tinham ficado do lado de fora dos portões”.

Woodstock foi sobre a criação de um novo mundo

Na opinião de Santelli, “quando se pensa em Woodstock e nas canções da Guerra do Vietnã, se pensa na apresentação de Joe. Foi lendária e importante. Ele se impôs. Foi uma das poucas vezes em que a política foi realmente convidada ao palco e realmente aceita. De modo geral, Woodstock não foi sobre política. Não foi sobre o que estava acontecendo no mundo, as coisas ruins. Foi sobre a criação de um novo mundo, uma nova identidade, uma nova nação, a Nação Woodstock. Não foi sobre tentar resolver a Guerra do Vietnã ou sobre se manifestar e mandar uma tremenda mensagem ao mundo careta e ao governo americano de que queríamos que a guerra parasse. Ainda assim, Joe, da única maneira que ele podia fazer, conseguiu adicionar um elemento político que foi aceito”.
A pobreza, a injustiça, o racismo e o belicismo estavam à solta na “terra da liberdade” e no “lar dos bravos”, assegura Fornatale; afinal, nenhum tema revelou mais o crescente abismo nos Estados Unidos do que o Vietnã: “ao mesmo tempo em que esta geração estava abraçando sexo, drogas e rock’n’roll, aprendia a suportar o choque e o trauma dos assassinatos, os distúrbios e a brutalidade policial. Eram essas as nuvens que pairavam sobre Woodstock, e nada tinham a ver com o tempo”.
A crítica de rock, Ellen Sander, aponta uma pista: “o ano anterior tinha sido muito tumultuado, com muita violência no país e muitos distúrbios. Havia um grande descontentamento no ar, e ele acabou achando um lar em Woodstock. Acho que os assassinatos de Martin Luther King e Robert Kennedy e os distúrbios na Convenção Nacional Democrata criaram o clima e as condições para algo assim. Nós, boomers, crescemos em circunstâncias únicas e fomos atingidos por um monte de coisas que não atingiram as gerações anteriores. A Guerra do Vietnã, todos achávamos ser um conflito injusto e não declarado. Houve muitos protestos contra a guerra. Não creio que alguém jamais saberá a resposta do mistério de Woodstock não ter degringolado em caos e violência – porque todos os elementos estavam a postos – mas, em vez disso, foi muito pacífico. Na época, a gente sentiu que era uma espécie de destino, que seria um caminho para o futuro – de cooperação pacífica, espírito de comunidade, tribalismo, essas coisas. Não saiu bem do jeito que a gente esperava (risos), mas pelo menos existiu naquele fim de semana”.
O diretor Michael Wadleigh aponta Sly Stone como o músico que conquistou a maior reação da platéia no festival. “Quando Sly disse, ‘I wanna take you higher’ (Quero te levar mais alto), a multidão ficou frenética, quando falou, ‘Dance to the music’ (Dance para a música), não havia como deixar de dançar. A música era mais do que poderosa. Sly & the Family Stone capturaram a essência do festival”. E Fornatale conseguiu de Roger Daltrey, do The Who, uma emocionada lembrança: “O sol nascendo em ‘See me, Feel Me’ é a melhor. Quer dizer, foi uma experiência incrível. Assim que as palavras ‘see me’ saíram da minha boca no final de ‘Tommy’, aquele enorme e vermelho sol de agosto começou a surgir no horizonte sobre a multidão. É um show de luz imbatível”. Daltrey ainda esclareceu: “o sucesso e a importância de Woodstock é que foi um triunfo humanista. A platéia foi a estrela”. E Pete Townshend também arrematou: “O que aconteceu depois do show de Woodstock foi milagroso. Todo mundo foi em frente e a América é um país melhor por conta disso”.
Por sua vez, o músico e editor Stan Schnier argumentou: “nada naquele filme se aproxima da energia de Carlos Santana. Foi uma espécie de experiência fora do corpo ver esses caras. Eles eram muito jovens e incendiários. É uma dessas convergências maravilhosas, existia alguma coisa sobre Carlos Santana na época que parecia de outro planeta”. Joe Cocker também ganhou notoriedade depois “do rolo compressor da pièce de résistance que fechava sua performance, uma recriação única de ‘With a Little Help from My Friends’, a canção de John Lennon e Paul McCartney”. Para Michael Wadleigh, “Cocker faz tudo, está dentro daquilo. Ele é um bom exemplo de porque a música dos anos 60 e a década de 60 duraram e presumivelmente vão durar para sempre. São performances e músicas verdadeiramente emotivas, comoventes e fundamentais”.

A Nação Woodstock, enfim, dava seu grito libertador

O encerramento do festival, já na manhã da segunda-feira, 18 de agosto, foi apoteótico, apesar do público reduzido que ficou para ouvir Jimi Hendrix e o grupo experimental Electric Sky Church. Depois de tocar por cerca de duas horas, Hendrix deu o golpe final e tocou a Guerra do Vietnã nas cordas da sua guitarra branca, com direito a toque de recolher, estouro de bombas, metralhadoras disparando e o barulho de helicópteros no céu. Sua interpretação visceral do hino norte-americano “Star-Spangled Banner” simbolizou toda a essência de Woodstock. A Nação Woodstock, enfim, dava seu grito libertador. Daí em diante, é história.
No Brasil, pai e filho avaliam o fenômeno. O psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg e o analista da arte anarquista Leonardo Goldberg refletem sobre o festival. Para Jacob, “no imaginário e no simbólico, Woodstock foi a resposta do inconsciente coletivo da humanidade à repressão que culminou com o nazi-fascismo e as ondas conservadoras em todo o mundo (inclusive da esquerda stalinista). Foi o dia em que o superego dançou. A liberação do Id abriu os territórios do prazer, rompendo com os tabus e inaugurando a liberdade enquanto esperança. Embora, posteriormente, cooptado e desfigurado – pelo capitalismo e pela droga – historicamente, o indivíduo num instante épico e dramatizado levou a imaginação ao teatro existencial”. E, segundo Leonardo, "sob um viés piagetiano, se a espécie humana pudesse ser concebida como um único indivíduo, o festival de Woodstock seria sua fase rebelde, a adolescência, o divisor de águas que marcaria a concepção de liberdade num caráter macro”.
Para marcar as quatro décadas do evento, em 2009, foi lançado, numa edição em 4 DVDs pela Warner, "Woodstock - 3 Days of Peace & Music", resgatando o histórico documentário "Woodstock - Onde Tudo Começou", de Michael Wadleigh, uma autêntica síntese visual e sonora do maior ícone do movimento hippie. Uma série de CDs ainda jogou mais lenha na fogueira, despertando o interesse na música que abriu alas para eternizar Jimi Hendrix, Santana, Joe Cocker, Richie Havens, Joan Baez, Janis Joplin, Sly & The Family Stone, Country Joe And The Fish e muitos mais.
A Rhino Records - Warner lançou também em 2009 uma caixa de 6 CDs “Woodstock - 40 Years On: Back to Yasgur’s Farm”, com 77 músicas, sendo que 38 estavam inéditas em disco até então. As trilhas sonoras “Music From the Original Soundtrack and More: Woodstock” e “Woodstock 2” também foram remasterizadas e relançadas. E a Legacy / Sony Music articulou a coleção de 5 CDs duplos “Woodstock Experience”, reunindo álbuns originais de 1969 de Janis Joplin, Johnny Winter, Santana, Jefferson Airplane e Sly & the Family Stone e as performances completas de cada um no festival. E, nos Estados Unidos, o Bethel Woods Center for the Arts e o Museum at Bethel Woods ocupam parte da fazenda de Max Yasgur, reúnem a memória do festival e trabalham para que a “volta ao jardim” continue viva.



(*)Jorge Sanglard é jornalista, pesquisador e produtor cultural. Escreve em jornais de Portugal

15.8.16

Cartunzinho:A santa ira/ Pokémon Go até no céu

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11.8.16

Cartum/ Cuidado com essa febre de Pokémon!

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4.8.16

Daibert e a reflexão sobre as Veredas do Grande Sertão

Por Jorge Sanglard *

A reflexão sobre Grande Sertão: Veredas que Arlindo Daibert (12/08/1952 – 28/08/1993) criou, entre 1983 e 1984, interligando uma série de 20 xilogravuras (com apenas 30 cópias assinadas e numeradas) a desenhos e colagens permanece desafiadora 23 anos após a morte do artista plástico mineiro, em 28 de agosto de 1993. Esta série de xilogravuras é o testemunho vivo da ousadia e da inventividade de quem sempre encarnou a criação como um estímulo, além de um compromisso com a produção do saber.
O Brasil celebrou, em maio de 2016, os 60 anos do lançamento da obra-prima de João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, terceiro livro do escritor mineiro que revolucionou a moderna literatura ficcional brasileira. Lançado em maio de 1956, GSV expressa toda a inventividade e a criatividade de Rosa ao reinventar uma linguagem literária peculiar e é considerado como um dos mais importantes livros do século XX no país. Ao criar um vocabulário entremeado de neologismos e de invenções, o escritor articulou a base para sua narrativa épica, abordando contradições vivenciadas por suas personagens sertanejas envolvidas entre Deus e o diabo, além da imprevisibilidade do amor.
Na opinião do conceituado crítico literário Antonio Candido: “A experiência documentária de Guimarães Rosa, a observação da vida sertaneja, a paixão pela coisa e o nome da coisa, a capacidade de entrar na psicologia do rústico, — tudo se transformou em significado universal graças à invenção, que subtrai o livro da matriz regional, para fazê-lo exprimir os grandes lugares comuns, sem os quais a arte não sobrevive: dor, júbilo, ódio, amor, morte, — para cuja órbita nos arrasta a cada instante, mostrando que o pitoresco é acessório, e na verdade, o Sertão é o Mundo”.
Arlindo Daibert revelou uma arte inquietante ao se enveredar no universo mágico de Guimarães Rosa (nascido em Cordisburgo em 27 de junho de 1908 e que completaria 108 anos, em 27 de junho de 2016, se não tivesse se encantado em 19/11/1967). O artista plástico, já no início da elaboração da série de trabalhos, deixava antever que o conjunto de imagens criado seria pouco ortodoxo. Ao ser entrevistado por Walter Sebastião, em fevereiro de 1984, Daibert revelava, pela primeira vez, estar usando como guia de sua interpretação o máximo de declarações de Guimarães Rosa. Afinal, “ele fazia questão de frisar que seu projeto literário era um romance cosmológico, um romance filosófico ambientado no sertão, porque o sertão é um universo fechado”.
Algumas relações intertextuais abrem um espaço muito amplo e muito rico para a reflexão e para o conhecimento. Este é, com certeza, o caso da série de trabalhos gráficos que Arlindo Daibert, doublé de artista plástico e grande leitor (não necessariamente nessa ordem), fez da narrativa de Guimarães Rosa. O professor de literatura brasileira e de literatura comparada da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Gilvan P. Ribeiro, afirma que, à primeira vista, poderia parecer que o artista ilustrou a obra de Rosa. Mas a um olhar mais atento, percebe-se que, na verdade, Arlindo Daibert dialoga com múltiplas veredas do grande sertão. Seu “olho armado” percebe, na escritura de Rosa, uma miríade de possibilidades visuais que evolam do texto. A essas possibilidades se acrescentam outras, decorrentes da pesquisa que Daibert fez do escritor e que brotam, nos trabalhos do artista, como flores simbólicas das reflexões e querências de Rosa. Personagens e situações do livro aparecem, assim, ligadas a cartas de tarô, mandalas, oroboros e outras variadas simbologias. Desta forma, o mistério, que, de alguma forma, sempre ronda o livro de Rosa, se abre em cor, luz e sombra, reitera o professor.
Ao ler os trabalhos de Arlindo, tendo sempre a obra de Rosa como referencial primeiro, um ilumina o outro. A compreensão do universo roseano se amplia a partir da leitura que o artista faz do texto. Personagens se esgarçam ou se projetam com nitidez, situações de tensão ou de ternura se recortam numa moldura que as torna mais visíveis. Felizmente, argumenta Gilvan P. Ribeiro, a obra de Arlindo Daibert pode ser lida por muitos, desde que foram publicadas no livro Imagens do grande sertão (Editoras UFMG – UFJF).
Grande Sertão: Veredas, para o escritor também mineiro Luiz Ruffato, que é considerado um renovador da prosa contemporânea brasileira, sem dúvida alguma, é um dos maiores monumentos da literatura brasileira. Individualmente, talvez seja o maior romance da língua, embora Guimarães Rosa, na opinião de Ruffato, não seja o maior escritor (perde, por pontos, para Machado de Assis...). Trata-se de uma obra que funde, com extrema felicidade, o caráter conflituoso em vários aspectos: a língua popular e erudita, o Bem e o Mal, o masculino e o feminino, o amor e a violência, o local e o universal. Tão radical experiência ainda hoje motiva controvérsias, mas, parece, a cada dia mais se configura uma obviedade: é uma obra-prima barroca, talvez o mais barroco dos nossos romances, ressalta Ruffato. Segundo o escritor e crítico literário Fábio Lucas “Grande Sertão:Veredas introduziu no espírito investigativo dos intérpretes, críticos e analistas a sanha de desvelar o mundo real que o autor teria reproduzido artisticamente na obra. Um dos modos de perseguir essa possibilidade foi o de identificar o espaço geográfico da ação dramática (o exemplo de Alan Viggiano em Itinerário de Riobaldo Tatarana) ou de vasculhar a dimensão linguística da região em que se desenrolam os episódios narrados por Riobaldo (o exemplo da obra de Teresinha Souto Ward (O Discurso Oral em ‘Grande Sertão:Veredas’). Geografia física e Geografia Humana”.
A escritora mineira Rachel Jardim argumenta que, no Brasil, existe o time do Guimarães Rosa e o time do Machado de Assis. Sempre se considera Guimarães Rosa mais moderno, um reformador da linguagem, muito mais Joyce do que Proust. No entanto, o sentimento poético que possuem todos os personagens regionais de Guimarães Rosa é que os torna imortais e universais. Muito mais do que personagens regionais, eles são produto de uma visão poética abrangente e avassaladora.
Para Rachel Jardim, Machado lida com o cotidiano, com seres aparentemente triviais, nada exóticos, nada regionais, ambivalentes e, às vezes, metafóricos. Mas para quem gosta realmente de ler, para quem se deixa possuir pela literatura e a conhece verdadeiramente, há poucas diferenças. Sombra e luz possuem a alma dos personagens de Machado de Assis e de Guimarães Rosa. É nesse terreno que os leitores de Machado de Assis e de Guimarães Rosa mergulham. Isso é o suficiente para fazê-los testemunha e cúmplice da grandeza de ambos.


A vida e a linguagem são uma coisa só


Último trabalho de Arlindo Daibert, nascido em 12 de agosto de 1952, em Juiz de Fora, Minas Gerais, a série GSV foi exposta pela primeira vez, em Belo Horizonte , no final de setembro de 1993, um mês após a morte do artista. E, em abril de 1994, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo abriu suas portas para acolher a reflexão do desenhista mineiro sobre a obra de Guimarães Rosa.
A relação essencialmente mágica expressa pelo artista plástico, tanto na série de 20 xilogravuras, quanto nos desenhos e colagens, acaba por reafirmar toda a força criativa desta interpretação aberta do universo de Guimarães Rosa. E essa dimensão foi percebida, já no início da elaboração dos trabalhos, pelo jornalista e crítico de arte Walter Sebastião, um dos primeiros interlocutores a conversar com Arlindo Daibert, logo que o artista juizforano iniciou um estudo detalhado da obra de Rosa e passou a se enveredar no universo de GSV, entre o final de 1983 e o início de 1984. Walter Sebastião vê na incrível rede de significados elaborada por Arlindo a síntese de toda a sua inteligência no manuseio de signos/símbolos e destaca toda a sua habilidade artesanal.
Um artista capaz de deixar fluir uma forte crença na responsabilidade cultural de sua arte, Daibert sempre se recusou a ser um mero “produtor de imagens” e defendia como compromisso do artista a produção do saber. Assim, o desenhista não levou em conta o contexto pessoal do escritor mineiro e não fez uma releitura técnica de GSV. Na verdade, ousou criar sem limitações, tendo como ponto de partida o estímulo literário.
Ao vislumbrar no livro de Rosa uma síntese do Cosmos e não uma narrativa específica de uma região, o artista apontava para a grandeza do autor. E advertia: “Quem for ver procurando estereótipos regionalistas, não vai entender nada”. Afinal, o artista plástico conseguiu romper limites e conseguiu refletir sobre a linguagem do desenho. O desafio da criação nunca intimidou Arlindo Daibert, ao contrário, sempre serviu como estímulo.
O psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg vê nos nomes, a chave do enigma de GSV: “Guimarães Rosa era o enxadrista da erudição e, mais ainda, o mago que esconde–esconde pistas para aguçar a busca do leitor. Médico e curioso do alternativo, sabia que o rim e não o coração é o órgão da paixão no Oriente. Dia do rim, o personagem, ela no lusco–fusco do amor. Diadorim. Rio São Francisco, a imagem fálica do pau grosso em sua narrativa. Baldo, o personagem do másculo deslize. Riobaldo. O amor que não diz o nome”.
Segundo a professora, poeta e contista suíça, radicada no Brasil, Prisca Agustoni, a narrativa de GSV é de encaixes, não só em termos formais (linguísticos, sintáticos), mas também em termos da matéria narrativa, que é revelada ao destinatário aos poucos, através de remendos e fragmentos, de idas e voltas. O próprio narrador é duplo, sendo o Riobaldo-personagem das façanhas jagunças, de tom épico, e o Riobaldo do tom lírico, que fala e reflexiona sobre si mesmo. Apesar disso, os dois são “uma coisa só”, uma unidade que atravessa o romance como um todo encaixado, “tudo certinho”.



Caráter universal fascinante



A abrangência do romance é universal, as implicações filosóficas transcendem os limites geográficos e históricos da narrativa. Aí reside o permanente fascínio de GSV. O artista plástico apontava ainda o fato de Guimarães Rosa misturar, por exemplo, máximas e raciocínios do Zen-Budismo ou de Vedas, como referências que deram o caráter universal ao livro e acabaram despertando o interesse de estudiosos de outros países.
O que torna a obra de Guimarães Rosa tão fascinante, na opinião da professora assistente de literatura brasileira e cultura naUniversidade de Stanford, nos Estados Uni-dos, Marília Librandi Rocha, é que a sua escrita é a reunião de muitas artes. Ao escrever, ele pinta, desenha e dança com as palavras que soam como música, o que faz com que o leitor se deleite com o fluxo poético de sua prosa, por isso mesmo intensamente erótica, pois afeta os sentidos do corpo e da mente ou, como ele preferiria dizer, do “coraçãomente”, como “belimbeleza” de muita arte. Além disso, é sempre um desafio para a leitura: sua plenitude de significados esvazia o sentido das muitas interpretações, escapando pelas vertentes, como a dizer que a ficção é sempre mais verdadeira que as muitas realidades a ela atribuídas: “Somente renovando a língua, pode-se renovar o mundo”.
Assim, ao iniciar o projeto de GSV, em 1983, Arlindo Daibert imaginava fazer 99 trabalhos, um número simbólico, ímpar, com 9, que é um número cabalístico. A intenção, revelada na época, era quase uma homenagem ao fascínio de Guimarães Rosa pelos raciocínios das filosofias ocultistas, pela alquimia, pelas filosofias orientais, que são aspectos que o escritor deixava vazar não só noGSV, mas em outras narrativas.
Despertava a atenção do desenhista a descrição de episódios e situações na obra de Guimarães Rosa que coincidiam com a descrição das cartas do Tarot. Todos estes dados serviram de referência para o artista na criação das imagens. Ao usar desde imagens populares até representações eruditas, Daibert driblou a tentação de uma simples tradução e ousou na interpretação e na criatividade.
Ao criar uma imagem ilustre com uma colcha de retalhos, ou outra com uma cara de Tarot, ou ainda um jagunço a cavalo com a representação de um centauro, Arlindo Daibert explorou a diversidade de situações sempre presente na obra de Rosa. E rompeu com todos os limites ao refletir sobre a linguagem do desenho e ampliar suas possibilidades. O artista sempre deixou muito claro que, ao vislumbrar seu trabalho — seja em desenho seja em pintura ou em colagem — como uma linguagem de encarar o mundo, aceitava o desafio da criação. Mas ressaltava que não se podia confundir um método de raciocínio com apenas uma produção de imagens.
A característica da linguagem gráfica de Daibert não poderia deixar de ser a criação da imagem, mas sempre como conseqüência e não como fim de seu projeto. E o artista plástico explicitava este ponto de vista: “O meu projeto não é criar imagens, o meu projeto é refletir sobre as coisas através das imagens”. Isso criava uma dinâmica capaz de não prender a sua criação a nenhuma fórmula gráfica, a nenhum estilo gráfico.
Arlindo Daibert ainda confidenciou: “Eu tenho um estilo de raciocínio e não um estilo gráfico. Os meus estilos gráficos se adaptam às problemáticas que eu estiver refletindo em cada momento”. Este era seu grande trunfo: um artista afiado e afinado com o seu tempo. Avesso a concessões e a limitações, sempre fazia da ousadia de dar um passo à frente o estímulo para continuar caminhando. Essa percepção mágica diferenciava Arlindo e está viva e presente em sua arte.



Um franco atirador que jamais erra o alvo


Na opinião do jornalista, crítico mineiro, e prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo: “Um franco atirador que jamais erra o alvo”. Essa definição sintetiza bem quem foi o artista Arlindo Daibert, lembrando que ele enfatizava a individualidade como condição imprescindível numa época de padronização e massificação da própria subjetividade. “Também foi um incentivador de projetos à sua volta, na qualidade de professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. E, como curador de exposições, alimentava o crescimento de valores novos, ao mesmo tempo em que reabastecia sua fonte para o desafio da criação”, assegura o jornalista.
Amigo particular e especial apreciador de sua obra, Angelo Oswaldo sempre considerou Daibert um dos mais importantes artistas da contemporaneidade brasileira. “A morte dele interrompeu uma trajetória que nos levaria definitivamente a uma das obras mais significativas do século XX”. O crítico ressalta que o artista foi responsável por ter colocado Juiz de Fora como um centro de referência de vanguarda no cenário artístico nacional.
Angelo Oswaldo aponta também a interação entre a literatura e a visualidade, ponto essencial da proposta artística de Arlindo. “Há um processo de integração entre a literatura e a visualidade - que ele soube resolver muito bem - em que a força da linguagem se transforma na grande energia autônoma da expressão visual. Ele conseguia extrair a poética da literatura e dar suporte à sua expressão visual, sem violentar a autonomia da imagem”.
A obra visual de Arlindo Daibert deve um tributo à literatura, mas é também autônoma, pois cria sua linguagem própria a partir de símbolos literários. “Dentro das artes plásticas brasileiras, talvez seja a obra mais intelectualizada, porque Arlindo trouxe para o campo da criação plástico-visual toda a sua rica cultura nas áreas de literatura, lingüística e filosofia”.
Daibert abordava de maneira singular, como desenhista, pintor, gravurista, criador de objetos e instalações, obras de autores como Mário de Andrade, Murilo Mendes, Guimarães Rosa e Lewis Carroll, entre outros. Além do legado artístico, em termos de acervo, Arlindo deixou um trabalho muito importante para a cultura de Minas e do Brasil, contribuindo, de modo especial, para a revalorização da obra literária de Murilo Mendes no país e para a vinda, de Portugal para o Brasil, de parte significante do acervo de desenhos e de pinturas da coleção do poeta, hoje abrigados no Museu de Arte Murilo Mendes, da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Os 20 anos da morte de Arlindo Daibert (celebrados em 2013), foram marcados na Universidade Federal de Juiz de Fora, com uma série de eventos promovidos pela Pró-reitoria de Cultura, Museu de Arte Murilo Mendes e a Editora UFJF, no Museu de Arte Murilo Mendes (Rua Benjamin Constant, 790, Centro, Juiz de Fora). Entre eles, a exibição de vídeos na Galeria Poliedro, uma Mesa Redonda reunindo os pesquisadores Júlio Castañon Guimarães e Jorge Sanglard, tendo como mediador o professor e artista plástico Afonso Rodrigues, além da exposição “Arlindo Daibert 20 anos depois”, na Galeria Retratos-Relâmpago.
O cinquentenário da edição de GSV, em 2006, foi celebrado pela editora Nova Fronteira com o lançamento de três reedições da obra: uma versão popular; uma edição tradicional, que abriu a coleção Biblioteca do Estudante, na Bienal de São Paulo em março de 2006 e uma edição comemorativa com tiragem de 5 mil exemplares e projeto criado pela diretora teatral Bia Lessa. Este livro chegou ao mercado acompanhado de um catálogo da exposição sobre a obra, que Bia Lessa organizou também em março de 2006, no Museu da Língua Portuguesa, na Estação da Luz, em São Paulo , além de trazer um CD multimídia, com imagens e sons do sertão descrito pelo escritor Guimarães Rosa.

(*) Jorge Sanglard é jornalista e pesquisador.

2.8.16

Gilson Peranzzetta e Mauro Senise se apresentam na Casa Stefan Zweig no sábado, dia 6 de agosto

Apresentação única. O show vai rolar no sábado, dia 6 de agosto a partir das 17 horas, na Casa Stefan Zweig ( Rua Gonçalves Dias, 34, Duas Pontes - Petrópolis).
Faça sua reserva pelo telefone (24) 22454316. Garanta seu ingresso antecipadamente, ou por telefone ou na própria Casa Stefan Zweig, das 11 às 17 horas. (até sexta feira)
Ingressos: R$40 inteira e R$20 meia entrada.
(Clique na imagem para ampliar e VER melhor)