31.12.07

30.12.07

Desejos de Poder


(Este é o artigo de final de ano do Professor Marco Aurélio Nogueira e foi publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo em 22 de dezembro de 2007)
Se olharmos retrospectivamente para o ano que ora se encerra, não será difícil constatar que a política, honrando suas tradições, organizou-se em torno da disputa pela conquista, pelo uso e pela conservação do poder.

A determinação do presidente Hugo Chávez em ver aprovado o plebiscito que lhe daria condições de se candidatar sucessivas vezes ao cargo, tanto quanto a iniciativa de ex-comunistas e ex-democratas-cristãos italianos de se fundirem em um novo partido de centro-esquerda, fazem mais sentido quando pensadas tendo em vista a questão do poder. Boa parte da agenda brasileira de 2007 repercutiu um eventual interesse do presidente Lula em conquistar um terceiro mandato, fato por ele sempre desmentido mas deixado em banho-maria graças à iniciativa de deputados da base governista no Congresso. Foi também por questões de poder que as oposições se empenharam na derrota da CPMF, decisão que refletiu muito mais cálculos eleitorais (tendo em vista as eleições de 2008, momento formal de luta aberta pelo poder) e erros governamentais do que uma avaliação do significado daquele imposto e da função que ele desempenha na vida nacional. Foi como se o governo Lula devesse ser responsabilizado pela criação e manutenção de um tributo que existia há 14 anos, que foi adotado para financiar políticas da Saúde e que sempre foi controvertido. Supôs-se que a população toda seria contra a CPMF, encurralou-se o governo e partiu-se para um bem-sucedido ataque final. Os operadores políticos governamentais, por sua vez, limitaram-se à retórica mais ou menos abstrata da justiça social e não souberam usar o poder real de que dispõem para safar-se da armadilha.

Amado e odiado indistintamente, o poder perturba, leva pessoas à loucura, corrompe e alucina, mas também serve para que se movam montanhas e para que multidões dispersas se organizem. O poder reprime, incomoda e prejudica, mas também acalenta, protege, incentiva e beneficia. Costuma ser utilizado tanto para conservar quanto para revolucionar, tanto para promover mudanças quanto para preservar o status quo. É visto como instrumento e como fim último, como recurso e como meio de vida.

“É tendência geral de todos os homens um perpétuo e irrequieto desejo de poder, que cessa apenas com a morte”, escreveu Hobbes no Leviatã (1651). Ele reiterava uma idéia anterior, que Maquiavel havia exposto em seus Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio (1517): “não se pode determinar com clareza que espécie de homem é mais nociva numa república: a dos que desejam adquirir o que não possuem ou a dos que só querem conservar as vantagens já alcançadas”. Maquiavel não economizaria palavras: “a sede de poder é tão forte quanto a sede de vingança, se não for mais forte ainda”.

Não há política sem poder. Mesmo em suas formas mais generosas – as da ação que busca emancipar, livrar pessoas da desigualdade, viabilizar a “boa sociedade” ou resistir a governos tirânicos –, a política é uma atividade balizada pelo poder. Sempre se faz a partir do poder, tendo em vista o poder, contra ele ou em direção a ele, como observou várias vezes Norberto Bobbio.

Mas política não é somente desejo de poder. É também aposta nas vantagens da vida coletiva, um espaço em que se combate para ampliar as margens de liberdade e construir os fundamentos da vida comum.

Hoje nos deparamos com uma situação paradoxal. A democratização e a individualização modernas se expandiram expressivamente, do mesmo modo que a democracia parece consolidada como regime político, em que pesem falhas e sobressaltos. Temos mais poder como pessoas, mais direitos e mais liberdade para contestar a autoridade e fazer coisas, porém nos encontramos em uma situação geral na qual nos sentimos oprimidos pela incerteza, pela insegurança e pela inoperância da maioria dos centros que nos governam. Não sabemos visualizar com clareza a fonte desta opressão e deste mal-estar, e vivemos com a sensação de que governantes, chefes e dirigentes não têm assim tanto poder, permanecendo muitas vezes em segundo plano. O mercado e o capital são sempre mais poderosos, os Estados parecem sem força, cercados por sistemas que não conseguem regular. Há um clima de crise de autoridade e de “desinstitucionalização”, ao mesmo tempo em que se abrem novos horizontes e possibilidades.

O poder político tem hoje efetivamente menos poder. Diversos processos objetivos, associados ao que se costuma chamar de globalização e à radicalização da vida moderna, estão a reduzir o grau de controle que as estruturas governamentais têm sobre as sociedades. Quando territórios e pessoas são afetados por muitos fluxos (comerciais, de informação, culturais, políticos) ou sofrem os efeitos de decisões tomadas por diferentes atores ou protagonistas, ou quando simplesmente não podem ser alvo de opções governamentais voluntárias e soberanas, o poder político declina. Passa-se a viver sob os efeitos de uma rede de poderes cruzados, que se remetem uns aos outros e tendem a problematizar o poder central e a fazer sangrar o sistema representativo.

Podemos olhar para o ano que se inicia com uma dupla expectativa: não há como esperar, ingenuamente, que o poder político deixe de nos oprimir, não sirva para mais nada e nem possa ser útil, mas as circunstâncias da vida atual estão reduzindo a arrogância do poder e, nesta medida, criam muitas oportunidades para que se inicie uma fase social mais rica e interessante. Abrem-se novos espaços para que grupos, organizações e indivíduos façam política e interfiram na condução das coisas públicas. Isso, por enquanto, é somente uma possibilidade, mas não há porque desprezar o que ela carrega de potência, nem porque deixar de valorizar seus primeiros gestos e ruídos.

Bom ano novo a todos.

Fragmento do dia - Stanislaw vive!

"A notícia saiu pequenina num desse jornais impressos com plasma sangüíneo. O cara chegou ao hospital com as longarinas empenadas e necessitando serviço de lanternagem na carroçaria. Tinha brigado com a mulher e a distinta deu-lhe uma bonita surra de abajur. Pelo menos foi o que o cara contou: tinha sido vítima de um abajuricídio."
( Abertura da crônica Por causa do Elevador de Stanislaw Ponte Preta também conhecido como Sérgio Marcus Rangel Porto (Sérgio Porto como ele assinava) em "O Melhor de Stanislaw Ponte Preta" - Livraria José Olympio Editora - 2a. Edição)
Nota da Redação- Não há dúvida nenhuma que Sérgio Porto foi um dos maiores humoristas do país . Inventou a crônica humorística moderna e criou tipos fabulosos como Tia Zulmira, Primo Altamirando, Rosamundo e se dedicou a editar coletâneas de asneiras que abundavam no país ( e como abundam agora, meu Santo Stanislaw) que levaram o título de Febeapá (Festival de besteiras que assolam o país) , teve o Febeapá 1 , o 2 e creio que agora estaríamos na casa do milhão, se ele não pedisse o chapéu tão cedo, em 30 de setembro de 1968. Pode-se dizer que ele continua vivo, só que se cansou de coletar material para análise clínica. Além disso foi um incansável trabalhador em várias áreas, jornalismo, crítica de música, foi radialista, compositor, escreveu roteiros para shows e algumas de suas histórias foram parar no cinema.

29.12.07

Charge do dia 30 de dezembro - Ano Novo Vida Velha?


Com esta charge otimista desejo um ano com muita sorte para todos os navegantes que visitam este blogue, para aqueles que não visitam ainda e para aqueloutros que nunca visitarão.

Fragmento do dia - Fina ironia

"A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra "desleixo" - palavra que o escritor Aubrey Bell considerou tão tipicamente portuguesa como "saudade" e que, no seu ententer, implica menos falta de energia do que uma íntima convicção de que "não vale a pena"...
(Sérgio Buarque de Holanda em "Raízes do Brasil" - Livraria José Olympio Editora)
Nota da Redação: Pode não se concordar com tudo o que esta frase diz, mas é sensacinal a conclusão de Aubrey Bell (em Portugal of the Portuguese - Londres 1915) - "intima convicção que não vale a pena" é de uma fina ironia,se é que se pode falar assim...

28.12.07

Crônica da Tinê e Foto também


Esperança
Quase todo fim de ano o Clube de Engenharia no Rio se enchia de crianças barulhentas para assistir o show do Carequinha na companhia do arlequim Fred e do trapalhão anãozinho. Não era circo, não tinha animais em cena. Cavalos, ursos e leões não caberiam nos elevadores de serviço do prédio; ainda haveria o risco de um deles sobrevoar a avenida Rio Branco e ter uma aterrissagem mal sucedida. Trapezistas, nem pensar. Para os organizadores do evento já era o máximo levar a meninada às alturas do último andar. Apenas cantigas folclóricas ou natalinas comuns entre os pequenos daquela época. Cirandas. Vermelho. Verde. Amarelo. Bolas de gás. Um indispensável mágico. Sem coelhos. Só pombas, ao menos estas voam naturalmente, não há perigo. Sorteio de brindes nos intervalos. Cada cantiga terminava com uma lição. "Escravos de Jó, jogavam o caxangá..." e o palhaço desfiava a vida dos antigos escravos. "Tuca Maruca Lelê taca..." seguida da vida dos curumins na taba. "Eu não vou criar galinha pra dar pinto pra ninguém!", contava a vida do camponês. "Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel...", emendada com as diferenças entre os filhos dos associados ali presentes e os da periferia sem festa. Para não esquecer os ensinamentos, na saída tinha à venda os elepês, o ganha-pão adicional do pedagógico palhaço.

Vinte anos depois, reencontro o artista em espetáculo semelhante num clube do interior mineiro: a mesma disposição, as mesmas trapalhadas. Mas o público era outro, requeria canções 'detalhadas' sobre as coisas da cidade grande... e queria cassetes, não elepês. Outros vinte anos se passaram e aquele palhaço partiu para o circo celestial, deixou vagas lembranças em adultos que o adoravam em criança.

Um deles contou-me seu infortúnio ao querer levar um pouco de fantasia no dia de Natal. Programou-se para ser Papai Noel da pequena S.M. que conhecera na porta de um supermercado. Rabiscado num guardanapo de boteco: vila de operários, casa tal, número tal, fundos. Ele não foi na noite do dia 24 porque as pessoas do interior costumam ir a casa de parentes na roça ou, sendo estas de muita fé, passam a data numa das dezenas de igrejas, católicas ou evangélicas. Hoje cedo, armado de sacolas, lá foi ele a pé para fazer surpresa. A rua começava na antiga estação e desembocava na rodovia. Subiu. Desceu. Nada. Rua longa sem enfeites. A ladeira fazia curva na parte mais íngreme. Não era vila. Operários, alguns. Não havia calçada. Escadas estreitas. Os números eram confusos: casa da frente, fundo, outro fundo, sucessivos fundos barranco abaixo, praticamente o último fundo era um puxado sobre o matagal em baixo. A figura estranha despertou curiosidade. Alguns homens papeavam sentados no meio-fio. Um bêbado se dirigia a quem passasse como sendo seu compadre ou sua comadre. Aqui, uma mulher sentada à porta. Ali, outra pintava as unhas do pé. No conjunto, pareciam casinhas com figurantes de maquete: tudo estático, em silêncio observador. Uma menina de chuquinha vestida de azul correu abraçada a um urso de plástico azul. Meninos em bicicletas recauchutadas. De uma janela via-se um velho de pé a tomar sopa. De uma porta entreaberta, dois meninos assistiam desenho animado na tevê numa sala atulhada de móveis. A todos foi feita a pergunta e vinham as respostas: sei não, se mudaram, talvez mais pra cima, foram embora. Eram papeleiros. Nome pomposo para catadores de rua.

O visitante pensou em esvaziar o saco, ali mesmo. Crianças não faltavam, as que se aproximavam não desviaram os olhos do papel de presente que escapava de uma das sacolas. Mas nenhum dos possíveis candidatos servia para as prendas que alegrariam uma menininha. E se ela aparecesse no fim da rua? Ouvi tudo e recomendei ao frustrado Noel guardar o saco-presente, em cidade pequena todos se esbarram uns nos outros, ele encontraria a criança. Na melhor das hipóteses, as prendas chegariam ao seu destino antes do ano acabar. Sabe-se lá se o grande presente reservado à escolhida S.M. não foi o de mudar-se com seus pais para um lugar melhor? Algo que você não poderia dar-lhe, mesmo que quisesse? Nesse caso, outra menina, uma neném-ninguém, filha de maria-sei-lá-quem e de josé-sem-um-vintém, não escolhida, que não ganhou boneca nem cesta, levaria a melhor. Seria uma engraçada dupla surpresa: para quem fechou seu ano velho com a promessa cumprida e para quem começou seu ano novo em regalia!
Tinê Soares [25/12/2007 - 15:06:14]
(Foto “Janela improvisada”)

Charge do dia 29 de dezembro - Delivery

Fragmento do dia

"Quem se dispuser a basear seu pensamento político numa reavaliação do funcionamento da natureza humana, deve começar por tentar superar sua própria tendência de exagerar a intelectualidade do homem".
(Graham Wallas em Human Nature in Politics , citado por Eric Hobsbawn no livro "A Invenção das Tradições" - Paz & Terra - tradução de Celina Cardim Cavalcante)

27.12.07

Charge do dia 28 de dezembro - Fim de ano explosivo

Fragmento do dia - Definição hilária de Política

"Política é uma maneira de homem namorar homem"
(Esta é do Rubem Braga, agora não me perguntem onde apanhei esta frase, achei quando estava a fazer uma limpa nas camadas geológicas da minha escrivaninha).
Nota da Redação: Convenhamos que esta frase é sensacional!

Charge do dia 27 de dezembro - Boas Entradas?

26.12.07

Fragmento do dia - Tem gente que não aprende

"Em sua ilusão de onipotência, os estrategistas políticos americanos tinham a certeza de que em face de objetivo determinado, especialmente em se tratando da Ásia, a vontade americana deveria prevalecer. Essa crença vinha do aspecto "deixa comigo" de uma nação autoconstruída e da sensação de competência e superpoderio derivada da Segunda Guerra Mundial. Caso isso fosse a "arrogância do poder", na frase do Senador Fulbright, não era a de Atenas e Napoleão ou, no século XX a da Alemanha e Japão, mas sim um deficiência em compreender que existem problemas e conflitos entre outros povos que não se resolvem com a aplicacação da força e técnicas americanas, ou até mesmo, com a boa-vontade americana. "Construir nações" , eis a mais presunçosa das ilusões. Os colonos do continente americano construíram uma nação desde Plymouth Rock até Valley Forge e até as fronteiras desejadas; contudo, não aprenderam desse seu sucesso que, em toda parte, somente aos habitantes de cada país compete realizar esse empreendimento."
(Barbara W. Tuchman em "A Marcha da Insensatez - de Tróia ao Vietnã" - José Olympio - tradução Carlos de Oliveira Gomes)

Meus cartuns Napoleônicos

25.12.07

Fragmento do dia

"Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar meu nascimento ou minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco."
(Machado de Assis na abertura do primeiro capítulo - Óbito do Autor em "Memórias Póstumas de Brás Cubas" )
Nota da Redação: Um dos maiores romances brasileiros, prá lá de moderno . E dizer que foi publicado em 1881!
Machado morreu em 1908, portanto em 2008 a gente comemora os 100 anos de sua morte. Comemorar morte é meio estranho, não é não? Melhor lembrar. Por isso "Mémórias Póstumas" é o Fragmento do dia.

Recesso Pralamentar - Meus cartuns pré-histéricos


Como diria o comandante Che, "Hay que tener saco! Acho que não foi bem isso que ele disse em Sierra Maestra, mas deve ter dito em algum momento quando os mosquitos passavam pela cortina de fumaça dos "puros" que eles fumavam na mata enquanto Sêo Batista não vinha.
Em outras palavras, quero dizer que hoje não tem charge, pelos motivos óbvios que festas natalinas nos dão para encostar no sofá e tirar uma boa soneca depois da última rabanada. Isto é, veja você , nesta época tá difícil fazer uma charge diferente do habitual feijão com arroz dos motivos temáticos que nos levam a imagens de Papais Noéis, Chaminés, árvores de Natal,Presepadas, Estrelas de Belém etc e tal, por isso vamos dar um tempinho hoje, uma espécie de recesso pra lamentar os desastres políticos dos últimos tempos. Ontem falei da Saúde. Hoje falarei da Educação. Não é que eu queira uma Glorinha Kalil (é assim que se escreve?) em cada classe desse país, mas o governo Lula e a sociedade brasileira precisam pensar num novo modelo, ou num velho mesmo, mas que faça um papel melhor, que funcione e não continue essa fábrica de analfabetos funcionais. Que prepare os nossos jovens para um futuro melhor. E não é só isso , que também se cuide para que esse futuro exista. Não adianta o menino estudar se não tem emprego, não tem trabalho! É preciso excluir a exclusão. Desculpe o clichê, mas é isso aí, desta forma vai ser dada a cartada capital.

24.12.07

Fragmento do dia - O Excesso de excesso

E já ingressamos numa quarta era, com um "hipercinema" marcado pela tecnologia digital e a ambição crescente dos produtores: mais efeitos especiais, mais ritmo, mais ambigüidade, mais violência, mais sexo...mais tudo. O "excesso já deixou de ser realmente sentido como excessivo"...
(Do artigo "Tela Legal" de Robert Solé comentando o livro "L'Écran Global" de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, publicado originalmente no Le Monde e reproduzido no excelente Caderno Mais da Folha de São Paulo deste domingo dia 23 de dezembro - tradução de Clara Allain)

Na ausência da charge, um cartum sobre a fábula em tempos pós-modernos


Peço perdão aos amigos do blogue, com a devida licença poética do Zé Simão, direi em bom tucanês que hoje não teremos a charge do dia por motivos técnicos relacionados à área da saúde familiar. Passei o dia no setor de emergência de um Hospital. Foi uma novela que me deixou nocauteado. O que importa é que no fim das contas salvaram-se todos, inclusive um consagrado novelista (que minha vizinha chavista adora) e por tabela a reputação da rede hospitalar privada.
Observação marginal: O que deu no pessoal que resolveu baixar em massa no referido "nosocômio"? ( como diria o velho profissional da imprensa). Parecia Caixa Econômica em dia de pagamento de aposentadoria, senha prá cá, senha pra lá, fila até pro cafezinho. Rezei para São Jatene e ele prometeu um milagre para todos num futuro próximo. Confesso que fiz , contrito uma prece pela saúde do Presidente Lula, para que ele tenha bons olhos para ver a questão da Saúde do povo Brasileiro, o SUS, o antigo INAMPS, a saudosa SAMDU (Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência)
e uma severa revisão nos preços dos Planos de Saúde, que estão muito salgados, e como todos sabem, excesso de sal faz mal à saúde.Diria melhor, os preços cobrados pelos Planos de Saúde estão fabulosos, para ser exato, pela hora da morte.
Feliz Natal para todos, apesar de que por aqui, na terra que Cabral descobriu é cada um por si e Deus contra!

23.12.07

Fragmento do dia - O mito trágico e a música

"O prazer que o mito trágico engendra tem a mesma pátria que a alegre sensação da dissonância na música. O dionisíaco, com seu prazer primordial, percebido até mesmo na dor, é a matriz comum de que nascem a música e o mito trágico".
(Friedrich Nietzsche em "O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música - 1871 - Coleção Pensadores- Obras Incompletas de Nietzsche - Nova Cultural- Seleção de Textos de Gérard Lebrun - Tradução e Notas de Rubens Rodrigues Torres Filho - Posfácio de Antônio Cândido)
Nota da Redação: Não tem nada a ver com o mito trágico, mas hoje é o Dia Nacional do Vizinho.

Meus cartuns pré-histéricos

22.12.07

Uma "Verdadeira" História de Natal


Todos deveriam ter uma história de Natal para contar. As que sei são tristes. A que gosto mais não aconteceu comigo. E sim com meu amigo João Victor, ( que assina uns desenhos fabulosos com o pseudônimo de João Zero) um paulistano que tem uma banca de Jornal numa das esquinas da Avenida Paulista. Pertence à memória dele, mas de certo modo como me foi confiada, creio que pertence a mim também, daí, passo agora para vocês…
Existia um cinema na Rua Augusta que nos anos 70 cujo nome era Marachá, onde rolava uma sessão maldita, que começava à meia noite. Só passava filme que hoje as pessoas “cult” chamam de “trash”.
Mas o grande barato (gíria da época) era o espetáculo que o público inventava enquanto o filme era projetado. Uma verdadeira performance coletiva: “defuntos” passavam carregados, com velas acesas, sósias de Zé do Caixão rogando pragas eternas, gente com lanternas e máscaras, garotas que emitiam gritos estranhíssimos. Enfim, cada noite tinha uma função diferente que era planejada pelos participantes em lanchonetes ou nas escadas da Gazeta. Acredito que essas peças participativas eram uma forma de canalizar as energias reprimidas de uma geração que vinha sendo massacrada fazia muito tempo por uma ditadura que dizia para amar ou deixar o país. De uma certa maneira, lá, naquele cinema se cristalizava o teatro que Zé Celso perseguia e mais tarde iria achar em “Gracias Señor”, sobre a qual falarei numa outra ocasião. Bem o que importa é que um dia como todo ano que se preza , chegou a época do Natal. E o pessoal da bagunça resolveu fazer uma homenagem ao lanterninha que pacientemente cuidava do cinema onde era zelador e bilheteiro e tudo mais. Era um nordestino, destes milhões que foram para São Paulo ganhar a vida. O pessoal comprou um pinheirinho, vários enfeites que nele foram penduradas e até uma estrela encimando tudo. No dia da sessão, que foi a última daquele ano, compraram um presente para o homem e como era um dia especial, nao teve a zorra habitual. Alguns dos performáticos levaram a árvore de natal para o palco e chamaram o lanterninha, que surpreso, subiu e foi longamente aplaudido. Em seguida , entregaram a ele um presente embrulhado em papel colororido com cartão de Natal , nos conformes.
E foi aí, que aconteceu algo que transformou aquela noite. O homem , começou a balbuciar um discurso. Fêz-se um silêncio respeitoso, quase solene. Dos seus olhos brotavam as águas que faltavam no seu nordeste. Disse que nunca o tinham tratado daquele jeito afetuoso, que para ele todos alí eram sua família , e ao dizer isso , pegou uma das bolas de Natal da árvore e continuou a falar:
-Vocês são a coisa mais bonita de se ver nessas noites que a gente tem passado junto, ninguém nunca me olhou, nunca me deu nada nesta cidade, e agora vocês me dão isso, que eu nunca vou esquecer…Enquanto dizia essas palavras tocantes, sua mão se fechou e no máximo de emoção esmigalhou a bola de Natal , o vidro quebrado rasgou sua carne e o sangue começou a pingar no palco…A turma das primeiras fileiras acudiu o pobre homem e, a última performance daquele ano foi no pronto–socorro, onde o homenageado tomou antitetânica e vários pontos. Aqui termino essa costura com meu ponto final e para rimar Feliz Natal!

Que seria da História se...

Fragmento do dia - Haiti

"E se você for ver a festa do Pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é AQUI - o Haiti não é AQUI"
(Trecho de Haiti, Música Gilberto Gil e Caetano Veloso/ Letra Caetano Veloso- CD Tropicália 2- Produzido por Liminha, Gil e Caetano - PolyGram 1993- Philips)

21.12.07

Crônica da Tinê - O verdadeiro Natal é atemporal



O verdadeiro Natal é atemporal

Já fez as listas? Dos presentes, dos cartões, dos enfeites, das músicas sacras e profanas, principalmente a do supermercado e a das frutas frescas a serem compradas somente no dia D? Encomendou as bebidas e os pães para a rabanada? Quem serão os cozinheiros que se revezarão no preparo dos pratos tradicionais? E os mata-fomes enquanto tudo se atrasa nos fornos? Aos cravos e às canelas? Ou será cardápio básico por economia?

Festa natalina requer uma logística com semanas de antecedência, por mais doméstica que seja, a começar por saber quem vai passar a data fora e ceder sua cama a quem vem de longe, não vamos deixar ninguém mal acomodado. Em seguida, a pergunta pragmática: a festa será um presente do dono da casa ou a despesa será cotizada por todos? A distribuição de tarefas é indispensável, sempre tem os 'especialistas', os mais habilidosos nisto ou naquilo, e o mais importante é o setor infantil, incluído quem vai encarnar o velhinho barbudo no toc toc toc da meia noite, ora, não matemos o sonho dos pequenos, eles motivam o evento e em minha casa a principal razão para ainda se pensar nesta data com alegria. Ainda?

Em 1996 fiz um cartão ilustrado a várias mãos, digo, as minhas e dedadas infantis como bolas do pinheiro estilizado. A proeza foi resumir em quinze linhas os meus natais até aquela data, em substituição à festa que não houve. O cartão personalizado foi distribuído pelo carteiro para longe, para perto, aos parentes e clientes, agradou uns que pediram para publicar sei lá aonde, mas foi detestado por outros sob o argumento de que não tinha o 'verdadeiro espírito cristão'.

Bem, aqui devo dizer que nossa festa íntima tinha de tudo um pouco, do europeu ao tropical, religiosamente sincrética, até um lindo presépio feito em madeira tosca por um artista popular do Vale do Jequitinhonha, bolas de vidro reluzentes e pisca-piscas, mas o fundamental estava em reunir a parentela mais chegada, algumas visitas amigas de última hora, uma festa saudável à criançada. A organizadora não era de avemarias e só ao fim de tudo se recolhia em sua fé para agradecer e abençoar o dia, descansava um pouco, comia umas rabanadas amanhecidas - ficam mais gostosas, ela dizia - as castanhas cozidas mastigadas em total silêncio, regadas ao vinho reservado para o dono, então partia para o enterro-dos-ossos ao preparar a torta com os restos do bacalhau enquanto dormíamos pelo chão entre papéis de embrulho rasgados, cascas de nozes e avelãs, o Noel com a barba meio caída a evaporar vinhos: o aroma do azeite morno acalentava nossos sonhos para o ano vindouro.

Procurei o antigo cartão e não encontrei. Aqueles que o receberam estão muito atarefados para procurar, se é que após tantos anos por certo já não o jogaram no lixo. O disquete em que foi gravado o texto no vetusto PC486 não abre. Das provas da impressão só restou uma empastelada, ilegível. Indireta do acaso de que os natais só têm valor sentimental para quem os viveu, em pesos e medidas diferentes, nem sempre em meio à fartura e alegrias. Em família ou na estrada, no Brasil ou fora dele. O que é caro para um, barato para o outro. Caro, de preço alto, que nem sempre resulta no melhor. Caro, de 'caritas', o ideal para todos.

Não me acusem de saudosista inveterada. Cito um Fragmento do Dia, do blog Liberatinews, que me fez refletir sobre o que é exatamente 'longínquo'? - e o que é que não conseguimos ver - motivos pelos quais desisti de procurar o cartão antigo e escrevi um novo:

"Um dos fenômenos mais inquietantes da história do espírito humano é o esquivar-se do concreto. Possuímos uma acentuada tendência a nos lançarmos sempre ao longínquo, indo constantemente de encontro a tudo aquilo que, estando imediatamente à nossa frente, deixamos de ver." - Elias Canetti

Portanto, neste ano o galo da missa irá cantar direto da panela. Não haverá marrom-glacê.
[Tinê Soares, 12/12/2007 - 23:22:31]

Fragmento do dia- Like a Rolling Stone

"Like a Rolling Stone" foi lançada como single em 20 de julho. Embora fosse duas vezes mais longa do que a maioria dos singles das época, com 5 minutose 59 segundos , o que a tornava inadequada para tocar no rádio, subiu firme nas paradas e , notavelmente, teve enorme influência sobre os outros músicos. "Eu sabia que aquele era o cantor mais durão que já ouvira", diz Bruce Springsteen, na época um adolescente de Freehold, Nova Jersey. John Lennon e Paul McCartney ouviram ouviram o disco no dia em que haviam se reunido para compor canções dos Beatles. "Parecia que não acabava mais. Era simplesmente lindo", diz McCartney. "Bob mostrou a todos nós que era possível ir um pouco mais longe."
(Trecho de "Dylan- A Biografia" de Howard Sounes - Conrad Livros - tradução Leila de Souza Mendes)
Nota da Redação: Like a Rolling Stone foi feita para o Álbum Highway 61 Revisited e foi lançada em 1965.

20.12.07

Charge do dia 21 de dezembro - Nem Picasso escapa em Sampa. E nem tem Rolex na parada!

Fragmento do dia- Cinema e Missa

"O rito da missa funcionou como protótipo do cinema em-si e para si."
(Massimo Canevacci em "Antropologia do Cinema- do mito à industria cultural" - Editora Brasiliense - tradução Carlos Nelson Coutinho)
Nota da Redação: Este é um belo ensaio . Tem que ser lido com cuidado, lentamente, é uma nova visão sobre o fenômeno do Cinema. Vai na raiz.)

19.12.07

Charge de 20 de dezembro - Natal depois da queda da CPMF

Fragmento do dia - O pior pecado

"O pior pecado contra nossos semelhantes não é o de odiá-los, mas de ser indiferentes para com eles."
(George Bernard Shaw)
Nota da redação: Este também peguei na Wikipedia e fiz uma pequena correção.

18.12.07

Charge do dia 19 de dezembro - Sexta Economia "Informal"?

Conto Sujo de Natal


(Faz tempo que conto esta história, a cada ano acrescento uma coisinha ou outra. Não fiquem apreensivos, não a transformarei num romance. Tem alguma coisa nela que me comove e deixa muito triste, afinal as histórias de Natal acho que devem ser assim, meio amargas, senão não tem graça)
Eles se conheceram no Reveillon de 76. Ela garante que foi amor a primeira vista. O encontro aconteceu no calçadão de Copacabana. Ele sabia só algumas palavras em português. Era um gringo de meia idade, de olhos azuis,com a barba por fazer. Parecia Papa Hemingway, só que um pouco mais corpulento e bochechas rosadas.
Naquela noite de muitos fogos, ele suava em bicas e apesar de cheirar à manteiga derretida logo encantou a moça que alí foi, sem saber, atrás do abraço da multidão. Ela vivia sozinha e tinha chegado a pouco do interior, estava desempregada depois de tentar vários tipos de trabalho.Num deles, até tentaram abusar de sua boa vontade, afinal era bonita, apesar de um pouco mal tratada.
Toda de branco, então naquela noite das arábias, estava deslumbrante. O gringo siderou.
Nítido ainda em sua mente está o momento em que ele se aproximou, uma garrafa de “Sidra” na mão e perguntou alguma coisa que ela não conseguiu entender direito. Apontou para o céu, indicando que a culpa era da barulheira dos rojões. O que não consegue lembrar é como foram parar na pista de dança de uma boite com aquela luz estroboscópica que a deixou mareada. Ameaçou cair e foi aí que ele a amparou. Ato contínuo, puxou seu corpo como se fosse uma bailarina e a abraçou como se fosse um urso. Ele exalava um cheiro de manteiga, mas isso não a incomodou. Do beijo ela lembra que foi demorado. Saíram no meio da madrugada num Jaguar para a Barra, um bairro que estava começando a crescer nessa época. A noite estava linda, propícia para começar um grande romance. Chegaram a um condomínio de luxo,num apartamento todo mobiliado. Ela reparou que os móveis eram esquisitos, desiguais. Pareciam pertencer a um outro tempo. Em todo o ambiente havia uma espécie de inautenticidade que ela, de espírito simples só sentiu com um certo estranho encanto. Mas como ele era gente boa e carinhoso e ela pobrezinha, não se incomodou inclusive com o fato de que nos porta retratos que ficavam em cima de uma falsa lareira só exibiam fotografias recortadas de revistas estrangeiras, algumas inclusive com paisagens alpinas...
Viveram felizes. Ele fazia muitas viagens , falava pouco, mas era gentil. Sempre trazia muitos presentes. Roupas exóticas, bibelôs, sapatos, lingeries... Ao telefone era sempre lacônico, ou se comunicava em línguas que ela não entendia. Parecia um negociante ou coisa parecida. A moça com o tempo foi se ajeitando, pintou o cabelo de louro, fez uns cursos inclusive de inglês, … Em agosto ele começou a mostrar sinais que ela não conseguia compreender. Parecia apreensivo. Tinha uns tiques nervosos, como remexer o pescoço como aqueles lutadores quando entram no ringue. No dia 21 chegou um pacote. O homem trancou-se no quarto por horas.Depois saiu com uma mala e disse que iria viajar para São Paulo. Ela não perguntou nada. No dia 22 ela aproveitou a sua ausência para encontrar com umas amigas. Quando voltou, tarde da noite o encontrou dormindo. Ficou feliz porque ele tinha voltado, nem se incomodou com seu ronco ruidoso. Não sabia porque, mas sempre tinha essa sensação de que um dia ele não voltaria. Na manhã seguinte , ele acordou cedo, foi a banca de jornais e voltou com vários. Ela passou os olhos por um deles e lá estava estampada uma notícia ruim. Um líder da oposição tinha morrido num acidente na via Dutra. A vida seguiu sem muitas alterações até numa
noite do início de dezembro ele disse que iria sair para tomar um ar. Ela aproveitou e foi com algumas amigas a uma boite, de repente sentiu-se muito triste,sozinha, pediu uísque, misturou com vinho, se embebedou. Na volta,trôpega, foi barrada na portaria do condomínio. O porteiro disse que não a conhecia. Berrou com ele, afirmou que morava lá e que não devia dar explicações a ninguém.
Depois de muita confusão, o empregado permitiu que ela fosse até o apartamento acompanhada de um segurança. Quem sabe, assim aquela maluca bêbada e encrenqueira iria embora, depois de verificar que aquele lugar não era o dela. Ela tentou abrir a porta e percebeu que a chave não entrava. Era quase de manhã quando chegou o chaveiro do condomínio que rapidamente abriu a porta e surpresa: O apartamento estava vazio. Só um envelope no chão. Ela apanhou o envelope, estava escrito Happy Christmas, mais nada. Começou a chorar… De volta à portaria perguntou o que havia acontecido, afinal que mundo era aquele em que numa hora você mora num lugar na outra tudo some? O porteiro garantiu que aquele apartamento estava interditado há alguns meses, questão de espólio coisa complicada, de família grande ….. Ela estava tonta, imobilizada, não conseguiu dizer mais nada. Algo nela ainda era daquela menina que sempre aceitou a vida e suas determinações cruéis. Foi aí que ela caiu em si. As coisas foram se encaixando, os porta retratos com recortes de revistas aqueles móveis estranhos e outras esquisitices do comportamento dele, como o fato de sempre repetir para ela ser uma boa menina e sua forma de rir,o Ho Ho Ho!…Sem dúvida, aquele homem era Papai Noel em pessoa. Só podia ser! E pelo que ela sabia papai Noel não existia, daí o desencanto, o fim de todo o seu sonho…
Pelo menos foi isso que ela contou para um estranho num bar de tipo americano lá de Botafogo, onde rolava uma festa de Natal dos desgarrados. Era um homem interessante, estava de terno e gravata e o fato de ser dentuço não atrapalhava em nada, ligeiramente engraçado. Depois de dois uísques ela começou a achar que aquele detalhe anatômico tinha lá o seu charme. Eles trocaram confidências sobre suas solidões. Ela com a história de sua família no interior do Brasil e ele com a de homem separado. Falou que sua mulher o tinha deixado por um jogador de futebol e no mais, não quis adiantar detalhes. Perguntou se queria cear com ele. Foram para um apart-hotel do Leblon. Ela se espantou quando viu que os cômodos estavam cheios de ovos de chocolate. Ele se desdobrou para convencê-la que ele não era o Coelhinho da Páscoa e sim um empresário mal sucedido que tinha apostado tudo no chocolate amargo e agora esperava ansioso a próxima Pascoa para tentar “desovar” o apê…Foram felizes até aparecer o Saci Pererê, mas aí é outra história.

Fragmento do dia

"O barulho não prova nada: muitas vezes, uma galinha que simplesmente pôs um ovo cacareja como se tivesse posto um asteróide."
(Mark Twain)
Nota da redação: Peguei essa na Wikipedia

17.12.07

Charge do dia 18 de dezembro - O Bispo e o Rio

Fragmento do dia - Parabéns ao Grande Othelo!


Esperança

Não
Isto não é nostalgia não senhor
É o passado que volta
Empurrando a gente, no presente
Para uma certeza do futuro
Que será muito diferente

Será
Um futuro de realizações
Trazendo de volta o amor
Para os nossos corações

É
O princípio de aurora,
De um amanhã que será feliz
Assim como o nome diz
Um amanhã de felicidade
Progresso, tranquilidade, paz
Iluminando a humanidade

(Grande Othelo em "Bom Dia, Manhã" - poemas - Topbooks)
Nota da Redação :Othelo que um dia se chamou Sebastião Bernardes de Souza Prata, nasceu em Uberlândia (que era Uberabinha quando ele veio ao mundo) no dia 18 de outubro de 1915 , esta foi a data que ele lembrou quando foi tirar a segunda via da sua certidão de nascimento, segundo consta a orelha desse seu livro de poemas. Mas o jornalista Sérigo Cabral garante que a data verdadeira é 1917. Vai daí que resolveram comermorar os 90 anos de Grande Othelo agora com um belo projeto.
Hoje , por exemplo vai acontecer o lançamento da biografia desse ator gigante, às 18 horas no Arte Sesc que fica no Flamengo. Ela foi escrita pelo já citado Sérgio Cabral e vai abrir um verdadeiro festival onde vai rolar filme, exposição e um site.(o endereço do site é www.grandeotelo.com.br) O projeto, no entanto ainda depende de recursos, patrocínio, essas coisas , coisas nossas. As homenagens serão organizadas pela Sarau Agência de Cultura Brasileira. Tudo vai dar certo.

16.12.07

Charge do dia 17 de dezembro - As "viagens" do Ministro

Fragmento do dia

"Em uma história de Anderesen aparece um livro cujo preço valia a "metade do reino". Nele tudo estava vivo. "Os pássaros cantavam e os homens saíam do livro e falavam." Mas quando a princesa virava a página "eles pulavam imediatamente de volta, para que não houvesse nenhuma desordem". Delicado e confuso, como tanta coisa que ele escreveu, também essa pequena fantasia não capta aquilo que é mais essencial aqui. Não são as coisas que saltam das páginas em direção à criança que as contempla - a própria criança penetra-as no momento da contemplação, como nuvem que se sacia com o esplendor colorido desse mundo pictórico. Frente ao seu livro ilustrado a criança coloca em prática a arte dos taoístas consumados: vence a parede ilusória da superfície e, esgueirando-se entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o conto de fadas vive."
(Walter Benjamin no capítulo "Visão do Livro Infantil" em "Reflexões: A Criança O Brinquedo A Educação"- Summus Editorial - tradução de Marcus Vinicius Mazzari)

Meus cartuns pré-histéricos

15.12.07

Fragmento do dia- Parabéns, Niemeyer!


"...a vida é um sopro, um minuto, a gente vem, conta uma história e vai embora.
(Última frase de Oscar Niemeyer, em reportagem feita pelo Jornal da Globo nesta madrugada)

14.12.07

Cartum da Série Variações sobre a Máfia

Crônica da Tinê - Ivanhoé & Sapatos



Sapatada

A probabilidade de esbarrarmos uma na outra era mínima. Morávamos num prédio do Leblon de seis andares, vinte apartamentos por andar, eu de frente para o quartel, ela de frente para a vila. Ela tinha o dobro da minha idade, o que significa que não tínhamos itinerários comuns. Nem nos elevadores e escadas, nem na padaria, até porque àquela época o sêo Arnaldo vinha com o cesto carregado de sonhos escondidos sob as bisnagas à nossa porta 614. Pelos toques da campainha eu já sabia quem era e disparava diante da possibilidade de me lambuzar com um cremoso sonho, o que nem sempre acontecia para não me acostumar, os adultos me deixavam com a boca cheia d'água.

"Alecrim, alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado...", ouvi ao retornar da aula. Não era a empregada, mas fui até lá. Na área de serviço debrucei-me no parapeito a vasculhar de cima a baixo, de ouvidos em pé. - "Ai meu amor, amor, amor, quem te disse assim, que a flor do campo era o alecrim?" - Quem será?

O legislativo e o executivo da casa eram exercidos pela mesma pessoa, na figura materna. Em seu código havia o capítulo "Vizinhança", com três parágrafos claros, a saber: definição, conduta e sanções adequadas à idade. Eu estava na faixa do sem Shirley Temple do Cine Kolynos, sem Tia Gladys com seu baú de leituras, sem Ivanhoé e Bat Masterson (apaixonada pelos dois, infiel!) e a punição máxima me deixaria sem bicicleta ou nada de batatinha-frita com guaraná no Luna depois da praia de domingo. Ou seja, "xeretar a casa alheia é feio, menina."

Bolei um artifício para ir à zona proibida: propus engraxar os sapatos da família. Ainda ganhava uma moeda de duzentos cruzeiros pela semanada, tamanha a satisfação do contratante. Beleza! Enquanto dispunha os pares por tamanho, sujidade, preto, marrom e branco, ia emborcar no muro para rastrear a voz. O problema é que a cantoria nunca coincidia com a hora da tarefa. Quando ouvia, não tinha sapato - nem um tênis para receber uma pincelada de alvaiade. Geneci ainda se recusava a desligar seu estridente radinho de pilha. Mas, o que havia de especial naquela voz? O repertório e o sotaque.

Até que um dia, uma voz matrona berrou "ó Nelita, qu' fazes? Deixa-te de parvoíces, já são horas!". Concordo, já não era sem tempo, agora sei o nome dela, Nelita. Veio do Minho. Esguia, de cabelos castanhos compridos, nem feia nem bonita, ela passou por uma porta a cantarolar "nesta rua tem um bosque que se chama solidão, dentro dele há um anjo que roubou meu coração."

Antes que eu pudesse avaliar o larápio angelical, veio a cantiga perfumada. Foi a deixa. Apoiado o queixo sobre as mãos cruzadas, cabeça à mostra para a vizinha de baixo, vacilante emendei "minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá..." A garota do quarto andar levantou os tais olhos castanhos para cima, chamou-me de pirralha intrometida e saiu a bater portas. Um espanto. Eu achara que o canto aproximasse os vizinhos como se compartilhassem varais de roupas no quintal comum. Ou será que aquela minhota enfezada cantava à capela para não chorar os próprios males? Terá algo a ver com o anjo do bosque? Meus oito anos eram indagatórios e os adultos não me tinham paciência. Minha reação foi escolher o sapato maior, de solado mais pesado, e atirá-lo contra a porta dos alecrins, estilhaços de parte da janela voaram - sou amigável mas não levo desaforo, que os cacos a carreguem!

Levei um pito, daqueles. Tive de engraxar sapato de graça por um mês. De som, só o chiado do radinho pendurado na cozinha. Sentença cumprida e caso encerrado, fui assistir o meu lindo cavaleiro. De repente, um alecrim desbotado invadiu minha aventura medieval em preto e branco. Sem desgrudar os olhos do meu galã, dei de ombros e murmurei aos meus botões "... a aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá, Manoela." Elevei o som da tevê no volume máximo. Meus bosques tiveram mais vida e meus sonhos, mais amores.
[Tinê Soares – 10/dezembro/2007]

Fragmento do dia

"Está totalmente desagregado aquilo que se chamou um dia Mário d'Andrade: partículas neuronais, estruturas ósseas, músculos estomacais, artérias e veias, vísceras depurativas, pele, pelo. Ou seja, todo o combativo Mário se transformou em moléculas a varejo no supermercado das transmutações materiais, átomos dispersos na economia química, fótons reecheados de vigorosa ou débil energia cósmica.
Pensemos, porém, matematicamente: se cada molécula do corpo desagregado desse Mário d'Andrade constituir, por hipótese, um fenômeno vitar mariodrandádico completo, com todas as funções máricas preservadas, quantos serão aqueles minúsculos seres vivos a que se poderá chamar de Mário d'Andrade, e que participação intelectual ativa desempenharão ainda em nossa vida cultural, ou pelo menos física?"
(Início do Capítulo Semana de Arte Moderna em "História do Brasil (Novos Estudos Sobre Guerrilha Cultural e Estética de Provocaçam)" de Sebastião Nunes - Edições Dubolso/Mazza - 1992)

13.12.07

Charge do dia 14 de dezembro- Erro de Cálculo

Os demônios e a novela das 8 - Que diabos tem a ver uma coisa com a outra?


Os demônios


De uma certa forma
,embora toda a humanidade seja responsável pelo atual estado das coisas, os italianos tem uma cota maior de participação na criação do inferno. Basta ver o caso de Dante Alighieri. Sua Divina Comédia ficou famosa mais pelo seu Inferno, apesar dele falar do Purgatório e do Paraíso.Sua dedicação foi tal ao território das eternas chamas que virou até um lugar comum chamar alguma coisa insuportável de inferno de Dante. Daí o adjetivo dantesco etc…
Agora, quem inventou a novela das oito (ou das nove, a grade mudou) foi sem dúvida Dostoievski. Quem ler "Os Demônios” , vai ter a idéia clara do que estou tentando dizer. É uma fofoca desvairada, uma troca de cartas anônimas, fuxicos, intrigas, malvadezas a dar com pau, tudo elaborado sob medida para divertir os telespectadores, digo leitores.Sem sombra de dúvida, o velho Fiódor seria um competidor de Janet Clair.Dizem que até Kafka foi buscar argumentos na vastidão das estepes de sua literatura para compor “Metamorfose”. Agnaldo Silva, dê uma olhada no livrinho do cara! (Falando nisso, minha vizinha Chavista mandou te dizer que capítulo de quarta-feira dia 12, uma personagem cita uma frase de Marx - aquela de que a "história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa" atribuindo-a a Lênin. Ela mandou o seguinte recado:- Cara, te enxerga e procure o livro certo!)
Os demônios mostra um Dostoiveski , ultra-reacionário, voltando toda sua carga de ironia e arte contra as idéias que circulavam no seu tempo dos porões aos salões e com o jogo político que começa a se praticar na Russia czarista num estágio pré-revolucionário.(lembre-se que a Revolução de Outubro só virá em 1917) Os niilistas estão em primeiro plano e o engraçado apesar do tom apocalíptico de seu ataque à modernidade (liberalismo, cientificismo, socialismo, etc ) é que ele de certa forma advinha o que viria a ser a época de Stalin. Escrito em 1870 para a revista Ruskii Vestnik (Mensageiro da Rússia) o folhetim foi até 1872, dois anos de novela. Um sucesso de polêmica. Não chega aos pés de sua obra prima “Crime e Castigo”. Mas pode-se dizer que ele sem dúvida foi também o inventor da psicologia e da paciência, pois são 579 páginas da edição papel bíblia da Aguilar.Na nova tradução, feita direto do russo publicada pela Editora 34 está com 704 páginas.Observação: existe um filme de Andrei Wadja chamado “Os Possessos” que é inspirado nesse livro, mas é uma interpretação,faz um recorte na imensidão dessa obra, é visão muito parcial. O livro é imperdível para quem quer entender a louca alma russa e até os porquês a aparente sólida cortina de ferro caiu como um frágil cetim comido por brocas.
Jean- Claude Carrière em seu livro"Fragilidade"(Editora Objetiva) considera "Os demônios" um livro indispensável pare entender nosso tempo , principalmente o suicídio político, no seu caso os homens-bomba. Ele tem uma outra leitura deste livro extraordinário. De certa forma, quer entender a lógica do desespero do homem-bomba. Pega o lado da descrição que Dostoievski faz da organização terrorista na Russia dos czares do século XIX e principalmente a figura trágico-patética do jovem engenheiro Kirilov. É desse personagem a formulação da "regra sobre o suicídio" , justamente ele, um representante da "modernidade ocidental", utiliza de um artifício irracional. É claro que Carriére se encanta com a forma como o escritor russo faz Kirilov defender sua idéia e ao mesmo tempo hesitar em botá-la em prática quando é a pele dele que está em jogo. Em Kirilov, pelo menos havia a dúvida, coisa que hoje , parece que não existe no homem que resolve se matar e levar junto quem estiver perto. Millôr um dia disse que tinha mais medo do homem que ficou na frente daquele tanque de guerra na Praça da Paz Celestial em Pequim, do que do soldado que comandava o veículo bélico. Carriére salienta que Kirilov se mata para provar sua liberdade. O seu gesto foi repetido por um homem chamado Gary Gilmore sob outras circunstâncias. Gilmore foi condenado à morte nos EUA e comandou sua execução, revertendo uma punição, transformando-a em seu desejo. Poderia morrer pelos métodos ditados pelo Estado, cadeira-elétrica ou gás-letal. Escolheu fuzilamento. Queria que seu sangue fosse derramado sobre a terra. Esse tipo de morte estava inscrito em sua crença. Ao morrer, manifestou sua liberdade diante do aparato do Estado. Pior, transformou-se num fenômeno de mídia. Só Norman Mailer escreveu mais de mil páginas a seu respeito em "A Canção do Carrasco" - uma obra que Veríssimo informou numa crônica que muita gente acredita que este livro é um de seus melhores trabalhos. Teve programa de TV, Série filmada, muito jornal e revista.
Em nome de quem se mata o homem-bomba? Assunto difícil.
Carrière não consegue explicar. Apenas vê vestígios de Kirilov e de Sansão (segundo ele o primeiro kamikaze) nos atentados suicidas que enchem de sangue o noticiário dos dias de hoje.
Não conseguiu penetrar no cérebro de quem preparou esses homens para o sacrifício,não consegue enxergar no meio das trevas do seu sedutor discurso de convencimento. Talvez tenha procurado no lugar errado. E quem explica esses garotos americanos que matam seus colegas nas escolas e universidades e depois se suicidam. Há um novo mal-estar na civilização, ou seria melhor dizer nas civilizações?

Fragmento do dia

"O samba na realidade
Não vem do morro nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então
Nasce no coração"
(Noel Rosa em "Feitio de Oração" de Vadico e Noel)

12.12.07

Charge do dia 13 de dezembro - Entrando no Clima do Senado

Da Série Meus Cartuns pré-histéricos

Fragmento do dia

"Um dos fenômenos mais inquietantes da história do espírito humano é o esquivar-se do concreto. Possuímos uma acentuada tendência a nos lançarmos sempre ao longínquo, indo constantemente de encontro a tudo aquilo que, estando imediatamente à nossa frente, deixamos de ver."
(Elias Canetti na abertura do ensaio "Poder e Sobrevivência" na coletânea "A consciência das palavras"- Companhia das Letras - tradução de Márcio Suzuki e Herbert Caro ("O outro processo")
Nota da Redação: Este é um livro de ensaios preciosos de Elias Canetti, além do já citado "Poder e Sobrevivência"(que serve como introdução para sua obra de maior porte contida em "Massa e Poder") se destaca um belo estudo sobre a personalidade de Kafka ("O outro processo. Cartas de Kafka a Felice"),tem também "Hitler, por Speer" e o impresssionante"O diário do dr. Hachiya, de Hiroshima"

11.12.07

Charge do dia 12 de dezembro - Coquetel de Abacaxi

Fragmento do dia

"Para os consumidores da sociedade de consumo, estar em movimento- procurar, buscar, não encontrar ou, mais precisamene, não encontrar ainda - não é sinônimo de mal-estar, mas promessa de bem-aventurança, talvez a própria bem-aventurança. Seu tipo de viagem esperançosa faz da chegada uma maldição.
(Maurice Blanchot notou que a resposta é o azar da pergunta: podemos dizer que a satisfação é o azar do desejo.) Não tanto a avidez de adquirir, de possuir, não o acúmulo da riqueza no seu sentido material, palpável, mas a excitação de uma sensação nova, ainda não experimentada - este é o jogo do consumidor. Os consumidores são primeiro e acima de tudo acumuladores de sensações; são colecionadores de coisas apenas no sentido secundário e derivativo."
(Zigmunt Bauman em "Globalização - as conseqüências humanas"- Jorge Zahar Editor - tradução de Marcus Penchel)
Nota da Redação: Leitura apropriada para o Natal , ho ho ho!

10.12.07

Charge do dia 11 de dezembro- Os reis das cocadas verdes e pretas

Fragmento do dia

"Pedir a um homem que conta histórias para ter em mente a verossimilhança me parece tão ridículo como pedir a um pintor figurativo para representar as coisas com exatidão. Qual é o cúmulo da pintura figurativa? É a fotografia em cores, não é? Concorda?
Há uma grande diferença entre a criação de um filme e a de um documentário. Num documentário o diretor é Deus, foi ele quem criou o material de base. Num filme de ficção , o diretor é que é um deus, ele é quem deve criar a vida. Para fazer um filme é preciso justapor massas de impressões, massas de expressões, massas de enfoques e, contanto que nada seja monótono, deveríamos dispor de liberdade total. Um crítico que me fala de verossímil é um sujeito sem imaginação"
(Esta resposta polêmica está no estupendo livro onde François Truffaut entrevista o grande Hitchcock: "Hitchcock Truffaut" publicado pela Companhia das Letras- Tradução de Rosa Freire D'Aguiar)
Nota da Redação : A conversa neste ponto girava em torno da questão da verossimilhança na obra de arte, que para o velho Hitch não interessava, ele dizia que nenhum roteiro de ficção ficaria de pé se o critério fosse plausibilidade e verossimilhança. Se esses fossem os critérios de construção de uma obra, segundo ele, só se poderiam fazer documentários. Claro que essa conversa foi longa, e nela ele se explica melhor. Como estamos brincando com uma coleção de fragmentos, apenas acendemos um fósforo sabendo que a escuridão é muito maior. Quem quiser saber mais, que leia o livro. Peça de presente no Natal. Não vai se arrepender.

9.12.07

Charge do dia 10 de dezembro- Homenagem a Niemeyer

Fragmento do dia

Alma Revolta
É isso aí, meu irmão
Eu vou de novo
Não dou mole não
Não sou gato, mas sou parente
Sempre vou de novo
Apesar de machucado
Alegre e contente
Abre alas, por causa de que
Vou em frente, vou em frente
Vou em frente
(Grande Othelo em "Bom Dia, Manhã" - Editora Topbooks)
Nota da Redação: Em 1993 Luiz Carlos Prestes Filho me procurou e me pediu uma capa para um livro de poemas e canções de Grande Othelo.(Luiz Carlos foi o organizador da coletânea). Fiz com muito prazer e fui ao lançamento com minha filha que era uma criança e gostava muito dele. Estave lá uma fotógrafa que já tinha trabalhado na mesma redação que eu e que fez umas fotos da gente com o Grande, mas passados alguns dias, disse que perdeu os negativos. Fiquei triste. Pouco tempo depois Grande Othelo ganhou um prêmio no Festival de Brasília - uma viagem a Paris. Foi todo contente e ao descer do avião, nos abandonou. O curioso é que em seu livro tem um poema cujo título é "Não, eu não vou a Paris"!

8.12.07

Crônica da Tinê


(Tinê é repórter deste blogue na roça e agora, para nossa sorte, também cronista - espero que continue por muito tempo assim)

Quando a cruz é uma curva

"... a gravidade engole tudo, da massa à luz e, descobrimos, até o tempo!", afirma em êxtase profano o astrofísico na tevê, brejeiro como se estivesse diante de uma classe do jardim de infância mas com a entonação firme de um pastor das trezentas e sessenta portas da fé.

Batido, é mais que rebatido, nesta esfera inferior do macrocosmo, a questão do encurtamento do tempo ao longo da história humana. Principalmente nesta época do ano, por motivos prosaicos: fechamentos, compras, formaturas, compras, confraternizações, compras, natalinas, compras, "hanukah, oremos", comilanças e bebedeiras e decorações, amigos-ocultos-cultos-e-incultos, os melhores e os piores do ano, mais um final, dívidas além das inúmeras velas, zum zum zum, 'tempus fugit'. Se já é complicado para um mortal entender o mundo em três dimensões, depois quatro com a já obsoleta teoria de Einstein, imaginem então um mundo em onze dimensões, segundo a última novidade pós-quântica, e aqui nem sei exatamente o que é a variável "T".

A gente começa por um ponto: a primeira luz que atinge os olhos nos devolve uma imagem borrada que vai se definir até descobrirmos que temos mão. Da mão pequenina àquela lata de deliciosos biscoitos, uma reta. O 'na-na-não!' reprovador mostra a altura de nossa ambição, apesar de já estarmos na pontinha dos pés e as duas mãos firmes na borda da mesa. Do epicêntrico lar doce lar caímos do berço no mundo enquanto o tempo faz a curva. Melhor dizendo, nós nos curvamos até retornarmos ao ponto.

O percurso é definido pelas regras, não importa o tempo que se leva para aprendê-las, desobedecê-las e recriá-las. Nem ouso falar das variações culturais. As doze badaladas acabaram com a balada extra-orbital de Cinderela, "La Cendrier", a donzela ao pé da lareira cuja função era recolher as cinzas e não rodopiar sobre cristais de bico fino e salto três e meio no pó estelar. E os dezoito badalos do sino da igreja próxima anunciam a oração. O que a lendária Borralheira e a bíblica Maria têm em comum? A variável "T". Alerta para uma, sagração para a outra.

Minha única gravidade é que nunca me dei bem com relógios. Digitais ou analógicos, funcionando ou não. Aos seis anos desenhei um relógio-despertador em pormenores mas faltavam-lhe os ponteiros. Como esquecer algo tão importante? Aos nove anos ainda não sabia ver as horas. Aprendi depois de muitos castigos por meus atrasos. Meu relógio biológico é noturno e não respeita horário-de-verão. Quando troquei a cidade grande pela pequena levei dois anos para desacelerar meu ritmo. Meus equipamentos marcam horas e datas diferentes. O mais lindo marcador que já vi foi o cebolão de ouro preso à algibeira do vô, dava um estalido ao abrir e fechar a tampa, foi deixado por ele para o filho mais novo, que por sua vez o deixou para o filho mais velho, e este o procura até hoje, ninguém sabe onde aquela raridade está marcando as horas. Nem o reloginho de pulseira de pressão da mãe que ela comprou com o primeiro salário, ainda solteira. O meu primeiro de loja de grife pegou chuva e enferrujou. O relógio de cuco antigo da tia-avó parou, nada o recoloca no prumo, a madeira empenou. O moderno que está pendurado sobre o computador, com pinceladas quadricrômicas, marca 12:50 há sete anos: virou um quadro.

Contudo, dos meus relógios, o mais desastroso foi um suíço, que meus ancestrais me perdoem. Era de plástico transparente, colecionável apesar do preço. O meu trazia uma obra geo-abstrata de Miró no mostrador. Num tempo de vacas-gordas, vinha eu com sacolas de compras pela Treze de Maio, do Largo da Carioca em direção ao metrô da Cinelândia. A alguns passos da estação, fui atacada por um menino que não devia ter mais de sete anos. Foi rápido. Enquanto eu girava para me desvencilhar dele, vi outros moleques mais velhos empoleirados no monumento em frente, plácidos, assistindo à cena como se dissessem 'essa é moleza, mano, tu consegue sozinho'. Vi as unhas sujas do menino cravadas no meu braço, vi o relógio arrancado ao chão, vi o sangue escorrer pela mão. Ferida, corri para a plataforma, a pensar: eu sou tardia, ele é precoce. Anos se passaram. Estive no mesmo local há um ano. Além das fachadas repintadas e de outros traços nas faces, a situação era a mesma. Então, não perdi as horas. Já o tal menino... "agora vamos saber quanto tempo uma estrela leva para morrer", anuncia o cientista televisivo.
(Tinê Soares - dezembro de 2007)

Cartum deste blogueiro na Exposição da ONU em Nova York


Desculpem o autoconfete, mas preciso botar meu bloco na rua.
Tenho o imenso prazer de informar que um trabalho meu foi selecionado para participar da Exposição sobre Direitos Humanos da ONU . A curadoria deste evento é do lendário artista Jerry Robinson com a assintência de seu bravo filho Jens Robinson do CWS-Cartoonists & Writers Syndicate.
A inauguração vai acontecer na segunda-feira, dia 10 de dezembro no prédio das Nações Unidas em Nova York.
Em 2008, por ocasião do aniversário de 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos a mostra viajará pelo mundo.

Fragmento do dia

"Ouça. A maior sensação de minha vida- vestido - foi quando ouvi pela primeira vez Diz e Bird juntos em St. Louis, no Missouri, em 1944. Eu tinha dezoito anos, e acabara de me formar no Ginásio Lincoln, que ficava bem em frente, do outro lado do rio Mississipi, em East St. Louis, Illinois".
("Miles Davis - A Autobiografia", escrita por Miles Davis e Quincy Troupe - Tradução de Marcos Santarrita - Editora Campus)
Nota da Redação: Diz é Dizzy Gillespie e Bird é Charlie Parker. Esta frase de Miles Davis é a que abre esta sua sensacional Autobiografia

Meus cartuns pré-histéricos

Encontro de Cartunistas agita o Leme


Todo ano nosso querido cartunista Ferreth organiza um encontro de colegas da classe do traço num boteco do Rio. O convite vem em nome da Confraria do Peru Sadio e tem o patrocínio do Sindicato do Chopp.
O encontro vai ser neste sábado, dia 8 de dezembro, a partir das 14 horas, no Sindicato do Chopp do Leme- Avenida Atlântica , nº 514. Se você já sair calibrado de casa, lembre-se que a Avenida só tem um lado habitado por humanos, onde se encontram os botecos, no outro lado você só encontrará frutos do mar.
O bacana é que vai rolar uma exposição do nosso cartunista maior, o grande Ziraldo que é o homenageado deste ano ( ele fez 75 anos e ainda garante que nunca broxou) E tem mais, vão ser expostos também cartuns de vários desenhistas que deverão comparecer ao evento.
Estarei lá para um amplexo geral nos amigos do nanquim.

7.12.07

Fragmento do dia

"Em época recente, a fotografia tornou-se um passatempo quase tão difundido quanto o sexo e a dança- o que significa que, como toda forma de arte de massa, a fotografia não é praticada pela maioria das pessoas como uma arte. É sobretudo um rito social, uma proteção contra a ansiedade e um instrumento de poder".
(Susan Sontag em "Sobre fotografia"- Tradução de Rubens Figueiredo - Companhia das Letras)

6.12.07

Charge do dia 7 de dezembro

Minha vizinha Chavista em greve de fome


Faz uma semana que minha vizinha chavista está em greve de fome. Fui informado pela sua empregada (que ela chama de companheira) que a última coisa que essa doce senhora comeu foi uma feijoada completa no sábado. A completude , se é que me entendem, incluia tudo o que tinha direito (e o que não tinha- menos ambulância, que é um item importantíssimo para a felicidade do evento, como diria Sergio Porto). Ela mandou para dentro desde o lombinho e a lingüiça no espeto até a orelha e o pé esquerdos do porco.(os direitos ficam para os reacionários de plantão). Não se pode esquecer do chouriço e do torresmo pururuca, tudo regado a rum Havana Club e caipirinha. A laranja alí era só para lembrar do Renan, que ela quer ver longe do Congresso.
- Renância não vale! Ela exclama aos 7 ventos. Fala dele como excrescência do "collorismo chinês". Talvez queira dizer com isso que ele participou daquele plano arquitetado à sombra da Grande Muralha da China para eleger o filho favorito de Alagoas para o cargo máximo do Planalto Central deste desgraçado país descoberto em 1500 por Pedro Álvares e redescoberto pelo Governador Sergio Cabral nessa comemoração do desembarque do Dão João 6º nas praias da Guanabara em 1880.
Ao saber do estado quase comatoso dela, sem comer desde que leu no jornal que seu ídolo libertador , o iluminado Chávez tomou um NÃO pelas fuças, fui lá munido de uma macarronada preparada no melhor estilo napolitano.
Ela só não vomitou quando viu o prato, porque nada havia em seu estômago para expelir como repulsa político-disgestiva. (Uma nova forma de manifestação inspirada em "O Exorcista")
- Não me venha com chantagens pequeno-burguesas, não como essa m...!
Tascou um palavrão. Dei um desconto, porque o Antônio Fagundes diz a mesma coisa naquela favela-bairro, (ou seria novela-bairro?) a Portelinha, no horário das 7 lá de Belém do Pará.(que não está em sintonia com o horário de verão aqui do sudeste).
-Belém do que? Ela perguntou como se voltasse do Hades.
Belém do Pará! Eu gritei:- Aquela cidade do norte onde nas suas franjas uma menina foi colocada numa cela com mais de 20 marmanjos pelas autoridades de plantão...
Num gesto brusco afastou o prato fumegante que eu tinha depositado no criado-mudo.
-Afasta de mim esse cálice, ela disse, entre o delírio e a licença poética.
- Perai, Dona ...(eu sempre esqueço o nome dela)...Eu fiz esse macarrão com todo carinho. Veja só: tomate de primeira que comprei na feira onde fiz uma longuíssima excursão no sábado, massa marca Barilla, grano duro...
-Estou decepcionadíssima com o povo venezuelano. Esse "NÃO" ao Chávez foi uma traição. Foi a voz da" Venezuela profunda", dos reacionários de sempre que não querem mudar a "nuestra América"... Ela murmurou, fechando os olhos como se fosse desfalecer...e assim ficou com a respiração curtinha de ave abatida.
Foi aí que eu consegui falar alguma coisa.
Disse a ela que nossos laços com a Venezuela são mais antigos, que vem de um período anterior ao Chávez. Que descobri surpreso nesse final de semana no qual embarquei numa viagem maluca que começou numa barraca de pastel da feira do Chorinho de Laranjeiras e acabou na Estação Consolação em plena Avenida Paulista. E que lá, para meu espanto decobri uma estátua que me mostrou uma outra realidade que bota de novo na pauta a teoria "das idéias fora do lugar" Aquele papo tão badalado que foi desenvolvida pelo grande pensador Roberto Schwarz em "Ao vencedor as batatas". A propósito um papo bem de feira cult, tipo Vila Madalena...Nesse caso, era uma estátua fora do lugar, ou uma Avenida, quem sabe? De qualquer modo, trata-se de um marco do nada a ver. Mas não dá para ignorar, ela está bem visível, alí quase na esquina da Paulista com a Consolação, de costas e colada a um outro monumento, que parece um candelabro estilizado.
A princípio pensei que fosse o nosso Alferes Tiradentes : O monumento representa um um homem vestido com roupas do século XVIII no momento em que está desembainhando uma espada. Denota bravura, sedição, enfrentamento, rebeldia, macheza ...
- Bem Venezuelana! minha vizinha retornou à vida, me cortou o lero e depois murchou. Parecia que prestava atenção, então continuei.
Pois é, cheguei bem perto da estátua para saber que era então me surpreendi: tratava-se do revolucionário venezuelano Francisco Miranda que lutou contra a coroa Espanhola, pela libertação da nuestra América.
- Um libertador! De novo ela me interrompeu e o macarrão esfriando...
Pois então, continuei, foi um lutador que nasceu em Caracas em 1750 e morreu na prisão em Cádiz, em 1816.
- Um autêntico chavista! Emendou ela, o que significa que o delírio retornara.
Vamos dizer que sim, retomei meu relato. Foi um herói nacional, inventou até a bandeira do país...Mas, por que diabos está alí na Avenida Paulista?
Em 1978, não sei porque cargas d'água, o governo da Venezuela doou essa estátua ao Brasil. O prefeito Jânio Quadros botou alí numa data que me esqueci de anotar. Mas não se exalte a toa, trata-se de uma estátua do "Paraguai", quer dizer, é uma cópia de uma original feita pelo escultor venezuelano Lorenzo Gonzales (1877-1948) que está cravada em Valmy, lá na terra de Asterix. A cópia "paulista" foi feita por Carmelo Tabacco (em 1975), um artista italiano que mora no território onde começa a Pátria Grande, ou seja, na Venezuela. Ah! Tem mais, existe uma outra cópia ( e olhe que não é xerox) em território do demônio Bush, leia-se EUA, lá na Filadélfia.
Foi só falar em Bush que ela acordou do seu transe, pegou o prato de macarrão e o engoliu em segundos.
Depois pediu caneta e papel e começou a redigir um pedido de" transposição" da referida obra para a pracinha do dominó, onde com seus companheiros brizolistas ela trama invadir a Globo e instalar um regime de novela integral.
-Aquela mecha branca!
Foi uma das palavras que balbuciou , com os dentes cerrados de raiva, enquanto escrevia em fúria faulkneriana ...
Sai de fininho. Vai que sobra pra mim!

Versus no ar de novo! Breve nas melhores livrarias da praça


(Com muito orgulho fui um dos ilustradores de Versus um jornal (revista?) na sua fase inicial(de 1975 a 77) ( o que poder ser conferido pela ilustração desse post- a assinatura pode ser vista com uma lupa - a ilustração neste caso foi auxiliada de maneira um tanto vanguardista pela diagramação, embora o desenho esteja mais para o realismo socialista) e cheguei até a criar o logo de Versus, que eram uns cavalinhos em fúria. Estava no começo de carreira como muitos outros, era um guri no meio de uns cobras da arte gráfica, tais como Toninho Mendes (nosso diagramador-mor), Edson Novais, Levi Mendes, Luis Gê, Angeli, Ricardo Papa, Clemen, Carlos Langone, George Duque Estrada, Massao, Noemi Ribeiro, Conceição Cahu, Magnani, Chico Caruso, Avani Stein, Alcy, Jota, Sandra Abdala, Jaime Leão, Rosa Maria, Lauro Augusto, Amauri, Ricardo Alves e outros... Agora, Omar L. de Barros Filho, o Matico resolveu botar a memória daqueles tempos heróicos em dia, organizou uma coletânea de textos de Versus e mandou este escrito que temos a honra de botar no ar ). Então, aqui vai
PÁGINAS DA UTOPIA

O Versus nosso de cada dia nos dai hoje


Por Omar L. de Barros Filho

Versus – Páginas da Utopia (coletânea de reportagens, narrativas, entrevistas e artigos), de Omar L. de Barros Filho (org.), 292 pp., projeto gráfico de Toninho Mendes, fotos de Rosa Gauditano/Studio R, co-edição Laser Press Comunicação e Azougue Editorial, Porto Alegre -Rio de Janeiro, 2007.

O projeto que deu origem a esta antologia começou a nascer no final dos anos 1990, quando conheci um assinante de Versus na fronteira do Brasil com a Bolívia, às margens do rio Guaporé, em Rondônia, onde vivi em uma fazenda isolada do mundo das notícias por muitos anos. Ele fazia parte de um grupo de consultores do Banco Mundial que percorria a área em busca de padrões de sustentabilidade para as atividades econômicas da região.

Ao me apresentar como jornalista e comentar que tinha sido editor de Versus nos anos 1970, ele disse: "Li e colecionei Versus por muito tempo. Foi, na época, o jornal que mais ajudou em minha formação política e me fez ver a América Latina de forma diferente".

Depois que nos despedimos, pensei se seria possível sintetizar em uma nova publicação o resultado da atividade frenética e da inquietação cultural que sempre marcaram a redação de Versus, em São Paulo. Versus foi uma experiência única de jornalismo alternativo, que surgiu da mente inventiva de Marcos Faerman – o Marcão, para quem teve a felicidade de conhecê-lo e aprender com ele –, um dos mais brilhantes repórteres e editores brasileiros de todos os tempos.

Faerman costumava dizer que Versus nascera sob o signo da tristeza provocada pela morte do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura, fato que horrorizou o país em outubro de 1975. O drama de Herzog na prisão coincidiu com a impressão da primeira edição do jornal, em torno de 12 mil exemplares, formato tablóide, 52 páginas. Distribuído precariamente de mão em mão, em bancas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e outras poucas cidades, e financiado, em parte, por um salário anual extra de Faerman, Versus calou fundo na sensibilidade dos leitores, e iria mais longe do que o esperado.

Redação militante

Aos poucos, o grupo inicial de colaboradores ampliou-se, com a adesão voluntária de jornalistas, escritores, poetas, professores, cineastas, sociólogos, ilustradores, chargistas, além dos próprios leitores, que enviavam suas colaborações do Brasil e do exterior. Na redação, costumávamos dizer que o carteiro era nosso melhor repórter, porque trazia as matérias de que necessitávamos para fechar cada edição, e que completavam a pauta do dia-a-dia. Foi um mutante que por um bom tempo praticou severa autocensura para sobreviver. Sempre carente de recursos, ainda assim resistiu durante quatro anos às pressões e limites estreitos estabelecidos pelo regime militar.

Versus foi também porto seguro para "desgarrados" latino-americanos e brasileiros, refugiados políticos e outros discriminados pela sorte. Hoje, pode-se dizer, sem medo de exagerar, que a redação era uma espécie de "Cruz Vermelha". Recebia não só fugitivos estrangeiros em busca de asilo, trabalho e documentos, como dava guarida a qualquer brasileiro com talento atrás de um espaço em uma folha de jornal para registrar suas idéias, crenças ou experiências. Muitos iniciaram em Versus o ofício de escrever, reportar ou desenhar. Era uma casa caótica e de poucas regras, mas sempre aberta, onde se respirava o jornalismo em sua verdadeira essência quase artesanal.

Logo, o projeto de construção de Versus não estava imune às influências externas. À medida que a distribuição nacional se consolidou, a vendagem em bancas cresceu, e a tiragem se multiplicou até atingir 30 mil exemplares mensais, a influência cultural e política de Versus passou a ser muito maior do que imaginávamos ou pretendíamos no início. Nosso programa, até então, resumia-se a uma expressão-síntese sobre a qual trabalhávamos arduamente: "A cultura como forma de ação".

Entretanto, turbulências no cenário internacional, com os Estados Unidos passando a retirar seu apoio às ditaduras, e no plano nacional, com a entrada em cena do movimento estudantil, provocaram mudanças em nossa linha editorial. Também as diferentes posições políticas existentes na redação passaram a se manifestar, algo natural em um jornal alternativo, em que muitos editores e colaboradores militavam em organizações clandestinas, na oposição institucional, ou mesmo simpatizavam com tendências estudantis nas universidades. A erupção do movimento operário no ABC paulista, as greves dos metalúrgicos e, depois, nos sindicatos de classe média, alteraram em definitivo o rumo de Versus.

Mobilizações políticas

O leitor desta obra perceberá as transformações decorrentes da politização da redação, que, passo a passo, abandonou o discurso original – literário, poético e épico da história da América Latina – em troca de uma visão mais crua, sociológica e imediata de nossa realidade, não só a brasileira como a do continente. A metáfora literária cedeu lugar à política, e isso se expressava não só nas reportagens, ensaios e entrevistas, mas também no próprio grafismo de Versus, nas charges, nas ilustrações, enfim, na organização editorial em seu conjunto.

Amizades foram perdidas e alianças se romperam no processo. O tempo, como sempre, tratou dos ressentimentos. Não podia ser diferente, mais de trinta anos depois. Independentemente das divergências do passado, que hoje soam pueris, o fim do caminho para Versus foi, em última análise, o mesmo de toda a imprensa alternativa. Os "nanicos", como éramos chamados pejorativamente, desapareceram um a um no compasso da reconquista democrática, da liberdade de expressão, das crises econômicas, e do curso da monopolização da informação pelos grandes e tradicionais meios. Éramos mais de cem jornais, li em alguma estatística, mas fazíamos o ruído de mil. Em algum ponto do caminho, no entanto, deixamos de ser necessários.

Quanto a mim, constatei que, de todos os editores e assistentes que passaram por Versus em seus quatro anos de história, fui o que mais tempo vivenciou a aventura de fazê-lo, de novembro de 1975 a outubro de 1979, desde que deixei Porto Alegre e mudei para São Paulo com o objetivo de doar meu tempo e existência ao jornal. Em dias mais recentes, o fato de deter a memória daquele período fez com que pesquisadores, professores e estudantes passassem a me procurar na web para responder sobre questões envolvendo os caminhos de Versus, o que reforçou a idéia de que era chegada a hora de editar esta antologia.

Enquanto Versus viveu, imprimimos 33 edições normais, três extras de quadrinhos, e outras que fugiam ao calendário, mas eram relacionadas com mobilizações políticas, como as edições especiais voltadas aos aniversários do golpe do Chile e de 1º de maio, no ABC paulista. Além delas, editamos, com êxito, outros nove livros e cadernos. Versus – Páginas da Utopia guarda parte de nossa história, assim como a do jornalismo que praticamos. Outras duas antologias virão a seguir. [Novembro de 2007]

***

Omar L. de Barros Filho é jornalista, tradutor, cineasta, editor de ViaPolítica e membro de Tlaxcala,a rede de tradutores para a diversidade lingüística

Textos de Tomás Eloy Martinez, Carlos Rangel, Marcos Faerman, Luiz Egypto, Paulo Ramos, Mário Pedrosa,Vitor Vieira, José Martí, Mário Augusto Jacobskind, Toninho Mendes, Rui Veiga, Ana Maria de Cerqueira Leite, Caco Barcelos, Paulo Barros, Licínio de Azevedo, Maria da Paz Rodrigues, Wagner Carelli, Hiroito Joanides, Rodolfo Walsh, Eduardo Galeano, Gabriel Cohn, Hélio Goldsztejn, Augusto Boal, Nélida Piñon, Arnaldo Jabor, Abdias Nascimento, Júlio Tavares, Plínio Marcos, Lívio Xavier, Jorge Pinheiro, Neusa Maria Pereira, Amadeu de Almeida Rocha, Luiz Rosemberg Filho, Renan Antunes de Oliveira, Diana Belessi, Elisabeth Marie, Enio Bucchioni e Omar L. de Barros Filho. [Apoio cultural do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e Ministério da Cultura – Lei Federal de Incentivo à Cultura]

“Versus – Páginas da Utopia”
Organização de Omar L. de Barros Filho*
Projeto gráfico: Toninho Mendes
Edição: Omar L. de Barros Filho e Sylvia Bojunga
Fotos: Rosa Gauditano/Studio R
Número de páginas: 292
Co-edição Azougue Editorial e Laser Press Comunicação
Pedidos para vendas@azougue.com.br ou (21) 2240 8812


Apoio cultural do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE)
e Ministério da Cultura – Lei Federal de Incentivo à Cultura.