1.10.07

Achar Salinger- O esforço bélico


(Contiuação- Resenha publicada em 1990) Escrever o livro foi quase um empreendimento bélico, que exigiu muitas ações táticas. Publicá-lo, uma operação de estado maior, com perspectiva de corte marcial. Em abril deste ano, a revista Time, depois de reconhecer que a obra representava um tour de force estilístico, acrescentava que a biografia não saíra “muito sólida” em virtude da decisão legal que obrigou o autor a retirar do texto cartas importantes para a construção do retrato psicológico de Salinger. Pouca solidez documental, sim, mas não um fracasso.
Hamilton demonstrou um talento especial para dar a volta por cima. Rejeitado como “um invasor que estivesse saqueando um tesouro nacional”, entregou-se ao quebra-cabeças de compor a figura do velho J.D. como a de um personagem de ficção . É excelente o seu relato de como avançou passo a passo na verificação dos registros já conhecidos e de como foi além. Convencido de que Salinger poderia ter inventado alguns, Hamilton apoiou-se basicamente na minibiografia de 15 páginas feita por Warren French, escrita sem a colaboração do romancista. A partir daí ele desenhou a personalidade de seu intrigante objeto de pesquisa. Para tanto, chegou a inventar um alter-ego, um law tec, um detetive durão, que se intromete na narrativa sugerindo formas engraçadas de resolver o problema da falta de informações.
Ian Hamilton inicia sua busca procurando descobrir o que nos livros de Salinger há em comum com algo que considera fundamental no autor: a ânsia, “ou mais que ânsia, de ser amado”. Um sentimento paradoxal, pois ele ficou famoso principalmente “por não querer ficar famoso”. Que se esconderia por trás dessa contradição? A questão fica sem resposta definitiva. Mesmo que Salinger houvesse afastado as cortinas que defendem sua privacidade, um problema permaneceria, o biógrafo reconhece honestamente: até que ponto ele conseguiria afastar a aura de mito? Até que ponto se manteria reverente diante dele? Assim Hamilton concentrou-se no esforço de retirar o máximo da interpretação dos textos de Salinger, saturados de elementos autobiográficos; mas não desprezou outros procedimentos biográficos convencionais e não valorizou menos a documentação que pôde amealhar. (Continua no próximo capítulo)

3 comentários:

Anônimo disse...

Quem se esquiva, torna-se de imediato um "misterioso". Quem consegue a proeza de desvendar, pode assustar-se, frustrar-se ou maravilhar-se.

No processo da busca vale mais a interpretação das ações (arte inclusa) do que o sujeito em foco. Um exemplo: para quem estuda história da arte, que importância teve Van Gogh cortar a orelha e enviado à uma prostituta? Aí pode entrar o lado do bio-pesquisador: ele vai interpretar o ato dentro da obra do autor de acordo c/ sua própria percepção do fato, independente do significado subjetivo que possa ter existido (ou não) p/ o biografado. (deu pra entender?)
A imaginação sempre preenche as lacunas, e mesmo que não acerte a "mosca-fato" vale como a contribuição criativa do biógrafo.

LIBERATI disse...

Querida Tinê, uma das descobertas fundamentais da "ciência" (falando dos quanta) é que o observador influi sobre o "objeto" observado, no caso das coisas humanas, a imaginação é um transe entre os seres- uma passagem ainda pouco estudada. Você tem toda razão. Um dos gritos dos muros de Paris de Maio de 68 era : "A imaginação no Poder!"
bjs

Anônimo disse...

C'est ça! That's so! É isso aí!