21.12.07

Crônica da Tinê - O verdadeiro Natal é atemporal



O verdadeiro Natal é atemporal

Já fez as listas? Dos presentes, dos cartões, dos enfeites, das músicas sacras e profanas, principalmente a do supermercado e a das frutas frescas a serem compradas somente no dia D? Encomendou as bebidas e os pães para a rabanada? Quem serão os cozinheiros que se revezarão no preparo dos pratos tradicionais? E os mata-fomes enquanto tudo se atrasa nos fornos? Aos cravos e às canelas? Ou será cardápio básico por economia?

Festa natalina requer uma logística com semanas de antecedência, por mais doméstica que seja, a começar por saber quem vai passar a data fora e ceder sua cama a quem vem de longe, não vamos deixar ninguém mal acomodado. Em seguida, a pergunta pragmática: a festa será um presente do dono da casa ou a despesa será cotizada por todos? A distribuição de tarefas é indispensável, sempre tem os 'especialistas', os mais habilidosos nisto ou naquilo, e o mais importante é o setor infantil, incluído quem vai encarnar o velhinho barbudo no toc toc toc da meia noite, ora, não matemos o sonho dos pequenos, eles motivam o evento e em minha casa a principal razão para ainda se pensar nesta data com alegria. Ainda?

Em 1996 fiz um cartão ilustrado a várias mãos, digo, as minhas e dedadas infantis como bolas do pinheiro estilizado. A proeza foi resumir em quinze linhas os meus natais até aquela data, em substituição à festa que não houve. O cartão personalizado foi distribuído pelo carteiro para longe, para perto, aos parentes e clientes, agradou uns que pediram para publicar sei lá aonde, mas foi detestado por outros sob o argumento de que não tinha o 'verdadeiro espírito cristão'.

Bem, aqui devo dizer que nossa festa íntima tinha de tudo um pouco, do europeu ao tropical, religiosamente sincrética, até um lindo presépio feito em madeira tosca por um artista popular do Vale do Jequitinhonha, bolas de vidro reluzentes e pisca-piscas, mas o fundamental estava em reunir a parentela mais chegada, algumas visitas amigas de última hora, uma festa saudável à criançada. A organizadora não era de avemarias e só ao fim de tudo se recolhia em sua fé para agradecer e abençoar o dia, descansava um pouco, comia umas rabanadas amanhecidas - ficam mais gostosas, ela dizia - as castanhas cozidas mastigadas em total silêncio, regadas ao vinho reservado para o dono, então partia para o enterro-dos-ossos ao preparar a torta com os restos do bacalhau enquanto dormíamos pelo chão entre papéis de embrulho rasgados, cascas de nozes e avelãs, o Noel com a barba meio caída a evaporar vinhos: o aroma do azeite morno acalentava nossos sonhos para o ano vindouro.

Procurei o antigo cartão e não encontrei. Aqueles que o receberam estão muito atarefados para procurar, se é que após tantos anos por certo já não o jogaram no lixo. O disquete em que foi gravado o texto no vetusto PC486 não abre. Das provas da impressão só restou uma empastelada, ilegível. Indireta do acaso de que os natais só têm valor sentimental para quem os viveu, em pesos e medidas diferentes, nem sempre em meio à fartura e alegrias. Em família ou na estrada, no Brasil ou fora dele. O que é caro para um, barato para o outro. Caro, de preço alto, que nem sempre resulta no melhor. Caro, de 'caritas', o ideal para todos.

Não me acusem de saudosista inveterada. Cito um Fragmento do Dia, do blog Liberatinews, que me fez refletir sobre o que é exatamente 'longínquo'? - e o que é que não conseguimos ver - motivos pelos quais desisti de procurar o cartão antigo e escrevi um novo:

"Um dos fenômenos mais inquietantes da história do espírito humano é o esquivar-se do concreto. Possuímos uma acentuada tendência a nos lançarmos sempre ao longínquo, indo constantemente de encontro a tudo aquilo que, estando imediatamente à nossa frente, deixamos de ver." - Elias Canetti

Portanto, neste ano o galo da missa irá cantar direto da panela. Não haverá marrom-glacê.
[Tinê Soares, 12/12/2007 - 23:22:31]

6 comentários:

Anônimo disse...

Liberati roubou a cena, da crônica : o desenho é de couro de búfalo de índios norte-americano, os reis magos são três índios norte-americanos. Justo. zé

Anônimo disse...

Tinê, 'caro' é carne em latim: daí tu tira o peso da palavra. Emoção e Natal se combinam. Uma vez fiz uma geléia de jaca para os irmãos (subi no pé, peguei a jaca, tirei os gomos [o coisa chata de fazer!] fiz a geléia) só pelo dom de dar : sua arte foi presente. zé

TS disse...

Liberati não "roubou" a cena: ele complementou de um jeito bonito, com a visão que ele tem desta data milenar. Artesanato.

Fez bem em citar a carne, ZÉ.

Em meu primeiro natal fora do Brasil, meus vizinhos me presentearam com um cesto de frutas e biscoitos caseiros de mel enfeitados à mão. Tradição.

Aqui na roça, o porco ou o cabrito, mais as galinhas e os patos, fazem a ceia das famílias embrenhadas nos matos; se reúnem para o ritual da morte, preparo e divisão das partes do animal. Comunhão.

A jaca de muitos gomos partilhados entre os irmãos é a ceia doce. Amizade.

Abraços nos dois.
Tinê

LIBERATI disse...

Caros Zé e Tinê. Vocês tem alegrado este blogue. Fico muito grato, vamos comemorar com o que a gente tem nesse Natal e que o Ano Novo chegue cheio de sorte. Boa sorte.
um grande abraço para vocês.
Tinê a crônica ficou linda, estou esperando outra para inaugurar o ano novo.
ciao

Anônimo disse...

Li sua cronica daqui da California. Facil lembrar dos aromas, sabores e emocoes. Dificil é esquecer Mrs Claus. Beijos saudosos. Prima Maura

Anônimo disse...

Vaca e Mula, Vaca e Mula que no presépio, na palha sacra recebe o filho nato na hora de Maria: vaca e mula não burro e boi, que em hora tão santa recebem Deus mesmo nascendo em parto. Vaca e Mula posto que Deus nasce de Mulher. zé