13.12.07

Os demônios e a novela das 8 - Que diabos tem a ver uma coisa com a outra?


Os demônios


De uma certa forma
,embora toda a humanidade seja responsável pelo atual estado das coisas, os italianos tem uma cota maior de participação na criação do inferno. Basta ver o caso de Dante Alighieri. Sua Divina Comédia ficou famosa mais pelo seu Inferno, apesar dele falar do Purgatório e do Paraíso.Sua dedicação foi tal ao território das eternas chamas que virou até um lugar comum chamar alguma coisa insuportável de inferno de Dante. Daí o adjetivo dantesco etc…
Agora, quem inventou a novela das oito (ou das nove, a grade mudou) foi sem dúvida Dostoievski. Quem ler "Os Demônios” , vai ter a idéia clara do que estou tentando dizer. É uma fofoca desvairada, uma troca de cartas anônimas, fuxicos, intrigas, malvadezas a dar com pau, tudo elaborado sob medida para divertir os telespectadores, digo leitores.Sem sombra de dúvida, o velho Fiódor seria um competidor de Janet Clair.Dizem que até Kafka foi buscar argumentos na vastidão das estepes de sua literatura para compor “Metamorfose”. Agnaldo Silva, dê uma olhada no livrinho do cara! (Falando nisso, minha vizinha Chavista mandou te dizer que capítulo de quarta-feira dia 12, uma personagem cita uma frase de Marx - aquela de que a "história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa" atribuindo-a a Lênin. Ela mandou o seguinte recado:- Cara, te enxerga e procure o livro certo!)
Os demônios mostra um Dostoiveski , ultra-reacionário, voltando toda sua carga de ironia e arte contra as idéias que circulavam no seu tempo dos porões aos salões e com o jogo político que começa a se praticar na Russia czarista num estágio pré-revolucionário.(lembre-se que a Revolução de Outubro só virá em 1917) Os niilistas estão em primeiro plano e o engraçado apesar do tom apocalíptico de seu ataque à modernidade (liberalismo, cientificismo, socialismo, etc ) é que ele de certa forma advinha o que viria a ser a época de Stalin. Escrito em 1870 para a revista Ruskii Vestnik (Mensageiro da Rússia) o folhetim foi até 1872, dois anos de novela. Um sucesso de polêmica. Não chega aos pés de sua obra prima “Crime e Castigo”. Mas pode-se dizer que ele sem dúvida foi também o inventor da psicologia e da paciência, pois são 579 páginas da edição papel bíblia da Aguilar.Na nova tradução, feita direto do russo publicada pela Editora 34 está com 704 páginas.Observação: existe um filme de Andrei Wadja chamado “Os Possessos” que é inspirado nesse livro, mas é uma interpretação,faz um recorte na imensidão dessa obra, é visão muito parcial. O livro é imperdível para quem quer entender a louca alma russa e até os porquês a aparente sólida cortina de ferro caiu como um frágil cetim comido por brocas.
Jean- Claude Carrière em seu livro"Fragilidade"(Editora Objetiva) considera "Os demônios" um livro indispensável pare entender nosso tempo , principalmente o suicídio político, no seu caso os homens-bomba. Ele tem uma outra leitura deste livro extraordinário. De certa forma, quer entender a lógica do desespero do homem-bomba. Pega o lado da descrição que Dostoievski faz da organização terrorista na Russia dos czares do século XIX e principalmente a figura trágico-patética do jovem engenheiro Kirilov. É desse personagem a formulação da "regra sobre o suicídio" , justamente ele, um representante da "modernidade ocidental", utiliza de um artifício irracional. É claro que Carriére se encanta com a forma como o escritor russo faz Kirilov defender sua idéia e ao mesmo tempo hesitar em botá-la em prática quando é a pele dele que está em jogo. Em Kirilov, pelo menos havia a dúvida, coisa que hoje , parece que não existe no homem que resolve se matar e levar junto quem estiver perto. Millôr um dia disse que tinha mais medo do homem que ficou na frente daquele tanque de guerra na Praça da Paz Celestial em Pequim, do que do soldado que comandava o veículo bélico. Carriére salienta que Kirilov se mata para provar sua liberdade. O seu gesto foi repetido por um homem chamado Gary Gilmore sob outras circunstâncias. Gilmore foi condenado à morte nos EUA e comandou sua execução, revertendo uma punição, transformando-a em seu desejo. Poderia morrer pelos métodos ditados pelo Estado, cadeira-elétrica ou gás-letal. Escolheu fuzilamento. Queria que seu sangue fosse derramado sobre a terra. Esse tipo de morte estava inscrito em sua crença. Ao morrer, manifestou sua liberdade diante do aparato do Estado. Pior, transformou-se num fenômeno de mídia. Só Norman Mailer escreveu mais de mil páginas a seu respeito em "A Canção do Carrasco" - uma obra que Veríssimo informou numa crônica que muita gente acredita que este livro é um de seus melhores trabalhos. Teve programa de TV, Série filmada, muito jornal e revista.
Em nome de quem se mata o homem-bomba? Assunto difícil.
Carrière não consegue explicar. Apenas vê vestígios de Kirilov e de Sansão (segundo ele o primeiro kamikaze) nos atentados suicidas que enchem de sangue o noticiário dos dias de hoje.
Não conseguiu penetrar no cérebro de quem preparou esses homens para o sacrifício,não consegue enxergar no meio das trevas do seu sedutor discurso de convencimento. Talvez tenha procurado no lugar errado. E quem explica esses garotos americanos que matam seus colegas nas escolas e universidades e depois se suicidam. Há um novo mal-estar na civilização, ou seria melhor dizer nas civilizações?

4 comentários:

Anônimo disse...

Foram dois: qual deles? tô curiosa... p/ o último ainda faltam onze dias!

D3m0nicks novelescos? Scarvurtska!

LIBERATI disse...

Recebi um só texto, vou na cx postal ver se chegou mais. Aguarde surpresa.Publico no final de semana e não do ano!
bjs

Anônimo disse...

Nas Dionisíacas Gregas as festas que as mulheres de Atenas saiam de casa havia o Teatro, três tragédias e uma comédia em concurso (diga-se de passagemo o ticket de entrada tinha desenho de lebre desenhado), a forma era esta tragédia e comédia no fim. Isto a milhares de anos atrás. Só ficaram manuscritos de algumas poucas, bem poucas peças.
O Idiota, e o culpado de 'crime e castigo', já são meio bombas (vi o filme dos possessos) . Legal saber que é novela isto tudo. zé

LIBERATI disse...

Desculpe Zé, estava a responder seu comentário quando o blogger entrou em parafuso e vejo que essa oferta da livraria 30 %.
Você tem razão , no velho Fiodór tem muito homem-bomba. O próprio "Homem do Subterrâneo" é um que está pronto para explodir. Ressentimento. Difícil de entender quanto mais explicar.
Obrigado pela aula de cultura grega
Um grande abraço