22.12.07

Uma "Verdadeira" História de Natal


Todos deveriam ter uma história de Natal para contar. As que sei são tristes. A que gosto mais não aconteceu comigo. E sim com meu amigo João Victor, ( que assina uns desenhos fabulosos com o pseudônimo de João Zero) um paulistano que tem uma banca de Jornal numa das esquinas da Avenida Paulista. Pertence à memória dele, mas de certo modo como me foi confiada, creio que pertence a mim também, daí, passo agora para vocês…
Existia um cinema na Rua Augusta que nos anos 70 cujo nome era Marachá, onde rolava uma sessão maldita, que começava à meia noite. Só passava filme que hoje as pessoas “cult” chamam de “trash”.
Mas o grande barato (gíria da época) era o espetáculo que o público inventava enquanto o filme era projetado. Uma verdadeira performance coletiva: “defuntos” passavam carregados, com velas acesas, sósias de Zé do Caixão rogando pragas eternas, gente com lanternas e máscaras, garotas que emitiam gritos estranhíssimos. Enfim, cada noite tinha uma função diferente que era planejada pelos participantes em lanchonetes ou nas escadas da Gazeta. Acredito que essas peças participativas eram uma forma de canalizar as energias reprimidas de uma geração que vinha sendo massacrada fazia muito tempo por uma ditadura que dizia para amar ou deixar o país. De uma certa maneira, lá, naquele cinema se cristalizava o teatro que Zé Celso perseguia e mais tarde iria achar em “Gracias Señor”, sobre a qual falarei numa outra ocasião. Bem o que importa é que um dia como todo ano que se preza , chegou a época do Natal. E o pessoal da bagunça resolveu fazer uma homenagem ao lanterninha que pacientemente cuidava do cinema onde era zelador e bilheteiro e tudo mais. Era um nordestino, destes milhões que foram para São Paulo ganhar a vida. O pessoal comprou um pinheirinho, vários enfeites que nele foram penduradas e até uma estrela encimando tudo. No dia da sessão, que foi a última daquele ano, compraram um presente para o homem e como era um dia especial, nao teve a zorra habitual. Alguns dos performáticos levaram a árvore de natal para o palco e chamaram o lanterninha, que surpreso, subiu e foi longamente aplaudido. Em seguida , entregaram a ele um presente embrulhado em papel colororido com cartão de Natal , nos conformes.
E foi aí, que aconteceu algo que transformou aquela noite. O homem , começou a balbuciar um discurso. Fêz-se um silêncio respeitoso, quase solene. Dos seus olhos brotavam as águas que faltavam no seu nordeste. Disse que nunca o tinham tratado daquele jeito afetuoso, que para ele todos alí eram sua família , e ao dizer isso , pegou uma das bolas de Natal da árvore e continuou a falar:
-Vocês são a coisa mais bonita de se ver nessas noites que a gente tem passado junto, ninguém nunca me olhou, nunca me deu nada nesta cidade, e agora vocês me dão isso, que eu nunca vou esquecer…Enquanto dizia essas palavras tocantes, sua mão se fechou e no máximo de emoção esmigalhou a bola de Natal , o vidro quebrado rasgou sua carne e o sangue começou a pingar no palco…A turma das primeiras fileiras acudiu o pobre homem e, a última performance daquele ano foi no pronto–socorro, onde o homenageado tomou antitetânica e vários pontos. Aqui termino essa costura com meu ponto final e para rimar Feliz Natal!

6 comentários:

Anônimo disse...

tenho, graças a Deus, o dom das lágrimas, ainda choro : chorei. pra Maria Lúcia Dahl o serviço foi feito em lágrimas. zé

TS disse...

Lindo!
Aconteceu de verdade?
Liberati, ao compartilhar esta memória do João Zero ela se faz 'um pouquinho' nossa, também.

Gente simples, que a gente passa de raspão e nem olha, tem muita história para contar.

Para aqueles que usam ônibus, quem tem o hábito de dizer "Obrigado" ao motorista quando desce no ponto?
E nesta época, de emendar "Bom Natal ao senhor."?

Experimentem: eles - motorista e trocador - nunca deixam de sorrir e retribuir com um "Muito obrigado, o mesmo pro senhor."

Lanterninhas já não mais existem, a nova geração nem sabe o que são.
Fica então o registro.

LIBERATI disse...

Caro Zé, Bom Natal pra você, não fique tão preocupado com as histórias das reencarnações de Buda. Continuo achando que você deveria montar um blog e publicá-las em capítulos. Faria um bem para o pessoal da Internet.
Grande abraço

LIBERATI disse...

Cara Tinê, acenteceu de verdade, é claro que conta um conto aumenta um ponto. Tentei contar a história de acordo com uma memória muito antiga, um a história contada pelo João. E eu acredito nele, é como se fosse meu irmão.
bjs e boas festas, muita sorte no ano que está para nascer.

Anônimo disse...

Brunão,
Foi muito bom lembrar desse tempo do Cine Marachá. Vc não exagerou nem um pouco com o relato do que se passava na época. Era uma catarse coletiva, um verdadeiro 'happening' e uma Terapia em Grupo, em meio a um estado ditatorial em que ainda vivíamos.
Para o dono do cinema era ótimo pois a sala ficava lotada toda sexta-feira. Na entrada, na bilheteria, eles colocavam até um aviso - "Atenção, alertamos que esta sessão é um tanto quanto conturbada não devolvemos o dinheiro".
Na verdade ninguém ia para assistir aos filmes de terror que eram exibidos, mas para participar das bizarrices protagonizadas por quem quizesse.
Tudo favorecia o espirito para tal, a sala escura, os filmes de terror, a oportunidade há tanto tempo amordaçada e assim por diante...
Zero

Anônimo disse...

Brunão,
Esqueci de dizer que o responsável pela programação da "sessão maldita" do Cine Marachá era o querido Álvaro de Moya.