29.1.08

Fragmento do dia - Pensar e manter Motocicletas

"Pelo meu relógio, som soltar o punho esquerdo do guidom da motocicleta, vejo que são oito e meia da manhã. O vento, embora estejamos a noventa por hora, é morno e úmido. Se às oito e meia o tempo já está assim abafado e quente, imagine como não estará à tarde...
O vento traz um cheio acre dos pântanos que margeiam a estrada. Estamos numa região das Planícies Centrais com milhares de charcos onde é permitida a caça aos patos, e rumamos para noroeste, de Minneapolis para as Dakotas. Nesta rodovia antiga, de duas pistas, o movimento diminuiu bastante desde que inauguraram ao lado uma auto-estrada de quatro pistas, há vários anos. Quando passamos por um pântano, o ar refresca um pouco; depois, torna subitamente a esquentar.
É bom viajar novamente pelo interior. Esta é uma espécie de terra de ninguém, sem notoriedade alguma, e é justamente isso que atrai nela. Ao longo dessas estradas velhas, a gente se descontrai. E seguimos aos solavancos pelo concreto desnivelado, entre rabos-de-gato e trechos de campinas, mais rabos-de-gato e capim do brejo. De vez em quando, aparece uma certa extensão de água; se a gente olhar com atenção, consegue ver os patos selvagens, perto dos rabos-de-gato. E as tartarugas também...Um melro de asas vermelhas!
Dou uma palmada no joelho de Chris e aponto para o pássaro.
-Que é? - berra ele.
- Um melro!
Ele diz alguma coisa que não entendo
-O que? - berro eu.
Ele me agarra a parte de trás do capacete e grita:
-Eu já vi uma porção desses bichos, pai!"
(Trecho da abertura do fenomenal livro "Zen e A Arte da Manutenção de Motocicletas - uma investigação sobre valores" de Robert M. Pirsig Editora Paz e Terra - tradução de Celina Cardim Cavalcanti)
Nota da Redação : Esta é uma viagem real e irreal ao mesmo tempo. Não é ficção, é o relato de uma viagem pelo interior dos EUA feito por Pirsig e seu filho Chris, na época com nove anos (se não me engano) na década de 70 -( o livro é de 1974) também é uma viagem filosófica do autor que fala sobre o seu tempo, narra sua crise e pensa sobre o nosso tempo, o tempo que passou e o que vai passando na estrada desta civilização elétrica. Ler este livro é como sacudir a cabeça ,embaralhar e rever os conceitos de tecnologia , de viver de qualidade, etc, além de ser um ótimo livro de estrada. (Como On the road do Keruak). Pirsig está vivo ainda, e completa 80 anos em setembro de 2008. Em 2006 ele deu uma entrevista para The Observer em Boston. Seu livro é um verdadeiro guia e entrou para a galeria das obras sagradas(cult) da literatura americana como "O Apanhador no Campo de Centeio" de Salinger. Poderia escrever muito mais sobre este livro, mas estou com um sono dos diabos já são 3 horas da madruga. Outro dia eu falo mais sobre este livro difícil de resumir. Junto com ele falo o que tenho que falar sobre o livro de John dos Passos. Aqui não é ponto de jogo do bicho, mas vale o escrito.

2 comentários:

ze disse...

a arte de fazer abstracts e resenhas de livros. arte do crítico. só li a arte do arqueiro e a da ikebana, arranjo de flores. arte imensa. e os pássaros a cantarem.

LIBERATI disse...

Vale a pena ler o Pirsig, Zé, você vai gostar muito. Zen e a arte da manutenção de Motocicletas é uma viagem filosófica. E não é só isso...
um abraço