23.3.08

Crônica da Tinê - Rolagem


Uns são antenados no que rola em Brasília, outros preferem assistir às rodadas da semana. A bola rola e o capital gira. A garota pergunta o que vai rolar na balada noturna e não vou responder irônica como o velho anúncio, ela não entenderia "o mundo gira e a lusitana roda" de uma empresa de frete, do tempo em que girávamos o redondo dial para mudar a emissora. Meu embalo era só no sábado à noite.

Meus favoritos estão memorizados no controle remoto, giro os canais dentro do círculo que determinei. Do "pé de sapoti" pulo para "ursos calorentos", passo reto por um filme japonês legendado em francês, em seguida uma visão geral do folclórico Parque dos Ídolos Caídos (ou Parque Jurássico dos Vermelhos), dou uma paradinha no "tudo.news" onde meus olhos se multiplicam para captar simultaneamente a locutora sorridente, o repórter congelado no canto superior direito, três faixas legendadas, mais cinco janelinhas do clima ao câmbio – ó meus olhos baratinados!

Antes que eu me sinta instalada com sofá, chá gelado e chinelas no meio do Times Square nevado, zarpo para o fundo do mar, vejo os restos de Heráclion quando pouco sei o que restou dos meus alucinantes embalos sabáticos no Papillon, além de luzes pisca-pisca do piso, do globo de espelhinhos a refletir pedaços de mim, jatos de luz-negra vindos do teto, rodopios sobre saltos plataforma, em dia de festa chovia purpurina nos cabelos, e o segredo para manter-se de pé por cinco horas seguidas era muita água mineral e combinar o ritmo bate-estaca da 'disco-dance' com o batimento cardíaco. Fora daquela pista políticos disputavam poderes, jogadores disputavam títulos, ricos disputavam esquis em Bariloche, enquanto pobres colhiam a xepa do meio-dia, e garotas classe-média saíam da aula de inglês e iam tomar sorvete com calda quente.

Já pensava na antológica miniblusa de lurex e nos balangandãs de acrílico transparente quando a garota cobrou "e os rapazes, também iam tomar sorvete?" Fui até a varanda. Olho a goiabeira para ajustar as retinas. Por hábito meus olhos mapeiam os buracos de bicho em cada fruta. Qual será a do próximo programa? Romã ou abricó-de-macaco? "Não enrola, tia!" Uns rolaram na grama e depois em roda de fogo, ou vice-versa, não sei. Uns ficaram mais bonitos depois de maduros, outros apodreceram antes de maturar, uns piraram a valer, outros se redimiram, uns sumiram na capoeira, alguns renasceram e mudaram de credo, de cara, de partido, de time, rolam outras bolas e novas dívidas. Como não tenho mais a bola cheia nem tornozelos firmes, e estou sem capital de giro... ZAPPING! Rola a rolinha na areia... eu só preciso mudar de canal!

Melhor: deixei a garota ir ao Balada-a-Diesel no meio da semana e peguei na estante para reler “A Quinta História”. Começo pela dedicatória que não foi para mim mas a tornei minha:
"As coisas da gente são sempre assim: a gente vive, vive, se debate, se esfola aos pouquinhos, arranha o braço, faz um galo na cabeça, dá murro em colchão, se cobre até a cabeça, se afoga no chuveiro, arranca e come os cabelos e as cutículas, chora, ri, sei lá o que mais... então alguém nos diz: tudo passa!" Pois, estou passando.
Tinê Soares – [11/3/2008 - 21:11:08]

4 comentários:

Anônimo disse...

Pois é... o mundo rola.., ou rolamos nós? Parabéns pela crônica Tinê...

ze disse...

rola, gira, passa. a Páscoa é uma Fase, de transformação. a vida mesma também transformação, metamorfose. tudo mexe, tudo gira. o tempo todo.
a ilustra 'tá tão linda quanto o texto. 'panta rei'.

ze disse...

jack fruit, jaca, sapoti, goiaba sim, uva, milho, pêssego, banana, maracujá passion fruit.

Anônimo disse...

Mas que fantástica a reviravolta que deu pelo mundo (globalizado?), pelas épocas, pela vida... sua crônica voa pelos tempos, onde me reconheço em diversas passagens, e a vida... que bom que ela é mesmo esta roda-viva! Podemos ficar atordoados de vez em quando, mas sabemos como retomar o equilíbrio (nem que seja para perdê-lo no instante seguinte - rs). Bjos grandes.