8.3.08

Stalin- Capítulo 3 - O Desconhecido


Em “Um Stalin desconhecido” os irmãos Zhores e Roy Medvedev elaboraram 15 ensaios que contemplam temas obscuros e polêmicos da biografia do líder soviético. Esses georgianos e ex- dissidentes demonstram uma visão objetiva, não contaminada pelo rancor, mas nem por isso condescendente com a figura de Stalin. Não o vêem, por exemplo como um usurpador, mas legítimo representante de uma tendência dentro da elite do partido bolchevique e que lutou arduamente entre 1923 a 1929 para “ascender ao papel de ditador”. No entanto, também não o consideram uma autoridade carismática, (e aí lançam mão de uma classificação weberiana da autoridade), mas sim como portador de um tipo de “prestígio” alcançado pelo funcionamento de uma máquina bem azeitada que produzia o que chamam de “megaproganda”.
De início desconstroem a lenda que envolve a sua morte, no qual descartam a hipótese de conspiração e envenamento que consta em vários livros. A seguir especulam sobre a existência de um herdeiro que permaneceu como eminência parda.
Examinam também o destino dos famosos arquivos secretos de Stalin que foram confiados a Beria, Malenkov e Kruchev e viraram fumaça. Revelam o objetivo por trás da destruição sistemática da memória stalinista e seus colaboradores: apagar as marcas de sangue do passado, e outros crimes, já que boa parte desses arquivos continham os famosos dossiês incriminadores que faziam parte do método de Stalin chantagear e obter a lealdade de seus comandados. Além disso, a liderança emergente temia a existência de diretrizes testamentárias do falecido que poderiam atrapalhar suas carreiras. Concluem com uma rematada bobagem: ver nesses atos de destruição da memória algo positivo. Os bastidores do famoso 20º Congresso do PCUS também é esmiuçado. Focalizam principalmente o impacto que as denúncias de Krushev tiveram na URSS, o desmanche dos gulags e o fenômeno do surgimento de duas Russias, coisa pouco estudada.
Um grande capítulo é dedicado à questão das armas nucleares. Nele dão uma pequena aula de química e física, especificando detalhes das dificuldades de construção das bombas de urânio, plutônio e de hidrogênio. E mostram o enorme esforço soviético para acompanhar os EUA, desde a mobilização de cientistas que competiam com os rápidos computadores americanos até espiões e colaboradores comunistas que mandavam suas descobertas do ocidente. Capítulo especial é dedicado ao “gulag atômico”, o uso de campos de trabalhos forçados com milhares de prisioneiros envolvidos na edificação de verdadeiras cidades, num projeto ultra-secreto que teve grandes e graves acidentes numa corrida que não economizou vidas nem de sua elite científica. A seguir narram o tragicômico episódio, onde o tenente Razin, admirador de Clausewitz perdeu uns dentes mas ganhou a patente de general.
Grotesca também é a participação do doutor Lysenko, um lamarckiano de carteirinha, na história das ciências biológicas soviéticas e no azar de vários colegas que discordavam de suas teorias.
Noutro capítulo, mostram a ambição risível que Stalin alimentava de ser um intelectual e como dava pitaco em tudo, inclusive na área da linguística. Orwell iria adorar esta parte. Dois ensaios dão conta o comportamento de Stalin durante a segunda grande Guerra mundial que segundo eles foi positiva. O líder não tremeu nas bases. Nisso estão em desarcordo com Montefiore. Não deixam de registrar que parte da debilidade das forças soviéticas, durante os embates teve origem nos expurgos que ocorreram nas suas fileiras quando grande parte da oficialidade do Exército Vermelho e da Marinha foi presa ou fuzilada. A seguir falam de um general injustiçado pela história, Josef Apanasenko, e revelam como ele foi um grande herói da Guerra sem ter participado do combate direto. Na última parte do livro, tratam da feição russa nacionalista do ditador georgiano a começar pela transformação dos seus retratos oficiais. Mostram a divergência com Lenin que inicialmente havia se impressionado com sua performance, mas discordava de sua posição não internacionalista e de seu projeto de constuição em moldes centralizadores. Essa versão contradiz Montefiori que disse ter Lenin se interessado pela idéia de Stalin de manter o império Russo unido. Antes de fechar o livro, é exposta a face sádica de Stalin quando da eliminação de Bukharin, um dos melhores quadros da revolução. Por fim falam da relação fria do líder da URSS com sua mãe, que nem nos funerais dela compareceu.
(Amanhã Final da Resenha)

5 comentários:

ze disse...

a idéia de exportar a Revolução é reação à idéia de acabar com o Comunismo: não se levantaram todos os países contra esta Rússia comunista? não teve Stalin que brigar com toda a Europa? não resistiu ele bravamente?

LIBERATI disse...

Tudo que eu tinha a dizer, caro Zé está na resenha.
Abração

Marcos Doniseti disse...

Também li o livro 'Um Stalin Desconhecido', dos irmãos Medvedev e gostei muito. Muito do que concluí a respeito do mesmo você já escreveu neste texto excelente.

Mas quero apenas acrescentar uma observação, que é sobre as visões distintas, de Lenin e Stalin, a respeito da criação da URSS.

De fato, Lenin era um internacionalista e era contra a criação de um união com o poder centralizado na Rússia, como defendia Stalin.

Lenin via esse projeto como manifestação do chauvinismo russo, o que fica claro no livro dos irmãos Medvedev. Você disse que o Montefiore discorda disso.

Bem, não li, ainda, o livro dele, mas o Robert Service, que escreveu uma biografia de Lenin, corrobora as afirmações do livro dos Medvedev e mostra, claramente, que Stalin e Lenin, de fato, divergiam radicalmente quanto a este assunto.

Portanto, neste aspecto, os Medvedev é que estão certos e não o Montefiore.

LIBERATI disse...

Caro Marcos, creio que a visão de Montefiore deve estar equivocada, pois, mais tarde numa outra biografia a de Trotski que tinha uma visão internacionalista clara ( bio feita por Isaac Deustcher - é assim que se escreve?), nesta biografia, o autor revela, que o objetivo da Revolução era chegar a Berlim - pois considerava a Alemanha mais preparada - tanto na sua infraestrutura econômica como na base social- onde havia realmente um proletariado "clássico" ativo, que decerto toparia de cara a mudança. A Russia era apenas um estopim para a verdadeira "Revolução" e Berlim o alvo. A Russia estava num estágio ainda, vamos dizer- semi-feudal, e até feudal em certos lugares.
Agora, mudando de assunto, é interessante ler "Almas mortas" de Gogol para se entender a Russia daquela eepoca, em certos pontos, muito parecida com pedaços do Brasil.
Volte sempre, grande abraço

Marcos Doniseti disse...

Realmente, Liberati, creio que o Montefiore se equivocou, mesmo.

E Lenin e Trotsky somente fizeram a Revolução na Rússia porque entendiam que ela era apenas o estopim,como você disse, de uma Revolução Mundial.

Eles, bem como todos os bolcheviques russos, sabiam perfeitamente que não havia nenhuma condição de se implantar o Socialismo na Rússia semi-feudal de Czares absolutistas e com 80% de camponeses analfabetos e miseráveis.

A Rússia era parte, na época, da periferia do Capitalismo Global, principalmente da Alemanha e da França, que eram os grandes investidores externos no país.

Eles pensavam que somente com o triunfo da Revolução Socialista nos países capitalistas avançados (Alemanha, França, Inglaterra, etc) é que a Rússia poderia se desenvolver.

Por isso é que Lenin queria um modelo de Federação (e não uma União centralizada em Moscou, como defendia Stalin) na qual as Repúblicas que a constituissem tivessem um grande grau de autonomia em relação ao poder central e que pudessem receber novas adesões (de países onde a Revolução Socialista triunfasse). A idéia de Federação, de Lenin, dependia da vitória da Revolução em outros países. Com o fracasso da Revolução Mundial, a idéia de se criar uma Federação foi para o ralo.

Assim, Lenin é derrotado por Stalin nesta disputa e por uma razão muito simples: Já havia ficado claro, em 1922, para quase todos os bolcheviques russos, que o projeto da Revolução Mundial havia fracassado.

Por isso, os bolcheviques entenderam que a sua tarefa, naquele momento, era recuperar a economia do país (por isso eles apoiaram a NEP de Lenin), devastada pela Guerra Civil, e garantir o seu controle sobre o vasto Império Russo, ao qual eles haviam passando a governar com a vitória da Revolução (por isso eles defendiam um governo central forte).

Stalin, muito inteligente e habilidoso politicamente, percebeu isso claramente e também apoiou a posição majoritária entre os bolcheviques naquele momento, derrotando Lenin.

Foi por isso que a proposta de Lenin, da criação de uma Federação 'frouxa', acabou derrotada quando foi submetida aos dirigentes e líderes bolcheviques, e a de Stalin, de uma União forte e centralizada, foi aprovada por estes.

O momento da Revolução Mundial já havia passado e a hora era de reconstruir o país e consolidar o poder dos bolcheviques sobre o mesmo.

Para mim, Stalin (apesar de ter sido um ditador cruel, sem dúvida alguma) sempre foi muito habilidoso politicamente e soube, sempre, em qual direção 'o vento estava soprando'.

Assim, ele sempre soube se posicionar de maneira a sempre ficar a favor das tendências políticas dominantes.

E esse foi um dos principais motivos que fez com que ele vencesse a batalha de poder dentro do Partido Bolchevique após a morte de Lenin.

Stalin pode ser muitas coisas, menos bobo. Bobos foram os que pensaram que ele era bobo.

Obs: Valeu pela indicação do livro do Gogol.

Abraço