8.5.08

Crônica da Tinê - Ó mãinha, ó...


Em tempos de avatares de jogos virtuais, uma Barbie anoréxica foi clonada, gestada por uma barriga contratada, é criada por um casal de parceiros do mesmo sexo – a mãe, quem é?

No colégio tivemos aulas de puericultura. Aprendemos a trocar fraldas, dar banho, bordar o nome do ‘baby-doll’ - o meu era um menino em tamanho natural por mim batizado de Zé Paulo, até hoje não sei de onde tirei o nome para o boneco americano que ganhara. Cantávamos 'berceuses', preparávamos chá com bolo no meio da tarde para minhas “filhas” que representavam idades diferentes - Líliam, a mais velha, Lígia, a do meio, Gracinha, a caçula - e para as “filhas” das colegas, minhas “sobrinhas”: reuníamos nossas bonecas como um prenúncio de nossas obrigações futuras para irmos nos acostumando com a dignificante tarefa que nos aguardava – de acordo com o roteiro escrito pelos mais velhos - , inclusive o exercício das vaidades maternas, sem ao menos sermos consultadas se não preferíamos jogar queimada e depois de crescidas sermos corretoras na Bolsa, alpinistas ou velejar mundo afora sem data para voltar.
--- A minha Mademoiselle tem sapatos de verniz e um chapéu de ráfia branca com fita azul... é uma mocinha!
--- A minha Pierina tem olhos escalafobéticos (isto é, olhos em diorama), é mais moderna que a sua Pedrita das cavernas!
--- A minha Anuka é polonesa, tem cabelos pretos e caixinha de música dentro da barriga...
--- O meu Zé Paulo é um mijão!

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Existe teste vocacional para ser mãe? Algum cadastro obrigatório que autorize uma mulher a parir e criar filhos? As que não preenchessem os requisitos, receberiam treinamento ou seriam esterilizadas? Instinto maternal é mito? Ser mãe implica em sacrificar-se com doce abnegação ou... sacrificar os filhos ainda nos cueiros ao atravessar um túnel poluído para deixá-los na creche antes de ir para o escritório - os tais filhos de chocadeira? Pior: largá-los por aí, explorá-los, vendê-los, quando não devolvê-los por vias inomináveis ao Supremo...
A vovó da roça teve dezesseis filhos vivos, em que os mais velhos cuidaram dos mais novos, e pelo menos umas quatro "tias agregadas" serviram de babás. A vovó da cidade grande foi operária de fábrica, teve três filhos, nenhuma babá, ainda ajudou a criar netos e bisnetos - que eu saiba, suas bonecas foram de carne e osso porque aos oito anos teve que cuidar das irmãs Mariquinha e Julinha sem nunca ter recebido aula na ‘pueri domus’.

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Essa idéia aromatizada com rosas sobre enlevos maternais surgiu no período do Romantismo, ao som de baladas em meio a cromos de roliços nenéns em postais feitos à mão. Antes, filho era uma simples consequência biológica, encarado como uma obrigação: dar continuidade à linhagem, formar novas alianças, fornecer braços para trabalhar a terra e soldados para guerrear. Ainda no século 19 era de mal-gosto uma mulher amamentar o próprio filho, uma prática comum da classe baixa que fornecia as amas-secas.
Alguns aconselham a mulher a ter filho para ter alguém que cuide dela na velhice, ou seja, filho é um investimento futuro. Simone de Beauvoir foi taxativa: a maternidade é um direito opcional, eletivo. Portanto, se uma mulher não teve filhos porque não quis, nunca poderá ser julgada como sendo incompleta e infeliz. O poeta Vinícius de Moraes já dizia "Filhos, melhor não tê-los. Mas se não tê-los, como sabê-los?"
Tinê Soares – Maio2008

7 comentários:

TS disse...

"Ora, direis, estrelas."

A ilustra ficou delicada, diáfana como o tempo que tudo carrega, em contraste com o texto...
Obrigada, Bruno, bom fds pr'ocê e...

feliz Dia das Mães!

Unknown disse...

Foi Carlos Drumond de Andrade quem fez essa citação...

Bjuss

LIBERATI disse...

Valeu Tinê, não é confete, mas sua crônica torna esse blogue mais humano.
bjs

ze disse...

as mulheres viveram tanto tempo presas. os homens fizeram muito mal a elas. na História tem uma discussão, levantada por Robert Graves, amigo de D.H. Lawrence (como vi no jornal outro dia) sobre a Grande Mãe e de como seu culto foi perseguido pelo do Pai. Milhares de anos atrás mas a gente sente ainda a influência.
As mulheres engravidam quando os homens precisam de óvulos. A menopausa chega muito rápido na vida da mulher!

ze disse...

a fala de óvulos parece de um centauro pegando a mulher a força. imagem rica esta. a mulher tz ainda viva nesta cultura do homem que a pegue a força, tz com certeza.

TS disse...

Querida Piúma:
O verso é de OLAVO BILAC:
"XIII

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

TS disse...

Zé, a Gaia é fecunda... é caótica, é criativa. O "Pai" é ordenador, racional. É preciso o enlace de ambos para equilibrar o mundo.