20.5.08

O Sujinho


(Continuação da Viagem ao maior engarrafamento do século)
Antes de sair do sebo subterrâneo "Via Libris" joguei minha mala e minha mochila no chão e passei os olhos pelo edifício caótico de livros e textos colados nas prateleiras e acabei encontrando um outro livro que persigo faz uma década, trata-se do livro "O Todo- Ouvidos - Cinqüenta caracteres de Elias Canetti. O livro permanecia quietinho dentro de um plástico com uma etiqueta onde estava escrito : "Esgotadaço" . Nada mais paulista! Só "balada" e "xaveco" podem competir com "esgotadaço". Meus amigos da terra de Mário de Andrade vão me criticar por estas generalizações e por ser tão ingrato com a cidade que me serviu de berço e me viu crescer para depois fugir feito um exilado. Quandi vi o livro de Canetti ali dando sopa, por um preço "salgadaço", pedi um desconto. O rapaz da livraria disse que o livro pertencia a um outro cidadão (não podemos esquecer que é um coletivo de livreiros) e que eu deveria passar ali no dia seguinte para ver se ele me vendia por um preço menor. Ele me disse gentilmente que achava que o dono do livro ia me dar esse desconto. Deixei meu nome, fiz a reserva e parti para casa dos meus amigos que iriam generosamente me hospedar. Eles tinham um jantar marcado e eu precisava urgentemente de um bife a cavalo. Uma explicação se faz necessária: não costumo comer nada pesado durante viagens. As paradas dos ônibus que fazem o trajeto Rio- São Paulo abrigam praças de alimentação muito pesadas (não é por acaso que a comida é a quilo). Não consigo entender as pessoas que fazem aqueles pratões de bandejão e depois conseguem digerir tranqüilamente sentados mais de 3 horas sem poder caminhar, esticar o esqueleto, trancados dentro dos ônibus.
Bem, seguindo a orientação de meus caros amigos fui para o "Sujinho", que antigamente era chamado graciosamente de "Bar das Putas", alí na esquina da Maceió com a Consolação. Lá eles servem uma bisteca que é o fino da bossa. Estava com o apetite de um retirante, mas me furtei de comer o prato principal, seria como ter um tijolo atirado no terreno escorregadio do meu estômago já tão maltratado pela fome da Dutra. Pedi um frango com legumes e arroz de brócolis.
Sem sacanagem, os caras humilharam a cozinha carioca, mandaram um prato sensacional (saborosíssimo!) que dava para alimentar um batalhão. E confesso que comi tudo, e pensei na sobremesa. Meu delicado estômago nem chiou, aceitou tudo numa boa e agradeceu. Enquanto jantava fiquei a observar um casal que da terceira idade que esperva chegar o seu pedido. O que me impressionou foi que eles não trocaram nenhuma palavra durante um longo período . Aí chegou um banquete e eles partiram para dentro dele conservando o mutismo de antes... Um velho casamento que já não necessita mais de comunicação? Talvez, já vi muitos casais jovens assim. Quem sabe, eles estavam com uma baita fome e irritados, sabiam que poderiam não ser gentís um com o outro ...palavras, afinal, para que existem as palavras? - Nós viemos aqui para comer ou para conversar? Casado não conversa mais.. Amante já vai no objetivo sem mais mais mais. Quem conversa é namorado...Deixemos de lado as especulações conjugais e vamos voltar ao que interessa.
O "Sujinho" tem um detalhe que vale a pena conferir. Como decoração , no fundo do restaurante existe uma foto P&B ampliada da Avenida Angélica dos anos 40 que toma toda a parede. É uma bela foto. Nela aparecem uma carroça que segue pelo meio da avenida com árvores nas suas calçadas e um casal espera para atravessar e lá de baixo vem um automóvel , um fordeco, um calhambeque para Roberto Carlos nenhum botar defeito; tudo envolvido numa névoa, ou seria uma garoa? Fotos antigas me levam para longe... Saibam que eu peguei bonde que passava na Angélica, vinha pela São João, e saltava quando ele dobrava a praça e ficava em frente à Escola Técnica de Química Industrial Oswaldo Cruz...tempos bons , meu avô foi motorneiro de bonde.
Saí do "Sujinho" com medo de perder o meu livro do Canetti e então voltei ao sebo e falei com um sujeito fantástico que fica lá curtindo um som e lendo seu livro na maior . O nome dele é Cyrus, e ele foi muito gentil também, localizou o exemplar e eu feliz feito Jamelão em dia de desfile cantei Aleluias pela Consolação com meu Canetti "esgotadaço" debaixo do braço tremendo de frio. O livro é um ensaio ficcional, na verdade um exercício de esboçar tipos (caracteres), resumos de pessoas. Falarei dele brevemente( tradução de Herbert Caro que foi amigo de Canetti e sempre faz mais do que uma tradução- ele recria a linguagem do grande pensador - a capa é de Claudio Mesquita - acho que ele fez com lápis de cor aquarelado) . Enquanto seo Canetti não vem, deixe-me curtir a Consolação e suas pizzarias Blade Runner...-Respire o ar gélido, repórter!... (Amanhã ou depois eu conto mais sobre a cidade e o tempo em que eu ia tomar café no Aeroporto, Bye, Bye)

2 comentários:

ze disse...

homem que é homem não fala.
quem ainda quiser andar de bonde é só ir a santa Teresa. nossa vc andou de bonde em Sampa ?! quando acabaram ? deve ter sido antes da invasão nordestina.

LIBERATI disse...

Exitiam bondes até 1968, 1969, foi aí que terminei meu estágio de química, fiz cursinho de 6 meses com bolsa e entrei na faculdade de sociologia. Depois um prefeito inventou o Minhocão e liguidou parte da Avenida São João a velha Barra Funda e outros bairros da cidade. Os Nordestinos construiram a cidade assim como os outros migrantes. Cidade que recebe todos , experiência tropical de convivência...mas a megalópole está muito inchada, soluções urbanísticas devem começar a ser tentadas para melhorar o inferno polifônico.
grande abraço