
(Nesta época de candidatos de ficha suja e outras barbaridades, me lembrei de uma croniqueta que cometi que se chamava originalmente “Elogio de um homem Público”. Era um discurso elogioso, mas acho que o cara errou ao se encantar com certas palvras bonitas que encontrou no dicionário. Vocês conferem.)
Na microfísica dos podres poderes de uma República bananosa, a lei da gravidade, a única que parece ter pegado lá, fez com que uma folha de papel amassado (ou seria amassada?) caísse fora da lata de lixo da História.
Nesse documento rejeitado parece que se esboçou um estranho elogio cifrado.Um discurso enigmático, jamais proferido. Quem sabe se trata da apologia de um dignitário, o panegírico de uma triste alta figura que, ao que tudo indica, transformou sua vida pública numa privada, como dizem os detratores de plantão?
Eis o seu conteúdo, decifrado de maneira talvez incorreta e indevidamente traduzido de um idioma bárbaro, decerto:
“Homem da mais alta improbidade administrativa, que se locupletou com avidez das benesses desta cornucópia generosa que chamamos carinhosamente de erário público. Insigne espécime lesante da nossa mais excludente casta de maganões que cultiva a impropriedade como um dos seus maiores dons e princípais ilícitos…(silêncio profundo)
Que se enalteça nesse ser esmerado seu peculato sem fim. Ignore-se as tentativas de enxovalhamento, acusações de benemerência e obtemperação! Justiça seja feita! Extramuros, evidentemente! Que sua biografia seja escrita com os olhos marejados de lágrimas de crocodilo e voltados para as exemplares e ilustres falcatruas que espantam este país como maravilhas que deveriam constar entre os sete monumentos que encantam este planeta tão carente de prodígios. Sim, maravilhas que dignificam este país, onde abunda a delapidação dos bens, a concussão e a prevaricação ilimitada, dada a liquidez das fontes monetárias e a concupiscência imorredoura de suas elites inimputáveis.
O ignaro olvida nesses momentos de linchamento da honra, que homens dessa cepa, com a sua inapetência atávica pelo dever, como um bom pai, muito obrou pelo bem estar de sua família. Ninguém, como ele em sua alada posição compreende o valor do pão obtido pelo sour dos outros na labuta incruenta.
Esperamos que civilmente a pendenga se resolva em elegante falta de decoro, habeas corpus, liminares e no mais absoluto recesso.
Nas vicissitudos da remessa do alheio rumo aos injustamente chamados paraísos fiscais, onde longe do olhar cobiçoso desta verdadeira praga que é a imprensa livre e o populacho que não sabe o seu lugar, se fez justiça ao seu ócio, seus desvios, iates, flats… (Silêncio grave)
Mas não podemos esquecer que, no assalto loquaz aos próprios do Estado, esse monstro interventor na livre circulação da perversidade finória, que este herói da vaniloqüência,(apontá-lo no auditório), sempre foi o mais aguerrido biltre, nunca fugiu ao valhacouto, se expôs à patranha sem pestanejar. E quando os interesses maiores da Nação o chamaram para as fileiras dos finórios com “conscientia sceleris", tomou-se de brios e, como eminente lambarão, lançou suas mãos na cavilação pátria: tarefa hercúlea que só os estróinas de boa estirpe são capazes de suportar.
Não é de espantar seu despreendimento em relação às causas sociais. Não podemos nos cegar diante do fato de que este estrategista da boa hora, esse oportunista contumaz, foi criado no labreguismo histórico de sua estirpe, sempre atento aos ditames do imperativo da canalhocracia, tendo por exemplo o paradigma o encruncho zeloso de seus ancestrais, fúlgidos representantes de uma raça de fanambulescos ativistas da mais árdua funçanata, que forjaram seu ânimo, sem dúvida, na eloqüente arbitraridade, sempre com a inelutável iniqüidade tão necessária para realizar o bem….(silêncio calculado) Tenho dito! (Aplausos) …”
Um semiólogo disse que esse discurso se repete quase inaudível nas frestras institucionais de um continente perdido e faz ninar os inocentes inúteis.
6 comentários:
Parece discurso de "adevogado" de interior na tribuna do prefeito em dia de parada cívica.
Um barroquismo só:
"a massa ignara olvida o funâmbulo!"
Cruxcredo... só falta o discursante ser glabro, casado com uma senhora pundonorosa com três filhos: um lambarizinho, um baiacu e uma lampreia (hihihi).
[espero q conheça estas gírias]
Hilária crônica.
outro dia vc questionava de por que as coisas não funcionarem no Br. - fico achando que Àmerica é a terra da oportunidade , da cocanha, do enriquecimento, da cornucópia. a qq preço. Glabro é ótimo.
Querida Tinê eu me lembrei do Odorico Paraguassu (é assim que se escreve?) quando cometi essa croniqueta.
Não conheço essas gírias que você usou, são muito boas as expressões, depois me diz o que significam.
bjs e obrigado pela força,
Zé, a terra é boa, tudo que se planta nela dá. Tudo é dado para aqueles que estão nos poderes e são amigos dos poderes. Como se diz em bom "cuiabanês", é uma "dação" sem fim!
Você precisa ler Vargas Llhosa, "Conversa na Catedral", lá tem uma frase que é decisiva , vou fazer uma croniqueta baseada nela.
grande abraço
preciso ler um monte de livro - devido a ti, encomendei WW. sua crônica está perfeita. rica de palavras. cabe uma defesa da não vida pública, da existência mendiga, longe desta sociedade descrita. felicidades para todos.
Grande abraço , obrigadão pela força meu caro Zé.
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