2.10.08

Cidades Marrentas (continuação)


Nápoles
Walter Benjamin num de seus fragmentos fala dessa interessantíssima cidade do sul da Itália. E começa contando uma cena na qual surge um padre que “por causa de transgressões morais” estava numa carreta que circulava pelas rua de Nápoles, exposto à execracão pública – talvez em direção a algum distrito policial. No caminho, a carroça era seguida pela plebe rude que xingava o sacerdote sem parar. A situação estava feia. Mas, eis que no meio do trajeto surge um cortejo nupcial- o padre não pensou duas vezes, assumiu sua autoridade paroquial e solenemente fez o sinal da cruz. Todos os que estavam, minutos atrás, a xingar o homem de Deus sem piedade, cairam de joelhos e repetiram o movimento.
Benjamin observa que este ato mostra a força do catolicismo e seu empenho em domar o caráter do povo desta cidade. Ele diz : “Não pode esse povo viver de acordo com sua imensa barbárie, crescida do coração da própria cidade grande, em lugar algum com mais segurança que no seio da Igreja. Precisa do catolicismo, pois com ele se erige uma legenda, a data de calendário de um mártir, que ainda legaliza seus excessos. Aqui nasceu Santo Alfonso di Liguori que tornou flexivel a praxe da Igreja, perito em seguir o ofício dos malandros e prostitutas, a fim de controlá-lo no confessionário, cujo compêndio redigiu em vários tomos, com penalidades eclesiaticas mais severas ou mais brandas. Apenas a Igreja, e não a polícia, pode se equiparar à autonomia da criminalidade, a Camorra”. Desta maneira ele continua seu texto que não é em nada simpático à terra de Enrico Caruso, que achamos injusta e não vamos reproduzir aqui. O que importa é que ele salienta a faceta marrenta de Nápoles e serve como modelo para o estudo do caráter das cidades.

Rio de Janeiro
Não vamos chover no molhado e abordar o aspecto ilegal da cidade maravilhosa. É só apanhar qualquer jornal popular que ele vai dar conta do recado e informar a gravidade da situação em todos os seus aspectos.
Interessa nesse croniqueta, o lado peculiar do carioca, seu jeitão transgressor, debochado. E para isso, inicialmente vamos lançar mão do relato de um artista do traço.
O gaúcho Aliedo, como bom chargista, (vide seu blog no endereço http://aliedo.blogspot.com/ ) é também excelente observador do comportamento humano. Um dia, conversando sobre os cariocas – e olha que falávamos como dois estrangeiros diante de um monumento turístico – admirávamos esse mau humor que os nativos do Rio cultivam e que é muito engraçado. Foi aí que ele contou um caso que deveria constar de qualquer antolologia de histórias desta cidade.
Houve uma época em que o nosso cartunista achava que tudo se encontrava na Rua da Carioca, de materiais elétricos a vestuário, passando por instrumentos musicais e quinquilharias. Num belo dia, percebeu que uma das hastes dos seus óculos havia se soltado justamente quando começava a desenhar. Era um tipo de óculos estilo Gepetto, sem aros. Tinha perdido um pequeno parafuso, coisa simples de resolver.
Lá foi ele, então, para a famosa Rua da Carioca, na esperança de achar uma ótica. Ansioso, procurou e se perdeu na paisagem. Nas adjacências, encontrou uma. Percebeu, ao mergulhar na penumbra, que o balcão estava vazio e lá no fundo da loja um homem lia o jornal. Tossiu umas duas vezes para chamar a atenção do sujeito, sem alcançar sucesso. Até que apelou para sua voz de barítono e chamou: “Ô, meu amigo, pode dar um pulo até aqui?”. O sujeito saiu do seu banho de imersão matinal nas notícias populares, dobrou o jornal e foi até o balcão sem nenhuma pressa. Gentilmente, disse: “O que o você quer?”.
Aliedo mal esboçou a questão que o afligia, quando o homem tomou os óculos de suas mãos e, depois de um exame meticuloso, como se fosse uma coisa de outro planeta, coçou a cabeça e soltou a frase que até hoje suscita interpretações: “Você me arruma cada problema”!
***
Outra história do mau humor carioca aconteceu comigo mesmo. Estava na Avenida Rio Branco, com uma pressa danada. Precisava ir até uma editora que fica em São Cristóvão, perto do Observatório Nacional. Tinha uma hora marcada para fazer uma capa de livro. Desesperado, então, fui em direção àquelas tradicionais fileiras de táxis que ficam encostados no lado esquerdo de quem vai para a Cinelândia. O motorista se encontrava fora do veículo, e, decerto considerou a corrida mixuruca. Quando terminei de traçar o roteiro, ele não teve dúvidas: sem dizer nada, foi se afastando, se afastando, até que virou de costas. Realmente, sem comentários...
***
Agora, todo um ônibus cair na gargalhada, só poderia acontecer por aqui mesmo. O fenômeno ocorreu numa linha que ligava a Zona sul à rodoviária. Num bate-boca entre uma passageira e a cobradora sobre o troco e questões relativas à educação, surgiram algumas pérolas dignas de nota.
A passageira berrou: “Você é muito inguinorante, uma cavala, não sabe tratar o púbrico...
No que a cobradora devolveu: “Inguinorante” é você, que não passa de uma “analfabética”. Fique sabendo que eu sou “deplomada!”.
A outra aproveitou a dica e mandou: “Deplomada!” – Num sabe nem falar direito….quaquaquá!
A gargalhada ecoou no ônibus. Ele parecia se contorcer com as pessoas que se dobravam de rir, repetindo as palavras das duas, que, alheias a tudo, dentro da uma bolha de ira, continuavam a discussão pra lá de bizantina…Falando nisso, e Bizâncio, hein!?

3 comentários:

ze disse...

Constantinopla é a Roma Oriental, no sentido estrito. As duas vivem juntas com outras três formando as cinco grandes cidades : Antioquia, Jerusalém e Alexandria. Formam a cabeça do mundo antigo.

LIBERATI disse...

Falou e disse, Ze!
Mundo antigo, quanta coisa devemos a ele!
abraços

ze disse...

ACRAI - uma inicial para cada uma destas cidades.