21.11.08

Crônica da Tinê - Não fui a Iriri nem comi siri


“Meus sonhos são barcos que descem o rio,
Em busca do mar que reluz no horizonte...”
Barcos – Rosa Passos e Fernando Oliveira


Vou à praia de Copacabana com as colegas de colégio, ao Arpoador com as primas em visita ao Rio, à Ipanema encontrar o namorado, assim falava eu em meus anos de beira-mar carioca.
Se alguém de carro estivesse disposto a rodar e a ferver sob o solão, então dizia: vou à Restinga de Marambaia - e depois, quase sempre, ia degustar moquecas em Pedra de Guaratiba.
Em feriados prolongados, os amigos resolviam acampar na deserta Prainha, ou na Praia dos Paraquedistas, para um luau reservado. Não havia estrada direta, era preciso trepidar sobre muito cascalho e xique-xique até chegar lá. Se o combustível e a grana permitissem ir mais longe, tascava: vou para Saquarema, vou para Restinga de Massambaba, vou para Búzios armar barraca. Se eu dissesse um simples “vou à praia”, por certo as areias seriam as do Leblon, onde morei em quase total felicidade.

Hoje vivo no alto de uma montanha. Sequer avisto marolas no fundo do horizonte. Fico a ver nuvens em forma de baleia, a ponto de quase me transformar numa. Nem posso, quando aperta saudade premente, descer de bicicleta com a marcha em ponto-morto ao encontro da água salgada, enterrar os pés entre espumas e moluscos a fazer cócegas - frêmitos de secreta alegria.

Por culpa das “Entradas e Bandeiras”, todo mineiro é gente do interior. Talvez seja, também, a causa para a fala mansa em tom baixo, para o trabalho em silêncio. Portanto, a mineirada é diferente. A mim parece que escondem a diferença quando anunciam “vou à praia” - ponto final. No início, meio estrangeira em terras barrentas, eu caçoava – Que praia?! Pode ser qualquer uma, do Espírito Santo à Bahia. A resposta é dada com ar blasê para disfarçar, como se fosse “logo ali, ao virar a esquina”, eu mal entendo se falam de bairro ou de outra cidade, até porque, para um mineiro, bairro grande é uma cidade, como a Praia do Morro em Guarapari.
Não é à toa que vem dos mineiros a expressão “eta marzão besta!”. A ausência de balneário próprio talvez seja a única dor-de-cotovelo deles, não lhes servem de consolo suas cachoeiras ou areais ribeiros, muito menos o fato de o Piauí molhar a cabeça no Atlântico. Mas o que seria da hotelaria e dos empreendimentos imobiliários praianos se não fossem os desmarinhados mineiros ávidos por ondas, bronzeado sem cloro e moda-verão bem comportada?
[continua] - Tinê Soares [18/11/2008]

12 comentários:

Lygia Nery disse...

Eu fui a Iriri e comi siri. Ainda que tenha vivido quase sempre em terras paulistas, amava viajar! Mas tinha que ser para longe de casa, porque viagem de dois ou tres dias nunca me seduziu: viagem mesmo tinha que durar mais de uma semana. Pelo menos. Carrego memórias azuis das praias capixabas e da adolescente viajante que eu fui. Mas esse quase trauma que consiste na inexistência de praia em Minas sempre me passou batido...

Anônimo disse...

Mas mineiro é assim mesmo, uai. (rs). Eu mesmo me peguei estes dias, sugerindo para um evento aqui (um escambo com o mote: Leitura para as férias) colocar no cartaz alguém na praia. Foi quando comentaram: "É... férias para mineiro é praia mesmo!" Foi então que cai na real e falei: então colocamos alguém na praia, outro numa rede e coisa assim. Ficaram três fugiras ótimas. E engraçado: não sou fã de praia, mas normalmente viajo para o litoral (nordeste - afinal... é logo ali - rsrsrsrs). Beijaço. PS: esqueci: desde menino vou à Guarapari como todo bom mineiro. Mas a família de minha avó é de lá (desculpa esfarrapada!) E acredita que eu nunca fui a Iriri e consequentemente, não comi siri :)

Elaine de Amorim disse...

Tinê...dava tudo para chegar julho e viajar de teresina até Luís Correia, a cidade litorânea principal do Piauí....Sim! são apenas 60km de litoral e querendo ou não, sou uma menina do interior também!!!

TS disse...

Cara Lygia, minha infância foi à base de carne de baleia (na escola) e siri (os bichos inteiros sendo escovados no tanque da vovó p/ retirar a areia); o que comi durante esta viagem era "congelado", nadando em molho de tomate (argh!) e num potinho de barro: a casquinha é o "in".
Como era época "de defeso", perdoei.
Em certo sentido, estou sempre viajando... Beijins.

TS disse...

Caro ED, o que não falta é filme rodado em praia!
Mineiro se contenta c/ qualquer marola, até esta da sua vovó (espero que não seja dona Lurdinha, que colocou uma placa indicando ter plantado uma certa árvore numa das praias de Guarapa: uma vovozinha-veneno! rsss :D
Bijus.

TS disse...

Cara Elaine: a menina de Barras tá bonita na foto, heim?!
A resp foi tão longa que foi por e.m.

Viva o Piauí! Um estado que não esquenta a cabeça, jamais. :))

ze disse...

Piauí é o estado mais paleontológico, mais antigo, Sete Cidades então seria Atlântida naufragada na História. Estamos em tempos de cheias, inundações e glaciações. Liberius carus, na nuvem desenhada, ficava bem o macaco Hanuman, atravessando elas todas, em salto atrás de Sitá, a esposa raptada, pelo rei dos demônios. O Macaco atravessando em vôo, as nuvens. Ele acha ela mas ela pede pra ele deixar o marido ir buscá-la. Afinal era necessário destruir os demônios. Conscienciosa a rainha.

LIBERATI disse...

Caro Zé, gostei da sugestão, só que ignoro a lenda, que lenda é essa? Conte para a gente essa história do macaco. Já disse que você tinha que ter um blogue só com essas histórias.
grande abraço

ze disse...

toda história é a mesma história. é aquele jataka do salto do macaco. nela Vishnu é Rama (pinta-se de negra a pele dele), e os deuses todos do panteão hindu, seus amigos os Macacos (assim com m maiúsculo). O rei dos demônios rapta a rainha humana, esposa de Rama. Os Macacos ajudam-no a resgatá-la. é feita uma ponte para atravessar o mar com o exército de macacos até a ilha em que ela está presa. no fim da guerra os demônios morrem e os Macacos ressuscitam todos, graças a Brahma. Os Macacos podem aparecer como pessoas. No British Museum está uma exposição com os desenhos desta história: uma amiga inglesa me deu de presente o livro da exposição. Felicidades. Jaya.

TS disse...

Ao Liber, o Ponderado:
concordo contigo.
ZÉ,larga dessas jatakas e conte a sua visão dos bichos à brasileira, mesmo q o pior deles seja o Homem... brasileiro!
Abraços em ambos.

ze disse...

Noossa TS, está tão ruim assim as vidas de Buddha? somos índios, os brasileiros, gente vermelha, de pele vermelha de raça vermelha. apesar do IBGE. aliás, que vergonha, um país tão grande com a população decrescendo. o mal é o vil metal. a cultura da gravata, empresarial. felicidades.

Anônimo disse...

Quando vi a referência à Barcos, fiquei meio sem jeito, sem graça, sei lá... rs. Pra mim você tem o dom de atiçar, provocar de forma super positiva as pessoas... que bom.