28.11.08

Crônica da Tinê - Não fui a Iriri nem comi siri (continuação)


Meus sonhos são barcos seguindo com pressa,
E muitos se quebram nas pedras do cais...”
Barcos – Rosa Passos e Fernando Oliveira


Amineirada após vários anos nas Gerais, meu coração palpita calado. Vontade de comer siris e ver a alvorada no mar. Enquanto a praia é apenas uma síntese de todas as praias, plantações se desdobram pela janela do carro como um rolo de filme. A estrada sobe, cheiros serranos vêm do Caparaó. Passada a fronteira, Minas fica para trás com seus cafezais e milharais. Vem Jequiá com bananais. Vem Ibatiba com pedras d’água. Bromélias silvestres cobrem altas pedras escarpadas. Aqui e acolá, um coqueiro desponta no meio dos plantios, laranjais.
Ao pegar atalho, o carro passa sob arcos em forma de torres medievais em Conceição do Castelo: único elemento decorativo-rodoviário do trajeto, além das grandes e roliças pedras num trecho de contorno, que pejorativamente apelidei de “Cacas de Dinossauro”.
A paisagem muda (ou foi troca de filme?) perto de Domingos Martins. Fazendas de colonos alemães – em boa parcela, descendentes pomeranos -, parecem quadros a óleo expostos a céu aberto, tão limpas e uniformes nos detalhes: das cercas pintadas aos bois e cabras no pasto, das poucas casas em estilo europeu às imensas orquídeas que cobrem troncos de palmeira, dos cavalos no haras à rodovia bem cuidada.
A sequência do percurso é um pouco infiel. Os olhos captam as coisas e interagem com outros sentidos, juntam-se a alguns devaneios para um traçado particular da região. De repente o carro desce numa planície, como se despencasse no vazio. A estrada agora é uma longa reta ladeada por reflexos prateados que ondulam em sincronia... Ora, ainda não é o mar! São canaviais a perder de vista. Depois, muitas minas de extração de granito.
Enfim, um toque de maresia no ar. Em certa praia, de areias grossas e escuras, me espavento!
Encho as retinas com o primeiro barco pesqueiro, tão pequenino e colorido, tão longe de mim, igualmente longe da ilha na linha do horizonte. Das boas companhias de viagem, algumas foram para Iriri. Eu fiquei por ali. Dos frescos siris, não provei a carne; em época de desova é proibido pescá-los. Do melhor jeito, me contentei com cação e camarões no espeto, com o sobe-e-desce das marés, com as circunvoluções das conchas num interminável chuá-chuá, até o sol nascente se esparramar em brilhantes no espelho do mar.
Tinê Soares [18/11/2008]
(A foto que ilustra esta crônica também é da autoria de Tinê Soares e tem o título de Alvorada)

5 comentários:

Anônimo disse...

"...plantações se desdobram pela janela do carro como um rolo de filme". Bem, acabei de assistir mais um filme seu!

ze disse...

é . maior filme. bem poético.

Elaine de Amorim disse...

Pois é.....por ser do Piauí e todo mundo sabe que nosso litoral é minúsculo, lembro d aprimiera vez que vi o mar. Íamos em caravana e eu era a mais nova: tios, primos, etc. Muitas dunas, muito areial...anos 70, quem sabe 1974 ou 1975..Uma semana na praia comendo peixe cozido, dormindo em redes armadas nas travessas da casinha....dunas, muitas dunas.....dormia embriagada com o barulho do mar.

Anônimo disse...

Para mim, o que aconteceu é que ao humor foi substituído pelo lirismo nesta sua crônica. E quer saber? Adorei. Esta tinha mesmo que ser "parte 1" e "parte 2"... dois capítulos à parte. E que foto! Brilhante os dois (texto e imagem). Beijaço.

Lygia Nery disse...

Segui sua rota: aportei na praia com minhas memórias na bagagem e suas imagens na imaginação. Obrigada pela carona!