15.12.08

Minha Vizinha Chavista não capitula diante de Capitu


Minha vizinha chavista me acordou logo cedo.Estava eu embaixo de meu cobertor, curtindo o frio do quase verão carioca sob chuva e Madonna. Minha mulher que me avisou - interrompendo suas orações matinais para o bem do universo : - "Ela" está sala e diz que precisa falar urgentemente com você.
Espreguicei, e tentei me conectar com mundo : uma pintura inacabada me mirava no meu quarto ateliê e caverna.

Fui para a sala, já com meu moleton de corrida e tênis. Fui recebido com um olhar feroz pela triatleta da crítica televisiva - convidei-a para dar uma corrida até a padaria para pegar um pão quentinho. Ela concordou e começou a falar num jato contínuo:
- "Você viu Capitu?"

Nem consegui responder e ela emendou de primeira:
- "Que coisa mais pretensiosa!!!! Vanguardismo de quinta da boa vista!!!
Assassinaram Machado! O bruxo do Cosme Velho virou paçoca reciclada a la Malamed! O tal de Luiz Fernando Carvalho não acerta na mão mesmo! Quer dar uma de moderninho. Depois de enterrar o Suassuna vivo sob a Pedra do Reino Desencantado, agora pega Dom Casmurro e transforma nesse pastel que matou o guarda. Cheio de noves fora, efeitinhos visuais, I pod com valsa vienense , linguagem de videoclip, e aquela musiquinha "Elephant Gun", ( do grupo Beirut)... e mais, comete a "liberdade" de interpretar o final da história que é todo dúvidas e sutilezas, dando uma leitura direta, tosca, literal, grosseira da "possível infidelidade de Capitu", que não é o mais importante saber, e sim o revelar o imenso delírio interior , o brutal ciúme, a genial paranóia que é todo o texto de Bentinho, na verdade a única voz que comanda esse espetáculo. A pobre Capitulina nunca é ouvida. Maria da Penha nela!!!
E os olhares, das atrizes- Capitus - a insistência naqueles olhos semicerrados. Só por causa do olhar de ressaca textual?. A trilha sonora é realmente a melhor coisa, de acordo mesmo com essa desadaptação: um elefante numa loja de fina louça! Um tiro de "Elephant Gun" no meio da testa do incauto que ligou a TV naquele instante! Nessa minissérie , tudo é caricatura- Quer fazer teatro? Vai aprender com o Antunes que montou Pedra do Reino com o mínimo e é uma beleza!"

Foi aí que caí na asneira de atacar o bunker crítico dela - eu disse:
- Nunca imaginei que pegaria a senhora numa posição reacionária? A Senhora é contra a ousadia?
Ela mandou nos peitos:- "Peraí, meu filho, agora você fala em me pegar, insinua posição? Tasca um reacionarismo na minha indignação? Na sua linguagem mal articulada, quer misturar insinuações kamasutricas com minha visão ideológica. Tá de sacanagem!"

- Calma!!! Eu me expressei de maneira incorreta - quis dizer que a senhora se mostrou racionária ao atacar uma estética que contraria o discurso linear - que tenta adaptar de forma moderna um clássico. Foi só isso que....
Nem deu tempo de concluir meu raciocínio sem café da manhã - ela interrompeu:

-" Meu filho! Você chama aquilo de adaptação? Aquela coisa chata, cheia de maneirismos deja vu da retroguarda travestida de pastelaria feliniana. Escobar se afogando em cetins!!!! Tenha dó! Não foi adaptação coisa nenhuma, foi colagem, justaposição de coisas, e eu chamo isso de violação!!! Picharam o busto do escritor. Ainda bem que Machado não deixou herdeiros, ou o legado de sua miséria, como ele botou num romance.(brincando com o texto intercalando sacadas biográficas). Os bacuris, os Machadinhos, teriam direito a uma indenização por danos ao patrimônio público. Porque Machado é um bem tombado, entendeu?
E me responda uma coisa: Quem assistiu a tal da "Capitu"? O pobre iletrado que pega no batente logo cedo, não foi! O cara que nunca leu Machado, não foi! Foi só uma meia dúzia de intelectuais da elite que já estão carecas de fazer a exegese de Dom Casmurro. Que estão de saco cheio dessa meleca da infidelidade da moça. Que estão lendo Pennac e achando o maior barato! Um Ateneu do Bois de Boulogne...
Bote lá no seu grogue (ela nunca consegue falar a palavra blogue): Que gastaram uma baba para atingir traço no Ibope - pegar uma meia dúzia de insones da elite, no meio tempo em que se preparavam para adentrar a badalada "night". O pessoal "espaço-café" passou batido. Esse pessoal cospe na TV...

Tentei reagir: Peraí, Dona...(eu nunca consigo lembrar o nome dela-empatamos!), a senhora desta maneira inibe qualquer tentativa de renovação da teledramaturgia! Veja bem, essa montagem segue uma linha do "Azyllo Muito Louco" que foi uma adaptação foi bem sucedida feita por Nelson Pereira dos Santos para o conto O Alienista.

Ela me cortou com navalha afiada:
-"E quem viu esse filme? Quem lembra dele? O Nelson ( ela sempre fala de celebridades com a maior intimidade citando só o primeiro nome- só fala o nome inteiro quando quer ofender)
O Nelson está lá tomando chá na Academia. O Saraceni também fez em 1968 um filme baseado no Dom Casmurro com o mesmo título de Capitu. O grande Roberto Santos tentou adaptar Machado e não deu certo ( foi Quincas Borba em 1987). "A Hora e a Vez de Augusto Matraga" foi um tremendo filme, baseado num conto de Guimarães Rosa, mas Machado é mais difícil de adaptar. Ele é todo interior, cuca, pura cuca, é romance psicológico, meu filho! Bota isso na cabeça, meu filho! Precisa estudar muito, precisa sacar muito, para interpretar Machado... Muita gente quebrou a cara tentanto adaptar Machado, se quiser cito uma fila"

Falando nisso, foi aí que o rapaz que atende o balcão da padaria meteu o bedelho: - Olhaí pessoal, não sei nada desse papo de Machado, mas a fila anda, vão querer quantos pãezinhos?
Olhamos para trás e uma fila imensa se formava enquanto discutíamos a minissérie da Globo...
Ela disse :- Quero quatro "moreninhos!..."
Eu pensei: - Ao vencedor os pãezinhos!
(E toca o bonde que esse assunto ainda não terminou)

5 comentários:

TS disse...

resta saber se o pãozinho é francês ou sovado.
boa tarde!

LIBERATI disse...

Querida Tinê, essa vizinha me dá muito trabalho, cada dia mais radical.
Que hacer? Tomar um café com leite acompanhado de um pãozinho francês com manteiga "Aviação".
Na rua dos Barbonos acho que só tem pão sovado.
Parabéns sua crônica em homenagem ao seu pai ficou muito bonita.
bjs

TS disse...

Pode dar trabalho mas sua vizinha é divertida.

Mineiro adora pão sovado c/ manteiga batida em casa: isto sim, é trabalheira. SIN AVIACIÓN.

Gracia pelo elogio, mas teve gente q não agradou da minha homenagem... QUE HACER? Jo no puedo hacer más que además.
Bjj.

LIBERATI disse...

Minha vizinha está ficando perigosa, se continuar criticando tudo o que vê eu vou acabar me encrencando com meus amigos.
bjs

Anônimo disse...

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