14.2.09

Conto da Tinê: Valeriana


Assim que nasceu, riu. À equipe médica a expressão foi de quem pretendia levar a vida numa boa. Festeira, borbulhava como champanhe. Socializava pelo verbo. Formava patota de praia, de cinema, de bar. Aprendeu a tocar violão para confraternizar. Encadeava papo e piada sem intervalos, deixava a plateia respirar por ela. Escrevia sem vírgulas a desconhecidos numa corrente mundial de cartões-postais. Um aperto de mão, uma tapinha nas costas, um olá-te-ligo-depois eram o passe para entrar no rol de amizades renovável a cada ano. Qualquer um podia ser mencionado por ela como sendo um velho amigo seu ou uma velha amiga sua, mesmo que não mais soubesse da pessoa e esta nunca se recordasse dela.
Havia sempre uma Valéria entre as amigas-do-peito. Na escola era uma portuguesa de cabelo escorrido e rubis nas orelhas com quem juntava bonecas para o chá de mentirinha. Depois foi uma morena de tranças com quem ia à praia em pinicantes biquínis de lurex para discutirem se deviam beijar o namorado logo no primeiro encontro. No colégio tinha uma granfina que não perdia a temporada de ópera e sempre a convidava para assistir La Traviatta, Carmen, Ninon e outras desgraçadas que morriam no último ato, insistia em lhe emprestar acessórios para depois irem desfilar em grande estilo por restaurantes da voga em modelitos da ‘Sine Qua Non’. Na faculdade, muitas foram as Valérias que lhe passaram anônimas porque ela conheceu um rapaz que detestava praia, acampamento, teatro, comer fora, estar na moda, e ainda desafinava ao assobiar. Ela casou com o único Valério que conheceu na vida, calou-se para sempre e nem o próprio nome levou.
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Tinê Soares (25/01/2009)

4 comentários:

Anônimo disse...

Excelente o conto, que aliás, me soou como um roteiro. À medida que lia, imaginava cenas e o final, engraçado e "trágico" (para mim, sim! rs) ao mesmo tempo que esperado, surpreendeu da mesma forma. Mas isso é o talento do escritor de envolver seus leitores... (válido para o cinema!). Por isso, nem todos conseguem. Tem que ser bom, e v. é, menina. Beijos grandes.

Elaine de Amorim disse...

Tinê, gostei muito da crônica. Impressão minha ou é autobiográfica?

Anônimo disse...

Como sempre lírica, subtil, cores em forma de prosa própria: autoral! Parabéns prima!

Marcus

Anônimo disse...

antes de comentar, desta vez fiz questão de ler as outras notas postadas... motivo? Eu tambem me surpreendi com o rumo da nossa heroína. Depois disso, parei e fui beber algo... creio que só para pensar um pouco, não na personagem, mas nos desfechos que eu aguardava (quem sabe previsíveis). Curioso esperarmos das outras pessoas, histórias - e mesmo estórias - que nem sempre temos coragem de construir.