2.2.09

Homenagem do Gerdal - Míriam Batucada: 15 anos sem as mãos cheias de ritmo de uma mulher-show


Digitadora demitida da Arno por batucar num teclado da empresa, a paulistana Miriam Angela Lavecchia percebeu aí que poderia levar adiante, como artista, a sua vocação para o ritmo e o entretenimento. Em 1967, como atração de longa duração do bem sintonizado programa de tevê de Blota Jr., em São Paulo, além de tocar piano, violão, harmônica, cuíca e bateria, ela encantou a plateia com a percussão manual que a tornaria famosa e daria vivacidade à sua interpretação diferente, "sui generis", do samba, numa levada "à italiana", com o forte sotaque próprio de quem abrira os olhos para o mundo numa pequena comunidade de "oriundi" na Mooca. Logo após a sensação causada nessa noite da Record, com destaque na imprensa, a sua carreira deslanchou, tornando-se a "Miriam da Batucada", segundo a observação da também apresentadora e futura política Cidinha Campos, e daí a "show-woman" Míriam Batucada.
"Vim ao Rio para ser uma artista do Brasil, mas me convenci de que sou uma artista de São Paulo", diria ela, em 1978, voltando a residir na capital paulista, após dez anos de endereço fixo na antiga capital federal. Mesmo participando quatro anos antes, ao lado de Grande Otelo, de um show de sucesso, "Samba, Coisa e Tal", com produção de Haroldo Costa, não conseguiria no Rio o reconhecimento esperado, o que, de certo modo, refletiu-se na sua discografia acanhada e aquém do seu talento: apenas alguns compactos (entre os quais destaca-se, em 1968, a gravação da "sob medida" "Batucada com as Mãos", composta pelo também iniciante Renato Teixeira, nascido em Santos, criado em Taubaté e, mais tarde, conhecido nacionalmente, pela voz de Elis Regina, com o sucesso de "Romaria") e dois elepês. Destes, o primeiro, de 1974, é o melhor, com sambas da qualidade de "Amanhã Ninguém Sabe", de Chico Buarque (a faixa-título), "Apanhei um Resfriado", de Sá Roris e Leonel Azevedo", "Meu Romance", de J. Cascata, e "Tudo em P", de Jorge Nóbrega e Ângelo Delatre, a que não faltaram, aqui e ali, um gostoso telecoteco e, é claro, mãos cheias de ritmo. "Em Alma da Festa", o segundo, de 1991, além de hilários vibratos parodiando sertanejos de butique em "A Desquitada", de sua autoria, Miriam, graciosa, em seu estilo jocoso, manda muito bem em faixas de dois grandes compositores conterrâneos seus: Celso Viáfora, em "Samba Nipônico", e César Brunetti, na emblemática "Carro de Polícia".
Mulher inteligente, alegre e simpática nas suas apresentações, nas quais gostava de injetar breques criticamente bem-humorados e até sarcásticos em alguns sambas que cantava, também batucando em caixa de fósforos, Miriam ficou 21 dias morta, vítima de infarto, em seu apartamento, no bairro de Pinheiros, até ser vista pela irmã, que chegava de viagem para visitá-la. Triste fim de uma artista desiludida com os rumos da MPB, vivendo então muito só, um fim até mesmo irônico para quem compusera, ainda para o elepê de 1974, um samba de autoajuda, "Você É o Seu Melhor Amigo". Era 2 de julho de 1994, e sua voz grave, quase rouca, e suas mãos inconfundíveis e intransferíveis silenciavam de vez. A ela, grande artista brasileira, um tanto incompreendida pela crítica, dedico estas linhas de singelo apreço e sentida lembrança.
Um bom dia a todos. Muito grato pela atenção.

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