16.3.09

Dica do Gerdal: O Brasil imenso de Hekel Tavares por Ana Salvagni em belíssimo CD


"Hekel Tavares foi um compositor que passou muitos anos na fronteira entre o erudito e o popular. Ficou famoso muito cedo, através de suas canções populares com espírito folclórico. Depois, tentou penetrar no terreno da música clássica e encontrou resistência de seus colegas e, sobretudo, da crítica especializada. Retraiu-se e viveu à parte do movimento musical brasileiro, mas sempre em atividade criadora...Realizou esse ideal extraordinário do artista que é viver exclusivamente do produto da sua arte...Sua obra é volumosa e merece apreciação bem mais cuidadosa do que lhe foi concedida. " Assim se pronunciou o diplomata musicólogo Vasco Mariz, no seu livro "História da Música no Brasil" (Ed. Civilização Brasileira), acerca desse alagoano de Satuba, nascido em 1896, criado em Maceió e falecido em 1969. Quarenta anos, portanto, sem o piano de Hekel Tavares, compositor, regente e arranjador que soube trasladar para a pauta todo um sorvedouro íntimo da observação frequente do reisado, do coco, do maracatu e da congada, por exemplo, a que já se habituara ainda na infância. Chegando ao Rio com 19 anos, enturmou-se mais tarde com a intelectualidade da então Capital Federal, influenciada, como ele, a partir de 1922, pela Semana de Arte Moderna, e encontrou em nomes como Joracy Camargo, Olegário Mariano, Luiz Peixoto, Raul Pederneiras e Gastão Penalva letristas que souberam traduzir em versos, com simplicidade e eloquência, a ingenuidade e o sentimento do homem do campo, entre querelas amorosas e pessoais, e o apego dele ao chão de origem, acentuado em "Guacyra" pela contradição, quando este lhe falta.
Começando a carreira em 1926 em revistas da Praça Tiradentes, às quais deu vestimenta musical, lançou, no ano seguinte, em parceria com Luiz Peixoto, a canção "Suçuarana". Mais um ano, e surge o seu maior sucesso popular, "Casa de Caboclo", também com o niteroiense Luiz Peixoto (nascido em 1889), talhado para o vozeirão do cantor-pintor Gastão Formenti, a que se seguiriam, especialmente, outros dois sucessos: "Favela" ("No carnaval, me lembro tanto da favela, ô, onde ela, ô, morava"), com co-autoria do dramaturgo Joracy Camargo, e "Você", feito na companhia de Nair Mesquita. Pelo viés clássico da sua obra, o ponto alto do "Schubert brasileiro", como o cognominou o maestro Eleazar de Carvalho, é "Concerto para Piano e Orquestra em Formas Brasileiras", de 1941, apresentado em grande estilo, na década seguinte, nos EUA, sob a regência de Karl Kruger e com Guiomar Novaes como solista. Musicando as operetas "O Sapo Dourado" e "O Gaúcho", escritas pela esposa, Martha Dutra Tavares, Hekel tornou-se pioneiro, no Brasil, na fonografia voltada para a criançada, público-alvo dessas obras.
Em boa hora, sob os auspícios do Programa Cultural Petrobrás, um belíssimo CD em memória de Hekel Tavares é lançado, "Alma Cabocla", com direção musical do excelente violonista e flautista Édson José Alves, presença constante no "Sr. Brasil", da paulistana TV Cultura, e a voz mais do que ajustada ao feito, melíflua e sensível, deste cristal em forma de intérprete que é Ana Salvagni, uma paulista de Taquaritinga, moradora de Campinas - formada em regência pela Unicamp - e agora no terceiro CD de uma cintilante e coerente carreira, ainda que discreta. Ela é casada com um dos papas da viola bem temperada no país, Paulo Freire, professor da Unicamp, que, além de tocar, assina arranjo no disco, juntamente com Edmílson Capelupi, Toninho Ferragutti, Nailor Proveta, Filó Machado e o pianista Paulo Braga, xará de famoso baterista do samba-jazz, além de Édson Alves. Só cobras, no melhor sentido do substantivo, é claro. Recomendação com "bravo!"
Um bom dia a todos. Muito grato pela atenção.

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