2.4.09

Era uma vez um Brasil - Algumas palavras do autor


Tá na cara!
Não é preciso dizer que este livrinho é uma brincadeira, mas me agrada pensar que ele começou a se desenhar seriamente no final do século XIX, quando um bando de italianos e alemães embarcou para um país tropical chamado Brasil. Sem essa aventura, eu não existiria, seria mais uma alminha esperando vaga para encarnar.

Os Allegretti, os Prevatto, os Müller, os D'Amici e os Liberati entraram nessa viagem maluca, procurando "fazer a América". Esperavam encontrar um paraíso, terra para trabalhar, um lugar para construir suas casas, criar família e tocar negócios. Encontraram uma terra boa. Apesar de ter muita formiga, tudo que nela se plantava, dava. O problema é que a terrinha tinha dono e tudo que eles ganhavam no dia-a-dia gastavam na venda, que por sua vez era do dono da fazenda.
A perversidade empestiava o ar. Só para se ter uma idéia, na mesma época em que esses imigrantes cruzavam o Atlântico, J.A.Leite Moraes escrevia desiludido, lá no meio da selva amazônica: "A política no nosso país é pequena e miserável."

A economia ainda se apoiava no ombro do escravo , e tudo se deteriorava ao redor, principalmente e caboclos - caipiras esfarrapados vivendo na dependência dos grandes senhores. Os colonos (estrangeiros) eram uns estranhos no ninho. Assistiam perplexos à crueldade dos "patrões." E olhe que a classe dominante da Europa daquela época, não era flor que se cheirasse.
Minha nonna Thereza me contava histórias de escravos fujões, de instrumentos de tortura, de longas jornadas de trabalho no campo no seu tempo de colona. Depois de sofrer o pão que o diabo amassou, eles conseguiram se desvencilhar das teias de aranha do coronelato e vieram para a cidade de São Paulo engrossar o proletariado. . Foram para os bairros italianos, para aquela vida simples, regada a vinho barato, cheirando gorgonzola. Os alemães continuaram pelo interior e lá ficaram tocando tecelagens e fábricas de azulejo.

Batata ao fuorn! Batata ao fuorn!, gritava o ambulante com sua carrocinha de vender batata doce assada lá pelos lados do Jardim da Luz. O velho nonno Liberati tinha uma barbearia colada à estação ferroviária nos anos 30 e meados dos 40. Uma noite, um vulto carregando um ancinho o levou para o condomínio dos pés juntos. Deixou meu pai numa enrrascada: precisava tomar conta do estabelecimento e tinha sido convocado pelo Exército para defender a pátria. Adeus barbearia! Minha mãe trabalhava numa fábrica de tecidos na Barra Funda perto de onde meu velho morava. Um dia eles se encontraram, e aí , praticamente começa esta historinha do Brasil.
Fui saber de política quando tinha oito anos. Me lembro de uma freira me perguntando o que eu achava do presidente daquela época, respondi na lata: "Acho que ele é um ladrão". Não sei como aquilo veio à minha cabeça, decerto maluquice de menino, talvez um pouco da herança anarquista daquela italianada que dizia que Jesus tinha piolho (pidocchio) nas barbas. Uma série de blasfêmias engraçadíssimas fazia parte da história da minha família. Era um povo católico mas desconfiado, que não acreditava muito nos santos e tampouco nos políticos.
No salão de barbeiros onde meu pai encontrou emprego conheci a revista O Cruzeiro. Ficava lá horas, viajando nos desenhos do Millôr, do Appe, do Borjalo, do Péricles e do Carlos Estevão, escutava as conversas sobre política - e como se fala em salão de barbeiro!

Juro que não entendi como este país tão rico e tão grande era tão pobre. Fui crescendo com estas dúvidas e com um interesse muito grande em desvendar o mistério da nossa miséria. No colégio, a história oficial, datas e nomes. Livros chatos, aula de moral e cívica. No cursinho vestibularé que fui descobrir que existia uma coisa chamada "interpretacão histórica". Mas isso foi depois de perder quatro anos numa escola de química. Quando finalmente entrei para a Escola de Sociologia e Política é que encarei as teorias sobre nossas desgraças. Uma visão ampla dos problemas do subdesenvolvimento poderia ter me levado à Presidência da República, mas para o bem do país, acabei virando desenhista mesmo. Depois de trabalhar alguns anos nas favelas e em bairros operários da periferia de São Paulo, larguei aquele nhenhenhém de Max Weber e fui encarar a vida de jornal alternativo. Acabei na grande imprensa, virei ilustrador, que é uma espécie de carregador de piano das artes gráficas.

Desde que me encontrei com o desenho, alimento a idéia de fazer uma historinha humorística do mundo. Com o tempo fui ficando mais modesto: uma historinha espremida do Brasil já me bastava. Alguns dirão que não precisava ser tão reduzida. Foi o que consegui fazer. Demorei muito para desenhar esta versão, fiz nas horas vagas, entre um leão e outro que tinha de matar para sobreviver. De qualquer forma dei o pontapé inicial.

Um alerta. Este é um pequeno livro cheio de pretensão. Com seus cartuns nem sempre politicamente corretos, quer estimular o estudo da história pelos jovens.

(Tentei nessa nova versão fazer algumas correções - pequenas alteracões no texto- mas a essência da coisa tá aí - espero que vocês se divirtam)

4 comentários:

ze disse...

Liber, este negócio de subir as favelas e visitar as comunidades não teve um dedo das comunidades eclesiais de base?

LIBERATI disse...

Nenhum dedo da Igreja, era um emprego numa fundação, trabalhava e recebia salário.
grande abraço

ze disse...

O Br. sentiu a expulsão dos jesuítas no séc. XVIII com a proibição da língua do povo e com o imperador em pompas e maçon atracando nos portos já no XIX. Tanto os italianos quanto os alemães renovaram profundamente a fé do povo católico brasileiro, quando aqui chegaram. felicidades.

LIBERATI disse...

Mais os italianos, os alemães vinham de uma outra cultura, infelizmente não tão calvinista.
abraços