27.5.09

Dica do Gerdal:Show "Aracy de Samba e de Almeida" Hoje


"...mas hoje é um caco velho/que não vale nada/tem a cabeça branca/a pele encarquilhada/dá até pena ver o seu estado/a vida é essa/é um segundo que se esvai depressa/todos nós temos o nosso momento/e, depois dele, só o esquecimento" Infelizmente, os versos finais desse magnífico samba de Ari Barroso refletem, na mídia de massa, o desmazelo a que figuras de alto relevo da nossa cultura popular são relegadas. Levada em 1933 pelo pianista e compositor Custódio Mesquita para a Rádio Educadora, Aracy de Almeida (1914-1988), carioca do Encantado e intérprete de "Caco Velho" (samba que motivaria, ainda na infância, o cognome artístico do gaúcho Matheus Nunes, o Caco Velho, um estilista no ramo), conheceu nessa emissora um outro compositor que se tornaria pedra de toque na sua carreira, do qual, ao lado de Marília Batista, seria decantada como uma das principais vozes para as suas músicas. Recebendo de César Ladeira o epíteto de O Samba em Pessoa, teria, de fato, no bardo boêmio de Vila Isabel um manancial de sucessos, gravados, sobretudo, dos meados dos anos 30 aos começos dos anos 40, como "Palpite Infeliz", "O X do Problema" e "Último Desejo". Entre 1948 e 1952, homenageou-o nas noites elegantes da boate Vogue, em Copacabana, levando, em 1955, pela Continental, parte do precioso repertório de Noel a um dez-polegadas, acompanhada por orquestra comandada por Vadico. Também Haroldo Lobo, com as marchas "Tem Galinha no Bonde" (bem regravada há pouco pela Orquestra Popular Céu na Terra), "O Passarinho do Relógio" e "O Passo do Canguru" - na parceria com Milton de Oliveira; o mangueirense Babaú, com o samba "Tenha Pena de Mim" - na parceria com Ciro de Souza; e Luís Soberano, com o samba "Não Me Diga Adeus" - na parceria com Paquito e João Correia -, obtiveram o tão almejado sucesso pelo timbre algo choroso e anasalado de Aracy, revivida postumamente, em 2004, por Olívia Byington no bem recebido CD "A Dama do Encantado".
Nos anos 60, embora aparecesse com destaque na noite carioca com shows como o realizado, em 1964, na boate Zum-Zum, com Sérgio Porto e Billy Blanco, e, no ano seguinte, com Ismael Silva, em "O Samba Pede Passagem", no Teatro Opinião, Aracy já fazia parte do rol de artistas egressos do rádio àquela altura um tanto encobertos pela onda bossa-novista que se erguera no mar de vicissitudes rítmico-harmônico-estilísticas da MPB. Dela muitos guardam, equivocadamente, apenas a imagem da tevê como jurada ranzinza e de notas baixas dadas a calouros de programas de grande audiência, o que não só se contrapunha à sua condição de uma das maiores cantoras de samba de todos os tempos, como também à de, embora mulher de pouca escolaridade, apreciadora de livros de psicanálise e cultora de artes plásticas - com quadros dos amigos Aldemir Martins e Di Cavalcanti nas paredes da casa do Encantado. Destinando a Adoniran Barbosa versos que Vinicius lhe dedicara em carta procedente de Paris, onde atuava como diplomata, tornou possível o surgimento do clássico "Bom Dia, Tristeza", de 1957, também gravado com sensibilidade por Maysa, um samba-canção de dois autores que, pelo menos, até então não se conheciam pessoalmente.
Mesmo com todo o distanciamento midiático do passado de glória musicalmente formador da nossa identidade cultural, a "voz do morto" - a voz do samba, como no de Caetano Veloso para Aracy, por ela gravado em 1968 -, de um modo ou de outro, furando bloqueios, encontra espaço para se fazer ouvir. Por isso, em boa hora, a cantora e atriz Carol Bezerra apresenta-se, mais uma vez, com o show "Aracy de Samba e de Almeida" ("flyer" acima), no Centro Cultural Carioca, hoje, 27 de maio, às 20h, acompanhada de Lucas Porto (sete-cordas), Marcílio Lopes (bandolim) e Oscar Bolão (percussão). "...Ninguém me salva/ninguém me engana/eu sou alegre, eu sou contente, eu sou cigana/eu sou terrível/eu sou o samba/a voz do morto/os pés do torto/a vez do louco/na glória..."
Um bom dia a todos. Muito grato pela atenção.

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