2.7.09

Crônica da Tinê - She’s out... out... out... out... PAF! ... Crash, crash, crash


Se você pensou na mosca inoportuna, errou. Se você pensou em disco arranhado, está longe. Se você pensou em cristais caídos de uma roupa para brilhar em 360º graus no palco “en retour”, chegou perto.
Dei um pulo à casa que julgava estar deserta, reler textos e chupar laranjas no silêncio das coisas sobre a bancada da pia. Esperava, no máximo, ouvir solfejos titubeantes da vizinha aspirante ao canto lírico. Ao espalhar papéis e cítricas, vi imagens embaçadas no vidro fosco da porta fechada que dá para os fundos: braços escuros em contraste com a espuma branca até os cotovelos e um traseiro volumoso arrematado por laço de avental moviam-se em sincronia – um, dois, três, esquerda, um, dois, três, direita. Reparei nos pés que dançavam sincopados, numa paradinha a bunda empinava para trás seguida de uma barrigada, uma quebrada de pescoço e, neste compasso, após giro rápido de um braço no ar, ouvia-se estrondoso “splash” de roupa torcida batida contra o esfregador. Bolhas de sabão flutuavam naquele salão de baile particular. À sua maneira, Socó lamentava a perda de seu ídolo. Ao pé direito do tanque e ao pé esquerdo do radinho de pilha, Socó esfregava colarinhos em “ei-bi-ci-uân-tu-tri”.
Antes que o tributo radiofônico ao rei do Pop americano atacasse com o “Beat it”, e a fã tupiniquim rodasse janela afora “en grand jeté” para se estatelar na área interna do prédio (o que me levaria a um “Thriller” pessoal, pois de nada adiantaria gritar por socorro em meu terror vespertino), pensei em diminuir o seu ardor coreográfico, mas... ela estava tão feliz naquela tristeza ao avesso!

A cena me fez lembrar do balé em que uma robusta cozinheira dançava em passos miúdos num palco ladrilhado, com uma mão pousada no quadril requebrante enquanto a outra segurava enorme frigideira que avançava a cada volteio, ombros ondulantes como se fosse a enfeitiçada Odile em “O Lago dos Cisnes” em tchiss-tchiss-tchiss de um instrumento percussivo a aludir ovos fritando.
O telefone toca, um amigo me cobra, “Todo mundo escreveu; você, nem uma linha. Vamos ver uns clipes?” Recusei. Cultura americana não é o meu forte, menos ainda o funk. “Ah, é?! Tira o refri, o jeans, o jazz, o churrasco texano, o Disney, o “West Side Story”, a interminável lista de filmes e livros, vou até esquecer que a vi assistir (extasiada) ao Rick Wakemann no Maraca metido a Beethoven - roqueiro... aliás, em que ano mesmo foi aquilo?” Cortei o papo e fui aos clipes, depois tasquei: passo por passo, a trinca Astaire-Kelly-Brown dava banho no sapateado-rodopio-paradinhas; Elvis Presley requebrava as cadeiras muito melhor; o passo-da-lua já rolava no ‘vaudeville’, e aquela pausa brusca com pés em ponta e corpo recurvado, bah, vem desde “O Pássaro de Fogo”, anos 20. Coreógrafos modernos originais foram Béjart e Bausch, mas aí já seria pedir demais, americano é americano. A diferença é que nenhum dos citados entrou em metamorfose vampiresca em ritmo de bate-estacas. Meu amigo resmungou que eu andei por outras ‘caves’, estou fora.

Achei divertido o Eddie Murphy, vestido de Ramsés II, interromper o ensaio de “Remember the Time” e dizer que não sabia ficar como estátua porque ele era do Brooklyn, e reiniciaram com a entrada de M.J. como múmia desenfaixada. Achei belo: o duo com a sensual Naomi Campbell em “In the Closet”; as crianças de várias etnias em “Heal the World” e o resgate poético-ambientalista das mãos enfiadas na terra por povos de todos os continentes em “Earth Song”, em que M.J. não aparece com seus tiques. “E o músico e cantor, não ganha voto?”, indigna-se o amigo. Claro! Terminada a fase de guri talentoso do hip-hop no quinteto fraterno, escolho as baladas sem o irritante “Uahuu!”, como em “She’s out of meu life”, uma voz quase de clarineta solitária em fundo de camerata de cordas. A originalidade dele ficou por conta dos clipes que o ajudaram a vender sua música, mas todos foram bolados por outros, ou seriam superbregas. As esquisitices pessoais não contam.
Levei para Socó um cartaz em que “Máicol” ainda tinha um rosto bonito, vestido de branco; ela o pregou na porta do armário e acendeu uma vela. Que a chama afaste os zumbis e ‘Neverland’ se transforme em ‘Graceland’. Amém.
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Tinê Soares – 28junho2009

8 comentários:

Zininha disse...

E falando nisso, quando será que o rei baixará à sepultura???

E enfim descansará...

Ts, deixo todo meu carinho
e admiração...

Beijos...

Ed disse...

Pois é... não era fã, mas não há como negar que ele se fez (ou fizeram dele, sabe-se lá) um ídolo. Alguém que modificou os clips (ainda que dirigidos por gente experiente e famosa), criou polêmicas, ajudou, provocou e fez muita gente questionar hábitos, preconceitos, estilos, mídia etc etc. Eu ainda vejo Michael cantando "Ben" ou no O Mágico Inesquecível" a releitura black de Sidney Lumet para Oz. Talvez eu o ainda veja assim, pois foi quando me marcou. Depois eu cresci. Ele, não sei... Hoje, pra falar a verdade, não sei se realmente cresci tb (rs). Bjão.

EH disse...

Pois é...
Tinha o pai de um amigo meu, mineiro de Varginha, que ao ouvir o Jackson 5 cantando "Got to be there..to beeee theeere..." dizia:
Mas que música idiota, sô. "Gasta o bidê - gasta logo!"
Cá entre nós, isso foi muito antes daquele show do Rick Wakeman.. eu ainda tenho as fotos!
Bjos na testa.
Edgar

Anônimo disse...

Não sei se é mera coincidencia, ou musical americano é tudo igual, mas o clipe BAD lembra uma das cenas de gangue do WEST SIDE STORY, de Leonard Bernstein.
Já o WIZ (Mágico de Oz "in black") foi um fiasco: Michael de espantalho e Lisa Minelli de Dorothy???.

M.R.L.

ze disse...

aquilo foi nos setenta. Henrique oitavo matou nos seiscentos as sete esposas, e a oitava tb. era uma guerra só esta nos seiscentos, entre protestantes e católicos : e ficou tudo em livro ! os mártires católicos e os mortos protestantes. é o Apocalipse, a fome (hum bilhão), a peste, a guerra : o Irã não vai destruir Israel nenhum ! senão todo o Ocidente destrói o Irã. o importante é Dalai Lama no Tibet : os chineses que me perdoem. Subindo a montanha : contra-corrente. Rumo ao Himalaia. Ho-je protestantes e catolicos são irmãos. eu acho.

Elaine de Amorim disse...

Pois é, a fabricação de um mito é algo que está acima da minha compreenção. Acho que passa pela identificação do fã pelo ídolo, seja em que estágio seja, consciente ou inconsciente. São nossas simbologias e juízo de valores. Particularmente, Michael Jackson para mim era alguem que não existia.

Elaine de Amorim disse...

Pois é, a fabricação de um mito é algo que está acima da minha compreenção. Acho que passa pela identificação do fã pelo ídolo, seja em que estágio seja, consciente ou inconsciente. São nossas simbologias e juízo de valores. Particularmente, Michael Jackson para mim era alguem que não existia.

josemauros disse...

Não tenho condições de analisar a carreira de MJ, meu universo musical sempre foi outro. Lamento as manchetes que questionaram a vida pessoal dele. Ficaram herança e prejudicados, e um monte de aproveitadores que terão que procurar outra pra explorar. Mas vamos a melhor parte, que foi mais uma vez estar aqui pra conferir seu talênto Tinê. abraço