21.9.09

A morte de uma velha senhora


(Hoje é dia da árvore. Aproveito para publicar uma croniqueta que está na gaveta faz algum tempo. É que ela sempre me parecia provocação comparada ao gritante noticiário político policial do Brasil.)
Assisti de camarote a tortura e o assassinato de uma árvore, uma senhora que estava perto dos seus 7o anos. Não fiz nada para impedir a sua destruição. Se fizesse, creio que seria preso ou internado num manicômio. Lembro-me do cineasta Roberto Santos que dirigiu o maravilhoso “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” baseado no conto de Guimarães Rosa. Ele, um dia, para evitar a remoção de uma árvore que ficava perto de sua casa, subiu nela e lá ficou em protesto.
Diz aquele ditado popular que todo homem para se sentir realizado deve ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore. Quanto ao assunto filhos, só posso dizer que estou contente com os meus, mas a questão é polêmica. Um personagem de Machado de Assis, parece que, expressando seu pensamento, disse que não deixaria o legado de sua miséria neste mundo. O poetinha Vinicius de Moraes dizia que seria melhor não tê-los, mas se questinonava como sabê-los sem tê-los? Conheço muitos livros péssimos,mas nenhuma árvore má. Apesar dos homens usarem os galhos de algumas para enforcar outros, acusados de serem bandoleiros, ladrões de gado, como nos filmes do velho Oeste. As árvores são sempre benéficas, mesmo quando com suas raízes ameaçam as tubulações de um edifício ou derrubar os muros que o homem constrói, como diz o biólogo Kinsey à sua esposa no filme que leva seu nome, as árvores são sempre felizes com suas raízes firmememente plantadas na terra.
Enquanto viajava nesses pensamentos, os homens do Departamento de Parques e Jardins faziam seu trabalho. Parece que a poderosa árvore a que me referi no começo dessa crônica estava ameaçando os alicerces da casa que um dia foi abandonada por um homem e agora tinha sido comprada por outro, que estava salvando seu capital investido naquela ruína.Não adiantaria argumentar que a casa é só daquele homem e a árvore é de todos, principalmente dos passarinhos que se lamantariam no dia seguinte com seus cantos tristes… Haverá quem diga que isso é coisa de poeta, de desocupado, mas pergunto: o que substituirá aquele espécime único? Ela que todos os dias era, enquanto viveu, a alegria das minhas manhãs com o seu verde esperança. Nos dias de sol de rachar catedrais, amenizava o calor com sua generosa presença e se tornava mais alegre com as centenas de pássaros que nela se abrigavam ou faziam pouso para novos voos, A música que deles vinha emocionaria o mais frio burocrata, garanto!
Acredito que algum dia, com o avanço tecnológico que temos, será possível "remover" árvores - sem abatê-las. Ela está causando problemas aqui, então transfere a árvore para um lugar onde ela continuará a ser útil.

Sei que deveria falar de política, de bandalheira, de desvio, de quebra de decoro. Preferi falar da tristeza imensa que habitou minha paisagem sem ela, a majestosa árvore para a qual, um dia escrevi este modesto adeus.

8 comentários:

Maysa disse...

Caro Lib,
Aquarela e texto igualmente belos!
Salve o DIA da ÁRVORE!
Assim saudávamos em nossa infância,todas as árvores. Na escola pública, aqui no bairro de Botafogo,plantavam-se mudas.
E agora, aterrizados no terceiro milênio, nós, viajados em muitos 21 de setembro, constatamos que árvores, calçadas, crianças,bebês em seus carrinhos e todos os velhinhos, não são necessários, sequer importantes!

Sua crônica devia ocupar espaço em cada escola pública! distribuída e lida com amor! O mesmo amor com que nossos pais e mestres nos ensinaram a cuidar e preservar a natureza, a vida.
Beijão
Maysa

LIBERATI disse...

Querida Maysa, hoje em dia em vez de dizer Salve o DIA DA ÁRVORE, infelizmente temos que gritar. SALVE A ÁRVORE!
SALVE O SER HUMANO TAMBÉM!
bjs

ze disse...

ela sentiu dor e gritou - o avanço tecnológico estaria em um autofalante que ampliasse a voz d'árvore santa. gritou mas os carrascos não ouvem. com o autofante de fala vegetal ela diria falando a fitoterapia toda, intelîgente ' árvore indicaria remédios. árvore vive, sabe e fala. tz entre elas como entre nós humanos haja uma separação entre corpo e alma, corpo e espírito. O espírito d'árvore não morre com a morte do corpo, vegetal. assim como com os humanos seres, a morte do corpo não mata o espírito. folhas, folhas e mais folhas.

ze disse...

nas Metamorfoses de Ovídio na parte referente a Orfeu aparecem as árvores andando; andam para escutar o músico Orpheu cantar e tocar a lira / alaúde. Elas querendo , andam. Elas andam se quiserem. eu acho. opinião.

LIBERATI disse...

Como não existe testemunhas , nem nada escrito, acho que um dia as árvores andaram como nós os animais.
Já viu a complexidade de um inseto?
Compreendeu a estrutura mínima de um vírus como o da gripe que tantas vidas ceifaram por aí e apavoram o mundo?
A ciência ainda corre atrás desse mistério que é a mutação. Não conseguiram decifrar essa passagem num orgnaismo tão simples e tão mortal. É um eterno retorno do mistério agora de forma suína.
abraços

LIBERATI disse...

Correção do comentário acima:
Onde se lê "Como não existe testemunhas", leia-se "Como não existem testemunhas"
(Deve ser isso. Não é não?)

ze disse...

Com certeza 'existem testemunhas'. tb errei feio, é alto falante, que fala alto. mistério. o materialismo faz com que não se veja a vida n'árvore. a pessoa vê o móvel n'árvore e não vê a vida dela. materialismo e positivismo, vendo a realidade estreitamente. cegos.

LIBERATI disse...

Estamos cada vez mais cegos, surdos e mudos. José Saramago só escreveu parte da história. O filme eu não vi e acho que não verei.
grande abraço