4.1.10

Homenagem do Gerdal:Toniquinho Batuqueiro- um sambador de valia no mundaréu paulistano das quebradas


Influenciado pelas zonas batuqueiras do interior de São Paulo, sobretudo do Oeste do estado, o samba paulistano revela-se, pois, como manifestação cultural de expressão peculiar, em que até mesmo a sonoridade da viola está presente. Samba de fundamento rural, com reflexo histórico no extinto Largo da Banana - onde hoje se localiza o Memorial da América Latina e para onde convergiam carregadores e ensacadores que abasteciam os armazéns de estação da São Paulo Railway com produtos agrícolas e improvisavam rodas de samba e tiririca (capoeira) - de que, por exemplo, o saudoso Geraldo Filme foi propagador, nascido em São João da Boa Vista, e de que é portador Antônio Messias dos Campos, o Toniquinho Batuqueiro, a caminho dos seus 81 anos e grande ritmista nascido na mesma Piracicaba de um jovem e extraordinário violonista da atualidade, Alessandro Penezzi. Menino ainda, órfão de pai e mãe, deslocou-se para o Parque Peruche, na capital paulista, levando na lembrança a prática em família do cururu - uma forma de desafio em versos acompanhado por viola caipira -, além do tambu ou batuque de umbigada, tocado e dançado pelos avós nas "festas de negros", atrás da igreja, onde sempre havia samba. Passando a conhecer a chamada terra da garoa como a palma da mão ou a sola do pé, tantas foram as andanças por seu traçado urbano, Toniquinho foi engraxate na Praça da Sé, onde, no final do expediente, juntamente com outros colegas de labuta, além de participar de rodas de samba batendo na própria caixa, conheceu Germano Mathias, a quem ensinou a fazer tiririca e dar pernada e estimulou, "por cantar direitinho", a ingressar na carreira artística. Sensível à sugestão do amigo, Germano não só ganhou um concurso de calouros da ocasião, À Procura de um Astro, promovido em meados dos anos 50 pela Rádio Tupi de lá e motivado pela descoberta de um artista que pudesse substituir uma atração da emissora, o sui-generis sambista gaúcho Caco Velho, como também foi prontamente contratado. 
      Amigo de um controvertido dramaturgo, Plínio Marcos, autor das peças "Navalha na Carne", "Dois Perdidos numa Noite Suja" e "Barrela", Toniquinho, juntamente com Geraldo Filme e Zeca da Casa Verde, inscreveu o seu nome em espetáculo memorável, "Nas Quebradas do Mundaréu", também apresentado com o subtítulo "Deixa pra Mim Que Eu Engrosso", a respeito da evolução do samba de Sampa pela atuação, por exemplo, dos seus engraxates, que também se serviam da tampa da lata de graxa para o ritmo, e poetas de rua. Esse show teve desdobramento em seguida com o elepê "Plínio Marcos em Prosa e Samba - Nas Quebradas do Mundaréu", hoje considerado uma mosca-branca entre os colecionadores de vinil. Toniquinho, que, no Rio de Janeiro, trabalhou na Lapa por curto período como entregador de pão, ainda em São Paulo ajudou a fundar a sua escola de coração, a Unidos do Peruche, além de ter colaborado com o desenvolvimento de outras, como a Unidos de Vila Maria e Império do Cambuci, sendo dele o primeiro samba de enredo da história da Rosas de Ouro, em 1971. Infelizmente cego há quatro anos por causa de um glaucoma, é, apesar disso, um sambista atuante, componente do grupo paulista de veteranos Embaixada do Samba, um compositor que, vez por outra, faz seus shows, "para engrossar a sopa", e, com a sua autoridade no assunto, teve homenagem recente e tardia em ótimo CD (capa acima) da série Memória do Samba Paulista, dirigida por T. Kaçula e Renato Dias, a qual se insere em projeto mais amplo das entidades Kolombolo e Sambatá, de valorização da cultura popular na capital paulista. "No dizer de minha avó/sambador não tem valia/samba nunca deu camisa/minha avó sempre dizia/sambador não vale nada/dorme na calçada/não cuida da família..." Para quem ainda não o conhece, vale a pena conhecer esse manancial encarnado da vivência popular em São Paulo: Toniquinho Batuqueiro, um sambador de valia.
      Um bom dia a todos. Muito grato pela atenção.
 

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