11.1.10

Yolhesman Crisbeles saúda, com saudade, um grande promotor da alegria no Rio - dez anos de folia sem Albino Pinheiro





Na letra do baião "Baiano Burro Nasce Morto", o compositor Gordurinha, soteropolitano, ressaltava, "meio-dia, duas horas, quatro e meia...", ou seja, "toda hora", a sua naturalidade na própria voz ou até mesmo na voz de um alagoano arretado, Luiz Wanderley (que gravou um elepê com esse título, em 1960). Assim foi, como carioca, com Albino Pinheiro, nascido na Saúde, qualquer que fosse o encontro entre os ponteiros de um relógio. Exercitou esse sobrinho de Custódio Mesquita uma carioquice culturalmente seminal, exuberante, identificada com a vocação boêmia e gregária do Rio de Janeiro - presença em tantos bares da noite e festas - e com as linhas topograficamente gráceis de uma cidade moldada entre o mar e a montanha, lembrando os sinuosos predicados do corpo de uma bela mulata, que ele tanto apreciava e tão bem captados pelo traço do igualmente portelense Lanfranco Vaselli, o Lan. Em 1959, a convite do artista plástico Ferdy Carneiro, Albino, Paulo Cézar Saraceni e mais alguns amigos viram, na Ubá de Ari Barroso, durante o carnaval, a passagem da Banda Philarmônica Embocadura, fundada pela família de Ferdy, que os deixou encantados e inspirados para, em 1965, com o país sob o jugo militar, levar a ruas de Ipanema o primeiro desfile da famosa banda do bairro, cuja massa humana é sempre antecedida pela exposição de uma faixa em que se lê Yolhesman Crisbeles. Uma divisa da irreverência carioca, que, mesmo desprovida de relevo semântico, tirava um sarro com o poder fardado de então, que até presumiu nesse "nonsense" de saudação do bloco alguma mensagem cifrada, antigolpe.
         Tricolor criado entre tricolores na família - o pai, de mesmo prenome, foi jogador do Fluminense -, Albino Pinheiro, jornalista e pesquisador musical, sobretudo de sambas e marchas carnavalescas, foi, segundo o escritor, crítico teatral e também finado jornalista Fausto Wolff, "o maior prefeito que o Rio já teve sem nunca ter sido prefeito". De fato, só pra lembrar, entre os feitos notáveis da história da cidade, Albino Pinheiro se insere como um capítulo à parte, fecundo, por estar, como produtor e animador cultural, à frente de iniciativas de suma importância, como a condução por anos a fio de um projeto musical vitorioso - o Seis e Meia, em teatro da Praça Tiradentes, com ingresso a preço popular, entrosando no palco bons artistas da antiga e do momento - e a valorização da tradição no carnaval, promovendo banhos de mar à fantasia. Ainda nos dias de Momo, era no rádio e na tevê um destacado comentarista de desfiles das escolas de samba, assunto do qual tinha largo conhecimento e vivência, regados a um sem-número de "cervas" bem geladas.    
        Albino Pinheiro formou-se em Direito, em 1957, pela Universidade do Rio de Janeiro - "um péssimo advogado", segundo o retrocitado amigo dele, Paulo Cézar Saraceni (ainda dos tempos colegiais), outro dos fundadores da Banda de Ipanema e realizador cinema-novista que, meses após a morte desse "general da alegria", em junho de 1999, fez, para homenageá-lo, um documentário de longa metragem mesclando imagens de arquivo com as de um registro ao vivo do desfile do bloco em 2000. Revendo, certa vez, no Canal Brasil, "Lúcia McCartney, uma Garota de Programa", longa de David Neves, de 1971, inspirado em texto de Rubem Fonseca, percebi que Albino, contracenando com a também saudosa Adriana Prieto, era ainda um péssimo ator. No entanto, isso não tem a menor importância, pois foi em ruas e ambientes emblemáticos deste balneário a interpretação magnífica do papel que a vida lhe reservou, sendo apenas ele mesmo em toda a sua extensão afetiva nessa proximidade com um Rio que tanto amava. Um "carioca cem por cento", como, aliás, a ele se referiu um lúcido jornalista paranaense - mais uma saudade -, Aramis Millarch. Era o Albino "meio-dia, duas horas, quatro e meia, meia-noite, toda hora..." Lapidarmente.  
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 A tempo: na primeira das fotos acima, vê-se Albino Pinheiro, à esquerda, na companhia de Elizeth Cardoso, Raphael Rabello e Hermínio Bello de Carvalho; na segunda, Albino e Paulinho da Viola, em pé, e, sentados, da esquerda para a direita, Aracy de Almeida, Carlos Cachaça, Cartola, Clementina de Jesus e o querido e talentoso amigo Eduardo Marques (compositor que, lançado por Isaurinha Garcia com "Meu Chorinho, em 1972, fez o primeiro elepê no ano seguinte, pela Odeon, com produção do parceiro Hermínio, e, em 1974, forneceu um sucesso à baiana Simone, em faixa-título do segundo elepê dela, na mesma gravadora, "Quatro Paredes". Eduardo, que tem uma ótima safra de sambas bem-humorados e inéditos, vive hoje com a sua Luciana na paz de Conservatória, o seresteiro distrito de Marquês de Valença, no estado do Rio de Janeiro).      

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