1.2.10

Homenagem do Gerdal: Luiz Reis- 30 anos de lâmpada apagada na memória midiática nacional


A uma semana do carnaval, em 9 de fevereiro de 1980, morria o pianista e compositor Luiz Reis. Há quase 30 anos, portanto, a cidade do Rio de Janeiro amarga o desaparecimento de uma das suas figuras mais alegres e genuinamente representativas, apesar de nascido na capital do Maranhão, em 1926. Um artista de vulto, mormente nos anos 60, década de maior execução e êxito dos seus sambas ora românticos, ora engraçados, em parceria com o craque do humor e das versões Haroldo Barbosa. Boêmio incorrigível, aficionado do turfe e do futebol, searas em que atuou como comentarista de rádio, Luiz Reis, o "Cabeleira", apelido dado por Nássara, é desses nomes da nossa música popular aos quais a posteridade ainda não estendeu a mão com o reconhecimento devido. 
      Foi no mesmo bar Vilarinho do celebérrimo encontro de Tom com Vinicius, no Centro do Rio, que Luiz Reis e Haroldo Barbosa também fizeram história, iniciando, assim, a sua ligação musical. Lá, Haroldo, admirador da rítmica mão esquerda do amigo no teclado, desafiou-o a pôr música em versos que lhe mostrara, surgindo, então, já na casa de Luíz, o primeiro dos sambas da lavra comum, "Projeção", gravado por Elizeth Cardoso. Um samba de título profético, pois, daí em diante, a dupla ganharia notoriedade por causa de sucessos em cascata lançados, além da Divina, por Miltinho e Elza Soares. A afinidade na canção foi precedida pela afinidade no prado, pois a corrida de cavalos, paixão declarada de ambos, levou-os a se conhecerem quando Luiz Reis cobriu férias de Haroldo, titular da coluna O Pangaré, no jornal "O Globo". Em outro periódico, "Diretrizes", diagramado por Nássara, Luiz Reis assinou uma curiosa coluna, Conselho Cavalar, na qual, além de dar palpites, "entrevistava" puros-sangues. E ainda batia um fio para os afins, como o Paulo Soledade de "Estão Voltando as Flores", atrás de uma barbada.
      Mais conhecido como "Cara de Palhaço", o samba "Palhaçada", na voz de Miltinho, foi pule de dez da dupla, o seu cartão de visita. A exemplo de "Cara de Pau", "Devagar com a Louça" e "Só Vou de Mulher", este regravado pelo conjunto Família Roitman, trata-se de um samba de sabor bem carioca, na linha da sátira dos costumes, com um molho na batida do teclado que evoca o toque buliçoso de pioneiros como Nonô. "Palhaçada" é uma composição emblemática do que, na época - início dos anos 60 -, se chamou "samba de balanço' ou "sambalanço", uma corrente entre a bossa nova e o samba tradicional da qual Luiz Reis, João Roberto Kelly, Ed Lincoln, Orlandivo, Luiz Bandeira, Sílvio César, Miltinho, Dóris Monteiro e o baterista Jadir de Castro, por exemplo, foram rematados cultores. Fruto de uma brincadeira que ambos faziam, entre amigos, nas horas vagas, o elepê "Samba a Quatro Mãos" (reprodução de capa, acima), da RCA, Victor, gravado por Luiz Reis e Kelly em 1964, com os dois em um mesmo piano, é bastante ilustrativo desse ramal da MPB e de um tempo em que, segundo Luiz Reis, ele e os colegas de ofício "saíam como cachorros" por Copacabana, parando em qualquer canto onde houvesse um piano, pelo simples prazer de tocar.
      "Luminosa manhã/pra que tanta luz/dá-me um pouco de céu/mas não tanto azul..." Assim começa o samba lento "Canção da Manhã Feliz", dos mesmos Luiz e Haroldo, que Nana Caymmi regravou com a densidade habitual da sua interpretação e integra a vertente romântica da dupla, na qual ainda pontificam "Nossos Momentos", "Fiz o Bobão", "Notícia de Jornal", "Meu Nome É Ninguém" (do famoso "foi assim/a lãmpada apagou/a vista escureceu/um beijo então se deu...") e "Moeda Quebrada", entre outros. No carnaval, Luiz Reis também deixou a sua marca, compondo com Pedro Caetano "O Leite das Crianças", gravado por Marlene, que canta " ...não se come poesia/não se vive de esperanças/acorda, nego, que é dia/olha o leite das crianças"; "O Bloco de Sujos" (com Luiz Antônio), pelo conjunto vocal As Gatas, e "Salve a Mocidade", em que a bateria nota dez de Mestre André é exaltada na voz de Elza Soares.     
      Visceralmente rubro-negro, Luiz Reis era um tipo agitado, que dormia tarde e acordava cedo, para o qual o chamado da noite era imperativo, sempre indo ao encontro dos amigos nos bares do Rio, atleta social do "halterocopismo etílico". Distraído, certa vez, no Leblon, num"lapso freudiano", como dizia, pediu licença ao parceiro Luiz Antônio, com quem bebericava no Degrau, para usar o telefone do estabelecimento, a poucos metros da mesa que ocupavam, e dar um recado urgente a um amigo, surpreendendo-se, em seguida, ligando para o mesmo Luiz Antônio que aguardava o seu retorno. De outra feita, na única vez em que a parceria de Luiz com Haroldo emperrou, o carro do primeiro, freado à frente do carro do segundo no estacionamento do Jockey Club, impediu que Haroldo pudesse deixar o local com as próprias rodas, e tal inadvertência do circunstancialmente ausente Luiz levou o amigo a pegar um táxi para sair dali. Muitas histórias curiosas e algo anedóticas deixou Luiz Reis na memória dos mais chegados, mas, acima de tudo, um estilo inovador sem seguidores, de outra feição pianística à batida do samba, num tempo em que as forças do grande mercado do disco ainda "bombavam" no seu negócio com o talento e a criatividade.
      Um bom dia a todos. Muito grato pela atenção a esta homenagem pessoal ao esquecido Luiz Reis.
 

2 comentários:

ze disse...

uma maravilha!!

Anônimo disse...

PODE PARECER TUDO, PARA MIM E ESPIRITUAL, AINDA AGORA PASSEANDO NO ARES,BAIXANDO ALGUMAS MUSICAS, VEIO VINDO UMA LEMBRANÇA SAUDOSA DO INESQUECIVEL LUIS CABELEIRA REIS,LOGO HOJE DIA 10 D 02 PROXIMO AO ANIVERSARIO DE SUA MORTE,LEMBRANÇAS DE SUA MARAVILHOSAS MUSICAS COMO ESSA QUE AGORA OUÇO POEMA DO OLHAR COM MILTINHO,COISA LINDA, OS BONS SÃO INESQUECIVEIS