25.4.10

Croniqueta: E não é que assaltaram as figurinhas!


Cheguei tarde na dividida, mas acho que posso fazer uma firula. Então vai!
Sentimentos de prazer e pesar se misturaram na minha cabeça cheia de Canclinis e Baumans, ao saber pelos jornais e sites noticiosos de um fato que ficou conhecido como “o roubo das figurinhas”.

Acredito que nesta altura do campeonato, todo mundo já está careca de saber que no dia de Tiradentes, um bando composto por cinco assaltantes cometeu o desatino de roubar 135 mil figurinhas da Copa. Os meliantes invadiram uma empresa que fabrica as referidas figurinhas, renderam o segurança e na mão grande se apossaram de uma carga que estava pronta para ser distribuida. A editora que controla esse setor “figurativo” informou numa nota, que a falta de figurinhas, que se verifica ultimamente nas bancas de jornal, não tem nada a ver com o assalto . Essa carência se deve mesmo à excepcional demanda por esse tipo de produto, que se explica pelo fato de estarmos pertíssimo do pontapé inicial da Copa do Mundo de futebol. Uma pena!
Pois bem, apesar dessa catástrofe “figuracional” fiquei muito contente ao saber que num mundo tão dissolvente, existe ainda essa modalidade de coleção que conheci quando era menino, no final dos anos 50 e pratiquei durante os anos 60.
As figurinhas eram uma coqueluche nessa época e acredito que isso deve ter tido uma origem, mas não posso precisar a data. Só sei que tinha figurinha de tudo quanto é tipo, desde as clássicas, de times de futebol, até as de um filme, como “Marcelino, Pão e Vinho”, passando pelas histórias estilizadas por Disney e galerias de artistas de Hollywood. As figurinhas eram coladas com “goma arábica”, que era aplicada com um pincel de cabo de metal que soltava os pelos. Dependendo da quantidade de cola que se passava, acontecia de colar páginas e o album ficava com uma espessura maior. De qualquer forma, podemos classificar este “fenômeno colante” como pertencente à era pré-pritt, pré-polar ou, como queiram, formas modernas que permitem um maior controle na aplicação do produto… O interessante é que na era da “goma arábica”, os garotos acumulavam muitas figurinhas chamadas de “repetidas”, eram as que sobravam do álbum. Para se livrarem delas, praticavam a troca, ou um tipo de jogo. Era uma disputa que tinha por nome “jogo de abafa”, “de abafo” ou de “bafo”. Não me lembro muito bem das regras desse joguinho e não sei como conseguirei explicar sem a ajuda de um infográfico. Funcionava mais ou menos assim: Tudo começava com uma disputa“par ou ímpar” para ver quem era o primeiro a jogar . Quem ganhasse, botava sua figurinha com a “cara” do seu craque virada para baixo, em cima de um suporte plano (chão de cimento, terra batida ou mesa). Aí perdedor do “par ou ímpar” botava uma figurinha dele (também com a “cara” do seu atleta virada para baixo) em cima desta primeira . Então o ganhador do” par ou ímpar”, com a mão espalmada formando um tipo de concha tentava, com um rápido movimento de sucção do ar, “virar” as duas figurinhas. Se ele conseguisse “virar” a cara de apenas um dos craques para cima, ganhava somente essa figurinha. O outro menino, então tentava a mesma coisa. Se conseguisse “virar” o outro artista da bola, ganhava a figurinha restante, se errasse, o seu oponente teria outra chance de tentar ganhá-la. A regra, acho que neste ponto variava, pois em alguns bairros, só se validava a vitória se o menino conseguisse virar as duas figurinhas de uma só vez (a essa tentativa de “virar” as figurinhas é que se chamava “abafa”, “abafo” ou “bafo” que creio que designava o ato de sucção pneumático e “viragem” da figurinha). As apostas também podiam ser feitas casando um número maior de figurinhas para evitar a perda de tempo causada se eles ficassem jogando com apenas duas figurinhas de cada vez . O curioso é que nessa época, tempo, era o que mais se tinha para perder. A vida era menos corrida – mas isso também era relativo- tudo acabava quando se ouvia a voz da mãe de um deles chamando num belo pleonasmo: - “Fulaninho, entra prá dentro”... Era o dever de casa, que acho que existiu em todas as eras.
E esse, era o tempo também, das figurinhas “carimbadas” - difíceis de conseguir, pois vinham uma vez por mês, em apenas alguns dos pacotinhos. Soube por uma materia de Maurício Stycer do site UOL, que participou de uma troca de figurinhas recentemente, do lado de fora da Livraria Cultura de Sampa , que já não existem mais figurinhas “carimbadas”- o que me deixou triste, pois era um componente fundamental desse tipo de prática, que valorizava sobremaneira (adotei esse termo Tinê) o ato de colecionar. Hoje, ao que parece, as figurinhas já são auto-adesisvas…
De qualquer maneira houve uma reatualização (diria ritualização) do ato de colecionar figurinhas, o que é bacana. Pena que não dá para fazer isso com os jogadores de clubes, pois com migração de craques e as chamadas “janelas” é difícil um time ficar com os mesmos craques durante um campeonato. Quanto aos técnicos então, esses rodam mais do que saia da ala das baianas na Sapucai…Mas é bom saber que continua a febre das coleções de figurinhas , uma doença infantil do consumismo? Uma nostalgia? Qualquer dia voltam os seriados que abriam as sessões de cinema como “O monstro da Lagoa Negra, os lanterninhas que nos indicavam os lugares vagos,a bola de capotão, o guarda-noturno com seu apito, os patrulheiros Toddy, o Rim-tim –tim, o Roy Rogers e seu cavalo Trigger, o Gigante Amaral, a série Rota 66, Papai Sabe Tudo, Dr.Kildare, Bonanza, Waltons com o "boa noite John Boy" na meiga voz de Mary Ellen, o Sêo Barbosa com sua bicicleta-padaria trazendo sonhos quentinhos no bagageiro… Bem, aí seria querer demais.
NR: Acabei de saber no site YouPode, que a editora das figurinhas criou um site onde as pessoas podem continuar suas coleções - como fazem habitualmente, colando no álbum e tudo mais. É que parece que não vai dar mesmo para repor o estoque de figurinhas nas bancas.Para entrar no álbum virtual precisa se cadastrar na página deste link http://pt.stickeralbum.fifa.com/login.

7 comentários:

TS disse...

Amei sua crônica (croniqueta, só se fosse pequenininha, né?)
Ainda guardo meus álbuns de figurinhas, como relíquias.
Sou do tempo da goma arábica.

Assisti "Marcelino, Pão e Vinho" umas cinco vzs., mas fui mesmo às lágrimas c/ "O Velho e o Mar" no cinema. Todos os longas de Disney eram indispensáveis.
Meus seriados favoritos eram: IVANHOÉ, BAT MASTERSON, BONANZA e o brasileiríssimo VIGILANTE RODOVIÁRIO.
Teatrinho TROLL e Contos EUCALOL (c/ Shirley Temple a narrar ao som de Peer Gynt)eram minha programação de fim de semana.

É, Liberati, nós tivemos infância; hoje, o que vejo, tsc, tsc, tsc.

LIBERATI disse...

Querida Tinê,fiquei feliz de saber que você gostou da croniqueta. Juro que um dia, talvez na próxima encarnação, eu escreverei menos. Meu Deus, onde encontrarei a síntese? E não é que esqueci do Bat Masterson com sua bengala implacável! Esqueci do Peter Gun e de O Fugitivo, que eram bárbaros também. Já Teatrinho Troll e contos Eucalol sinto não ter assistido. Não podemos esquecer que a TV de Sampa era uma coisa e a do Rio era outra. Acontece também, que eu via tudo isso como "televizinho". pois lá em casa não tinha TV.
Acho que gente tem que registrar essa infância que ficou no retrovisor. Mesmo que seja só para a gente mesmo. Não pretendo que minha infância seja modelo para a de ninguém. Só sei que hoje tudo tende para experiências solitárias tipo avatar. Troco experiências via twitter, via facebook, via blogue. Acho isso bacana, acho jogos eletrônicos chatos, mas acho qualquer tipo de jogo eletrônico chato. Mas creio que a nova cultura estabelece uma relação distanciada da experiência. Os espaços públicos da experiência se tornaram perigosos. Turmas( torcidas) marcam brigas através de sites de relacionamento. Creio que a internet é um maravilho achado para o "conhecimento-saber", inclusive para conhecer gente. Mas creio que tudo corre no sentido da limitação do contato com o mundo que se tornou perigoso, violento. A prática da coleção de figurinhas, a sua volta é um bem, pois forma redes reais de troca. Mesmo assim tenho saudades de muita coisa da infância, menos de uma bola que eu tinha , que não possuia centro e quando a gente chutava, nunca sabia para que lado ia.
bjs

LIBERATI disse...

Ah! Esqueci do Ivanhoé também!

ze disse...

Bonanza a gente assistia em família e eu era o sujeito (cada um de nós é um personagem ; do que acho difícl escapar) de preto solitário e sozinho que no canto ficava daquela Família Grande como os Watsons de noite. O "Marcelino Pão e Vinho" sendo real e documentário fica grande também. Agora o mais impressionante é que um sujeito com a Ordem do Cruzeiro do Sul na mão, peito ou testa, sei lá, como o Petkovic não seja chamado para a Copa na seleção da Sérvia ! Não vai jogar a Copa na seleção da Sérvia o Petkovic. Conclusão : a gravata é moleca. Veja os dezessete trilhões. Teve um ábum de figurinha de metal, zinco, latão, alumínio. valeu.

TS disse...

Liber, esqueci um monte, tbm. Melhor se a gente tivesse à mão a TV GUIA, né?
Cometi um erro crasso:
O programa apresentado por Temple era patrocinado pela KOLYNOS Clorofila, que havia sido recém-lançado no BR; até sair do Rio guardei um tubinho fechado! Por isso, o fundo musical era do Peer Gynt, nada a ver c/ Peter Gun, c/ atmosfera de romance "noir".

Eucalol produzia fotos autografadas de astros de cinema dos anos 40-50, minha mãe tinha.
Do meu tempo, o cinema vinha em figurinhas imitando fotograma em tubos de caramelo; era todo em PB; sumiu.

"Os Intocáveis" e a 1ª série assombrada na tevê minha mãe proibia de ver, eu era muitíssimo nova.
Aqui em MG NINGUÉM viu essas coisas, eles têm saudade de Tubaína,japona de feltro e ralar a bunda ao subir em árvores na beira do rio.
Eu não tenho tempo de "trocar experiências" em sites, até pq acho tremendamente furado, o pessoal inventa, exagera, perde o valor da troca de lembranças.

A gente vai fazendo memória ao viver!
T-chau.

LIBERATI disse...

Querida Tinê lembrei de mais alguns seriados (com a ajuda da internet). Veja bem, eu assisti pelo menos um episódio de cada um deles. Lá vão: Perry Mason, Daniel Boone, Lassie, Aventura submarina (com o pai do Jeff Bridges, que se chamava Lloyd e fazia o papel de Mike Nelson).
Vi também "O Agente da Uncle", "Além da Imaginação" (sempre era um conto fantástico), "Cidade Nua", "Família Adams", "Glen Ford é a lei","Gunsmoke", Jim das Selvas" "Marverick", "Missão Impossível", "Os Monkees", Na Corda Bamba", "Paladino do Oeste","O Rebelde", São Francisco Urgente, "Tarzan", Túnel do Tempo", "Zorro" (tinha o Zorro que era acompanhado do índio Tonto e o Zorro que era perseguido pelo hilário gordote Sargento Garcia), "77 Sunset Strip", "Capitão 7", " Dr. Ben Casey", "Caldeira do Diabo"( título original Peyton Place que é um esboço de novela americana), Breaking Point (cujo título em português eu não me lembro e que tratava de assuntos psiqiátricos - uma espécie de desdobramento de um episódio da história do médico Ben Casey), "Chaparral", Marcus Welby MD (que acho que era interpretado pelo Papai sabe tudo(Robert Young) , mais velho é claro- seriado entrou pela década de 70 mas esse tipo de série estava em decadência e o programa foi cancelado), "Um homem chamado Shenandoah", "Mannix".
Isto já está virando um crônica.
bjs

LIBERATI disse...

Caro Ze, que bom que você também curtiu essas séries.
Pet é um grande jogador, deveria estar na seleção do país dele. A gravata é muito esperta.
Esse episódio da coleção de figurinhas virou uma mania nacional, gente comprando aos quilos. Por isso acabou nas bancas. Acho muito legal esse tipo de coleção. Como me desiludi com a seleção do Dunga, eu não entrei nessa onda. Mas até que agora me animei.
grande abraço