13.4.10

Homenagem do Gerdal: O samba de Dora Lopes - ponto de encontro da madrugada com o coração boêmio da saudade



"...todo boêmio tem que ter um coração/gostar de violão ou, então, sentir saudade/se, por acaso, eu morrer numa noitada/deixo o meu samba com vocês na madrugada"
 
     Prezados amigos,
 
     Feito em noite já longínqua, em uma praia do Recife, como me relatou, há alguns anos, após show no Leblon, a coautora Carminha Mascarenhas, o "Samba da Madrugada" foi bastante cantado em rodas boêmias do Rio, gravado pela própria compositora, Dora Lopes (foto acima), e, entre diversas regravações, pela paulistana Isaurinha Garcia, em um hoje raro elepê de título nele inspirado, acompanhada pelo então marido Walter Wanderley, ao órgão. Revelada em 1947 em programa de calouros de Ary Barroso e chamada de A Loura Atômica, também pelo temperamento explosivo, no "ambiente diferente" das boates de que seria "crooner", especialmente no limiar da carreira, Dora Lopes, embora vinda ao mundo no feriado de Finados em 1922, cismava com o simbolismo dessa data e costumava apontar o dia primeiro ou o dia 6 de novembro como dias do seu nascimento, morrendo, ironicamente, em 1983, na véspera do Natal. Por causa do forte preconceito, nos anos 50, contra as mulheres que compunham, teve outro grande sucesso, "Baralho da Vida", de 1953, que também gravou, assinado com o pseudônimo de Ulisses de Oliveira, cantando, no início dessa década em outra atração de Ary Barroso no rádio e excursionando com a orquestra-show dele pelo Brasil e pelo exterior. Foi uma das primeiras intérpretes de Tom Jobim, em 1956, com "Samba Não É Brinquedo", da parceria deste com Luiz Bonfá, e estrela do famoso "cast" da Rádio Nacional, onde conheceu uma de suas grandes amigas e outra das raras compositoras dessa época, Dolores Duran.   
     "Sou branca por fora, mas crioula por dentro", dizia ela, em 1959, em uma das faixas do seu primeiro elepê, "Enciclopédia da Gíria", da Mocambo, para traduzir o seu apreço pelo universo da afroascendência, em particular no tocante a cultos religiosos, e também para manifestar uma linha de composição do samba, que ela, ainda boa ritmista, tão bem criava e interpretava, carregada na informalidade de expressão e conhecida na batida por telecoteco, o que a aproximava da fonte primal do chamado samba de raiz, nas colinas cariocas, de que o também saudoso mangueirense Padeirinho é exemplo com a "grinfa" (mulher), o "bafafá" (discussão) e o "gurufim" (velório) do seu "Linguagem do Morro". Dora foi dona de boates, como a Caixotinho, no famoso Beco do Joga a Chave (Rua Carvalho de Mendonça, em Copacabana, em que uma de suas muitas histórias do lugar inspiraria a João Roberto Kelly e J. Rui uma marcha bem conhecida, "Joga a Chave, Meu Amor"), e, mais tarde, em Sampa, por oito anos, da Dindi, onde revelou um grande violonista e compositor, Adauto Santos, autor do clássico sertanejo "Triste Berrante", também já falecido. Dela, uma bem nutrida e excelente cantora paulista, Célia, faria registro cativante no samba "Ponto de Encontro", em que Dora, em parceria com Clayton Werre, promove no céu um encontro musical com amigos de que sentia muita falta, como Cyro Monteiro, Dalva de Oliveira e Pixinguinha, por exemplo, além dos já citados Ary Barroso e Dolores Duran. Em 1963, estourou no carnaval, em disco de Emilinha Borba, com a marcha "Pó-de-Mico", composta com Renato Araújo e Arildo Souza e até hoje cantada, e, na década subsequente, teve na amiga Edith Veiga um nome apropriado à vocalização de suas músicas mais romanticamente derramadas. 
     Dora pode ser vista no primeiro "link" abaixo, em raras imagens em preto e branco do programa "MPB Especial", de Fernando Faro, cantando o "Samba da Madrugada" num andamento abolerado. Nos "links" seguintes, homenageada nas duas partes de um programa retrospectivo de sua carreira, veiculado pela jovem pesquisadora Thaís Matarazzo no blogue que desenvolve, intitulado Cardápio Cultural.   

 
     http://www.youtube.com/watch?v=YMHQ-0qp2QU         
 
      http://cardapiocultural.podbean.com/category/dora-lopes-1aparte/

 
       http://cardapiocultural.podbean.com/category/dora-lopes-2aparte/    

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