25.8.10

Homenagem do Gerdal: Dóris Monteiro - bossa com charme em dó, em ré-mi-fá, em sol-lá-si




"Roubou meu bem/fiz o bobão/roubou meu bem com seu orgulho tão fugaz/ficou com ele/rolou com ele/acreditando que estava me passando para trás/vejam vocês, eu tinha tudo pra morrer de humilhação/mas esperei porque, no fim, vence quem tem mais condição..."

        Não fosse a sorte de estourar, em 1951, no seu primeiro 78 rpm, com a gravação do samba-canção "Se Você Se Importasse", de Peterpan (cunhado de Emilinha Borba), a carreira de Dóris Monteiro (fotos acima, numa delas com Alaíde Costa) teria sido abortada por uma crítica de Sílvio Túlio Cardoso em sua conceituada e influente página no jornal "O Globo". Não levando fé naquela voz miúda, embora sempre bem colocada, da cantora, ele recomendou que ela, então com 17 anos, prosseguisse seus estudos no Pedro II e tentasse a sorte na vida em outra atividade. Curiosamente, nas voltas que o mundo dá, o mesmo Túlio, quatro anos depois, retratando-se do seu erro de avaliação, deu a Dóris, em cerimônia no Teatro Municipal, uma medalha de ouro por "Eu e o Meu Coração", de A. Botelho e Inaldo Vilharim, uma composição tida como moderna para a época. Era, então, um período em que ela, como observa o jornalista e pesquisador Rodrigo Faour, já operava uma transformação na sua relação profissional com a música, vivendo ao microfone a transição do samba-canção para a bossa nova, da qual também é considerada por muitos precursora pelo jogadinho da interpretação, no que, aliás, teve no seu amigo Billy Blanco - autor de um de seus cartões de visita, "Mocinho Bonito", de 1956 - um grande incentivador.
        Em 1955, lançou em outro relevante 78 rpm um incipiente Antonio Carlos Jobim em parceria com Dolores Duran, "Se É por Falta de Adeus", disco que, no entanto, frequentaria por meses a parada de sucessos da ocasião pelo lado oposto, o da gravação do samba-canção "Dó-Ré-Mi", com arranjo de Jobim e composto por um amigo notívago, fabricante de sabonete, Fernando César, a cuja inspiração ela dedicaria todo um dez-polegadas, "Confidências", de 1956, em que também se destacou a valsa "Cigarro sem Batom". Caso a tivesse conhecido antes das suas linhas desfavoráveis a Dóris, Sílvio Túlio Cardoso poderia ter-se fiado no faro artístico da dona Jurema, que, clarividente, ao ouvir, no apartamento ao lado do seu, a então adolescente cantar "Caminhemos", de Herivelto Martins, aconselhou a faxineira que fazia a limpeza no referido imóvel - e mãe da mocinha - a inscrevê-la no "Papel Carbono", histórico programa de calouros de Renato Murce na Rádio Nacional. De família humilde e conservadora, mas dobrando, sobretudo, a resistência do pai - porteiro desse mesmo prédio da Rua Carvalho de Mendonça, em Copacabana, onde moravam -, Dóris, à custa do talento, "foi, cantou e venceu", imitando a popular cantora francesa Lucienne Delyle (então em evidência com "Boléro") e abrindo para si a sonhada porta da fama no meio radiofônico, ajudada, inicialmente, pelo cantor Orlando Correia, que a levou para rápida passagem pela emissora Guanabara, e, mais adiante, após muito "infernizado" por ela, pelo também saudoso Alcides Gerardi (intérprete do samba de sucesso "Tem Bobo pra Tudo"). O gaúcho Alcides morava nas proximidades do prédio de Dóris e, como contratado da Rádio Tupi, a segunda em audiência, indicou-a para um teste na emissora (onde ficou por oito anos), ela que, ainda menor de idade, com alvará do Juizado e acompanhada da mãe extremosa e sempre atenta às "tentações do inconveniente"  - "uma longa trança de um lado, a mãe do outro", diziam -, iniciou-se na noite carioca como "crooner" da boate do Copacabana Palace.
        "Eu vou de cara/mas também vou de coroa/de pilantra e de poeta/traço a reta que me leva à vida boa..." Assim, gravando, por exemplo, Alberto Land ("De Pilantra e de Poeta"), João Donato e João Mello ("Sambou, Sambou"), Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho ("Mudando de Conversa"), Carlos Imperial e Angelo Antônio ("Garota do Pasquim", em homenagem a Leila Diniz), Sílvio César ("O Que Eu Gosto de Você"), Sídney Miller ("Alô, Fevereiro") e Luiz Reis e Haroldo Barbosa ("Fiz o Bobão", dos versos em epígrafe), Dóris Monteiro consolidou um estilo de interpretação - reforçado por quatro elepês em duo com Miltinho, na Odeon, entre 1970 e 1973 - em que ouvi-la significava deliciar-se com o seu charme e a graça personalíssima do seu balanço. Teve, ainda em 1953, atuação elogiada e premiada como atriz no cinema em "Agulha no Palheiro", de Alex Viany, cantando a música-tema feita pelo pianista César Cruz (pai de Cláudio Cruz, presidente do bloco Embaixadores da Folia) e pelo letrista Vargas Júnior, ao qual se seguiriam outros sete longas nacionais - como "Rua sem Sol", em 1954, do mesmo Alex Viany; "De Vento em Popa", em 1957, de Carlos Manga, e "Tudo É Música", de Luiz de Barros, no mesmo ano. 
       *** 
Pós-escrito: nos "links" abaixo, 1) Dóris, em cena do filme "A Carrocinha", de 1955, estrelado por Mazzaropi, canta "Céu sem Luar", do maestro Henrique Simonetti, com letra do ator e jornalista Randal Juliano; 2) em imagens do "Canal Memória", também entrevistada pela artista plástica Pinky Wainer (filha de Danuza Leão e Samuel Wainer), canta "Mocinho Bonito", "Dó-Ré-Mi" e "Palhaçada", esta de Luiz Reis e Haroldo Barbosa; 3) canta "É Isso Aí", de Sidney Miller"; 4) dá o seu recado gracioso em "Comunicação", do carioca versátil Hélio Matheus e Edinho, um sucesso de Vanusa, paulista de Cruzeiro, que defendeu a composição em prestigiado festival de música popular de 1969.             
  
           http://www.youtube.com/watch?v=5maoXBfEMXw
 
           http://www.youtube.com/watch?v=1RqsdkOT03Y&feature=related
         
            http://www.youtube.com/watch?v=BM-zJxgJU20&NR=1 
        
            http://www.youtube.com/watch?v=90RVaYFo5Zo&feature=related  

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