22.8.10

Microteatro : para onde vamos?


Uma mulher e um homem no palco - luz sobre eles, o resto é penumbra

Mulher - Como chegamos até aqui?

Homem - Pagando impostos, ora! Pelo menos é o que me parece. Mas hoje alimento muitas dúvidas, além de dívidas...

Mulher - O senhor me parece sempre angustiado, preso à realidade, creio que seria bom sonhar, ser poético de vez em quando.

Homem- Sou materialista, não nego. Sonhar não paga o meu dentista. A senhora já teve uma dor de dente?

Mulher- Não estou aqui para piadas. Defendo apenas a possibilidade de uma vida menos sórdida.

Homem
- O mundo pode ser um cárcere. Já pensou nisto? Nosso corpo a carcaça material em decomposição que carregamos e que imaginamos ser nossa pessoa... a modernidade nos jogou atrás de grades, não temos alternativas de liberação reais, estamos condenados a estabelecer relações degradadas com nossos semelhantes...

Mulher- O senhor está sendo fatalista, brutalmente preso à realidade das sensações...seria ridículo pensar que se porta como um existencialista de quinta!

Homem- Senhora, a modernidade nos jogou atrás de grades, não temos alternativas de liberação reais, estamos condenados a estabelecer relações degradadas com nossos semelhantes...vivemos numa época do fim das utopias, temos o deus do mercado a nos punir. Ou entramos no shopping ou ficamos na sarjeta.

Mulher- Não consegui alcançar o degrau de seu pensamento. Sonhar não seria já uma libertação, melhor dizendo a possiblidade de sonhar...

Homem
- Sonhar é fugir, os sonhos são mentirosos, são trapaceiros, imitam a realidade e nos fazem perder a perspectiva...Se eu sonhasse, alimentaria o desejo de fugir deste sistema.

Mulher- Como fugir? Temos que enfrentar a realidade, criar um caminho, se opor...

Homem - A senhora tem razão, fugir seria uma tolice. Só me transformaria num turista de um mundo insólito. Hóspede de um hotel de escravos, de certo modo um novo tipo de cárcere...Mas isto mostra que meu ponto de vista está certo, Sonhar não é possível...

Mulher- Então o senhor concordará que a liberdade é algo que se alcança apenas quando se age de forma coletiva.

Homem- Não acredito nas masssas. No fundo temo as massas, elas são facilmente inflamadas, manipuladas. A elas podemos creditar o episódio Hitler e outros crimes da história...

Mulher- O senhor não me contaminará com seu pessimismo.

Homem- Muitos amigos meus, otimistas, morreram defendendo um mundo melhor, mas o mundo ficou pior, cheio de bugigangas tecnológicas. Tenho saudades das velhas utopias...

Mulher- Então o senhor sonha...inutilmente, mas sonha com um mundo que já foi melhor em seus sonhos...

Homem- O problema é que hoje este mundo evaporou, sou livre para comprar. Outros nem isso. São sujeitos monetários sem dinheiro,,,

Diretor- Xi, o texto ficou muito intelectualizado e apocalíptico. Onde está o autor?...

Autor
- Senhor diretor , creio que o senhor deveria ter lido o texto antes de encenar...

Produtor- Senhor autor , o diretor tem razão, seu texto não apresenta uma saída...

Autor - (grita desesperado) : - É por alí (aponta para uma seta acesa que se salienta na escuridão do teatro - nela está escrito "Saída" - "Exit").

10 comentários:

ze disse...

outro dia um físico famoso disse que 'o Sol é uma estrela qualquer' : o universo é tão infinito que os pés dos cientistas não estão mais nos chãos. talvez um universo finito fosse um universo melhor. e 'viajam' em potentes telescópios como se fossem pegar as estrelas com as mãos: vã ilusão. o Sol salva. o vento (brisa) também. mais o fogo / água junto com a terra.

TS disse...

sonhar e surpreender-se são imprescindíveis! aquele q perde essas capacidades é um desesperançado ou um fechado ao novo, me causa pena.

o bom mesmo é sonhar c/ algo viável.

o mundo sempre teve bugigangas, uns são mais duradouros, como o rádio.
ser um sujeito compelido a sempre comprar pq o artefato tecno de uma geração ficou obsoleto - em verdade foi VOCÊ quem caiu na obsolescência - é um sujeito infeliz.
eu cansei de computador, detesto e-book, não uso relógio de tipo algum. fazem falta, mas posso viver s/ eles.

as novas gerações são maquinadas, parecem cartão de tapeçaria já riscado, incapazes de uma ideia original ou de um rasgo romântico (não precisa dar uma de Goethe ou Beethoven), seguem como rebanhos, não podem curtir as vivências q eu e outros tivemos, que alimentam nossa memória como carga de bateria permanente, mantida à energia simples: viver, aproveitar o q a vida pode nos oferecer, doa (de doer e de doar) ou não.

recolho-me à minha insignificância (o meu significado, eu mesma me dou), ao meu ilustre anonimato, sou como os Novos Baianos nos anos 70: "eu vou sendo como sou, e vou vivendo como posso".
abs, T-chau

LIBERATI disse...

Caro Zé, saudades docê, bravo amigo. Continuas a filosofar e no meio do turbilhão encontra o zen que conecta o uni-verso, o verso único.
grande abraço

LIBERATI disse...

Querida Tinê, o grande Umberto Eco escreveu a favor do livro que ele continuaria a funcionar mesmo se acabasse a energia elétria - claro que sob a luz de uma vela - e não sofreria grande dano se o jogasse pela janela do oitavo andar, provavelmente precisaria de cola para restaurá-lo, já com um e-book...he he he.
bjs

ze disse...

Cara TS, o pior de tudo é a máquina controlar e monopolizar a produção econômica como se sem ela, máquina, não houvesse economia. Isto tb é ilusão. Transformam tudo em mercadoria e acabam com a vida verdadeira, livre de dinheiro. o mal é o vil metal.

Liber, a Espanha apesar de favorita foi desacreditada até o fim da Copa : um paradoxo.

LIBERATI disse...

Pois é, caro Ze, a Espanha mostrou um futebol de toque de bola e mudança constante de jogadores dentro do campo do adversário. Por mais que o adversário marque ( no estilo retranqueiro), numa hora qualquer alguém vai marcar uma bobeira, e aí o jogador espanhol vai ter a chance de achar uma brecha, e nesse caso meu caro, pode ser bola no barbante. Mas futebol continua um jogo com muitas surpresas: um jogarodr de um time ruim resolve dar um chutão, a bola faz uma curva, resvala no zagueiro e mata o goleiro, aí a retranca joga bola pro mato que o jogo é de campeonato, aí, meu velho, ganha o pior. Mas é sempre mais bonito ver um jogo como o da Espanha. A Alemanha me surpreendeu, com um futebol objetivo e bonito ao mesmo tempo. Marcaram umas bobeiras e voltaram pra casa sem o caneco. Também estava desacreditada e quase chegou lá. Me gustó el Uruguai, mas um time que depende só de um craque ( e que craque esse Furlan!!!) não vai muito longe.
grande abraço

ze disse...

um craque só ??!! Suárez disputava com Fórlan quem era o melhor do time, até que contra Ghana precisou colocar a mão na linha ( si, la mano a la linha ) no fim de tudo, no último minuto do jogo. Alemanha, Germania, mostrou, perdendo para a Espanha e a Sérvia ( que seria campeã com Petkovic em campo ), que é o time que perde. Perde para todo mundo. Perde para o Br.(empresa). perde para a Argentina.
O peor, pior, nunca ganha. Que isso ?! faltou a grande África do Sul na Copa : pé de uva é 'ténico', é preparador físico. Sério.

LIBERATI disse...

Peraí Ze, não dá para comparar Suarez com Forlan, Suárez é o cara que estava jogando a bola para dentro do gol, mas não é craque. Forlan sim, esse é craque aqui , na China ou na Conchinchina.
O Alemanha mostrou um time forte, objetivo. Mas Copa do Mundo é torneio e depende de suerte.
Torci pelo Uruguai e pelo Paraguai. A Argentina, mesmo com um bom time no papel, não conseguiu se dar bem, coisas do futebol.
grande abraço

TS disse...

Literaturas à parte, vcs já gostam de um futebol, heim?

Imagtinem um programa gastronômico com futebol no meio!
Tô a pensar nisso.

LIBERATI disse...

Querida Tinê, você sabe que outro dia comentei aqui em casa que futebol é uma coisa tão "doida" que a gente vê o jogo e passa a semana inteira falando dele, e vendo outras pessoas na TV discutindo o jogo, blogs comentando, gente no boteco discutindo etc e tal. Um jogo tão simples e tão apaixonante. Verifiquei que o que importa é o falar sobre e quase que não o jogo em si, o jogo parece ser apenas um pretexto para falar, para elaborar o texto. E olhe que existe uma diferença enorme em ver o jogo no campo e na TV. No estádio, se você se distrai com uma mosca perde o gol, ou perde o pênalti, o gol de mão, a expulsão do jogador. O sociólogo Norbert Elias deu ao seu livro sobre o futebol o título "Quest for excitement"
Um papo gastronômico com futebol é uma boa pedida. Chico Buarque fez umas músicas bacanas citando futebol, Jorge Benjor e Milton Nascimento também..."Brasil está vazio na tarde de domingo, né, é! olha o sambão aqui é o país do futebol..."
bjs