10.8.10

Reboliço no meu bairro


Num lamento anterior - quase croniqueta - eu mostrava minha tristeza ao saber que a lojinha que revelava filmes aqui na minha rua estava se transformando (a obra ainda não terminou) numa casa de sucos. Mas o negócio não parou aí, agora se trata de remoção de pessoa, logo em seguida fiquei sabendo que o senhor H. tinha vendido sua lanchonete - que continuou no ramo de lanches. Bem que eu já tinha percebido algumas alterações no panorama do estabelecimento, além da ausência do dono e a troca de uns funcionários que atendiam no balcão - a presença de uns bancos modernos deu na vista. Os fregueses, agora não precisam mais tomar o seu suco, ou cervejinha em pé. Apesar de conhecer o sr. H há mais de 30 anos, eu não era propriamente amigo dele, mas sempre trocava uma palavrinha com sua figura pitoresca, quando lá tomava meu café com leite e mastigava meu pão na chapa mergulhado na manteiga de latão. O sr. H tinha uma característica que era engraçada, sempre me oferecia um bolinho de bacalhau que acabara de sair da panela e não gostava de trocar dinheiro.
- Sr. H, podia me trocar esses 20 reais em duas de 10? Ele respondia:- Não mô filho, não tenho troco. Mas se você chegava lá e pedia duas balas de coco, ele trocava. Deixa pra lá, cada um com suas implicâncias! Mas, a gente sempre dava um desconto para ele que era uma espécie de patrimônio do bairro, boa gente, sempre sorrindo...E a modernidade continuou com seu rolo compressor a liquidar a tradição do bairro do meu coração, botando abaixo também a lojinha de doces - parada obrigatória, quando minha filha era uma garotinha-formiga e me obrigava a deixar alguns trocados lá, enquanto saboreava um brigadeiro, um quindim ou um "olho de sogra". Sinceramente não sei o que vai ficar no seu lugar, nem sei se é reforma, ou mudou de ramo. De repente estou aqui a dizer asneiras. Outra loja que também está em obras, é uma que vendia todo tipo de doces industrializados - pelo que vi no meio da poeira, não sobrou nem Cosme nem Damião. Também não sei se é reforma, dificilmente é.
Eu devia ter percebido os sinais da mudança quando uma padaria e um bar viraram bancos , faz uns dois anos, e aí a coisa parou. Mas agora o reboliço veio para valer e o comércio do bairro muda sua feição, o que quer dizer que sua memória vai para o brejo. Desculpe a nostalgia, é que acredito que esse pequeno comércio e mesmo pessoas que desaparecem, também estão na esfera da cultura - criam uma uma certa identidade, que vai sendo transformada por novidades que não sei se a outra face é, digamos, uma certa decadência. Nós que não temos lá muita tradição...Por outro lado, ao encarar esse movimento como uma perda, pode significar que estamos ficando velhos e que o negócio é ir para a frente, que atrás vem gente. Isso não impede de eu continuar achando que quando fecha uma lojinha, em qualquer lugar do mundo, a humanidade perde algo significativo se não se der conta. Isso dá um pano pra manga!

6 comentários:

TS disse...

Consegui dar uma escapada, li seu txt. - não é vergonha sentir falta do que já passou!
Pois eu tenho saudade das balas caseiras de tamarindo que vendiam nas proximidades da Central do Brasil (eu trabalhava no Arq.Nac, como estagiária).
Tbm havia a de canela, mas essa é comum no interior.
T-chau

Maysa disse...

Querido Lib

Esse único pedaço do mundo que retrata nosso bairro, a rua em que nossas casas ficam...vestem o dia-a-dia com um toque de pessoalidade.
Os não-lugares estão aí- aeroportos, shoppings e outros - para nos informarem que nada, nem ninguém somos, fomos ou seremos!
Acidente! Não desista: ficar nostálgico é uma forma de resistir à passagem de rodo da pós- modernidade.
Beijo e saudade
Maysa
Ps:Concordar com o tema da cronica, vale dizer que nossa memória não vai para o brejo!

LIBERATI disse...

Querida Tinê, é que muitas vezes fico confuso diante das perdas e das saudades. Esse tempo parece que nos empurra para frente, ou nos apresenta um presente com cara de eterno. É isso, fico confuso.
bjs

LIBERATI disse...

Querida Maysa, é verdade, você lembrou dos não-lugares. Sampa é um lugar assim, que bota abaixo o passado e cria um edifício pós-moderno em cima e esquece a saudosa maloca. O Rio está entrando nessa, vou captando só de esguelha. Mas o pequeno comércio do bairro e algumas pessoas estão mudando. A menina do balcão da loja de fotografias, o velho dono da lanchonete que pendurou as chuteiras. Habitamos um mundo que muda, mas quando muda muito rapidamente a gente parece que perde o chão. Fico confuso diante das perdas e dos sentimentos que creio serem nostálgicos. Como pergunta o Néstro Canclini, será que a modernidade foi uma boa para determinados povos? ( e olhe que ele nem fala na tal pós-modernidade)
bjs

ze disse...

Caro Bruno, nas redondezas do Lgo do Machado não haviam até uns três anos atrás duas livrarias que se transformaram em farmácias da noite para o dia ? continuam farmácias ho-je. É o lucro. O mundo muda com a máquina rodando. é o ser humano no meio - Aristóteles dizendo 'a virtude está no meio' repete Buddha, ou será que a Philosophia em si é Buddhista ? o humano no meio. O desenho seu parece um labirinto cerebral. pegue a lã de Ariadne e segurando a linha saia pela saída. 'ao infinito e além'.

LIBERATI disse...

Caríssimo Ze, você tem razão, a força da grana "que ergue e destrói coisas boas"...acho que é isso!?
O mundo dos bens, o mundo do capital, do lucro dominando a sociedade dos primatas que ousaram andar com a coluna ereta.
grande abraço