7.1.11

Abel Ferreira: a doce melodia de um clarinete inspirado pelo luar de Coromandel





Cuidando por um tempo de uma sorveteria no interior mineiro e lamentando a fria em que entrara por pressão da família, que o queria afastado profissionalmente do seu amado clarinete por entender que a música popular não dava camisa a ninguém - isso logo após um período que ele passou tocando em um cabaré de Uberaba -, Abel Ferreira (foto acima) compôs "Chorando Baixinho", para expressar em notas musicais uma tristeza vinda de dentro, e criou um clássico da nossa seara instrumental. Estava de volta à igualmente amada Coromandel de nascença (da banda filarmônica a encantá-lo, já menino, na praça e município de cujo clarão celeste recolheu inspiração para outro clássico do seu repertório - a valsa "Luar de Coromandel"), mas, pela privação de sentido do sopro que a sua vida então amargava (um sopro, aliás, paradigmático numa escola brasileira do gênero), sentia-se um pássaro tolhido (lembrando Gonzagão, algo como um "açum-preto cego e mudo"), sem liberdade para alçar o voo que o talento de executante e compositor naturalmente, em doce melodia, lhe suscitava. Mais fortes foram, felizmente, no seu caso, as asas do desassossego, que o trouxeram, em 1943, ao Rio de Janeiro, onde, a princípio, se apresentou, no Cassino da Urca - acompanhando até mesmo astros internacionais, como os cantores e atores Tito Guizar, mexicano, e Bing Crosby, norte-americano - e, mais adiante, por muitos anos, a partir de 1949, na Rádio Nacional, na qual liderou a Turma do Sereno, encarregada da animação musical de programa homônimo, seresteiro, concebido e levado a efeito por Paulo Tapajós..
       Se, por sua inapetência para o negócio, a sorveteria tornou-se uma iniciativa "derretida" - também por ele sempre refrescar o paladar de quem não podia pagar e vender fiado a quem podia fazê-lo -, a carreira, ao revés, seguia curso promissor e ascendente, acompanhando ao longo dos anos uma plêiade de cantores e músicos de renome e viajando muito ao exterior, como numa caravana de 1960, arregimentada para a divulgação da nossa música popular em vários países europeus, de que também tomaram parte, entre outros, Sivuca, o Trio Irakitã e o importante, porém muito esquecido, maestro e compositor recifense Guio de Morais - teria completado seus 90 invernos tropicais em agosto do ano passado, mas que órgão de comunicação e cultura se lembrou dele? Com a rainha do choro, Ademilde Fonseca, que, por sua vez, neste 2011, chega, com os olhos bem abertos, aos 90 anos de idade, Abel participaria, em 1977, sob a direção de Arthur Laranjeira, do Projeto Pixinguinha e, entre os excelentes discos próprios que gravou, destaca-se o premiado "Brasil, Sax e Clarineta", elepê lançado em 1976 pelo selo do publicitário Marcus Pereira, em que o soprista dá realce a um outro instrumentro de que os seus pulmões também se ocupavam. Abel foi parceiro de um grande e saudoso violonista radicado em Minas, Nélson Piló (autor da joia  "Suspiro da Nega", regravada por Dilermando Reis) e a outro expoente das cordas brasileiras, Joel Nascimento, dedicou um choro bem conhecido que compôs,  o "Chorinho do Sovaco de Cobra", que leva o nome de um bar na Penha, subúrbio carioca, que muito frequentou. Ainda na sua discografia, desta vez em conjunto, participou, com o próprio Joel do Bandolim, Zé da Velha, Paulo Moura, Waldir Azevedo e Copinha, em 1977, de um ninho de cobras - no melhor sentido figurado da expressão, é claro -, o elepê "Choro na Praça", resultante de show memorável, no Teatro João Caetano, sob a direção de Albino Pinheiro. Música na mais alta acepção, que chega aos nossos ouvidos "acariciando".
       Um bom dia a todos. Muito grato pela atenção.

       Um abraço,

       Gerdal
 
Pós-escrito: 1) quero agradecer as mensagens de tantos quantos me escreveram em resposta à minha saudação de boas-festas. Que a MPB, sobretudo na mídia de massa, tenha um 2011 revelador da variedade dos seus talentos, com menos jabá "na parada" e mais qualidade e conteúdo na telinha e na caixa de som;
                      2) numa das fotos acima, Abel Ferreira ao lado do pianista e compositor João Roberto Kelly, em instantâneo extraído de programa de tevê apresentado por este; em outra foto, Abel com Leonardo Bruno, maestro, e Vãnia Ferreira, cantora e educadora, seus filhos, em capa de outro elepê, de 1977, lançado pelo selo Marcus Pereira;
                      3) nos "lnks" abaixo, a) uma jovem Alcione canta, com letra de Pereira da Costa, "Brasileirinho", de Waldir Azevedo, acompanhada por um escrete de nossos instrumentistas: o próprio Waldir, Waltel Branco, Altamiro Carrilho, Deo Rian e, naturalmente, Abel Ferreira. Em seguida, composições do mineiro Abel: b) "Acariciando", em roda de choro da Escola Portátil de Música, na Urca; c) "Chorinho do Sovaco de Cobra" executado, em Tóquio, pelo Sem Conversa, um grupo de jovens "chorões" japoneses; d) "Sai da Frente", pelo flautista e arquiteto Edgar Gordilho, com o seu conjunto, Choro na Praça, em gravação realizada na loja Ao Bandolim de Ouro, no Centro do Rio;.  
                      4) Abel Ferreira nasceu em 15/2/1915 e morreu, no Rio, em 13/4/1980.  

        http://www.youtube.com/watch?v=PzvwNsiLHGU&feature=related ("Brasileirinho")
 
        http://www.youtube.com/watch?v=pDkLhycprdE ("Acariciando")
 
        http://www.youtube.com/watch?v=fzy8tCeuGVY ("Chorinho do Sovaco de Cobra") 
 
        http://www.youtube.com/watch?v=f1djMkBCLJs ("Sai da Frente")

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