2.2.11

Saudades da Modernidade


Fui obrigado a Interromper minhas férias do blogue para cometer uma "pensatinha" antes que a coisa passe em brancas nuvens.
Pipocam alguns eventos nesse país desmemoriado que parecem indicar que a modernidade está sendo deslocada - ela que foi sempre deslocadora e desencantadora do mundo.
Vou falar do que está em volta do meu umbigo, mas acredito que outros eventos desagregadores estão acontecendo agora no seu bairro.
Arrisco dizer que tudo começou, com a extinção em 2008 do Cine Paissandu aqui do Rio de Janeiro. O fechamento deste cinema que foi considerado um dos pioneiros da exibição de filmes de arte e que abrigou as inquietacões da geracão do Cinema Novo já mostava que a coisa seria séria. (O Paissandu era tão avançado, que tinha um lugar separado por um grande vidro só para fumantes fissurados que não conseguiam esperar a sessão terminar para acender seu cigarrinho).
No caso do fim da loja "Modern Sound" o fato se deu literalmente. A loja que leva a modernidade em seu nome, e onde se encontrava tudo em matéria de disco, desde o jazz, passando pelo pop, pela música caribenha, africana até o samba rasgado - e que tinha um espaço para música ao vivo - fechou suas portas.
Sobre essa loja, me lembro de uma moça que não sabendo o nome de uma música, simplesmene cantarolou um trecho dela para o balconista e ele - ouvido apurado - a levou até o disco que ela queria. É triste pensar que esse balconista- que tinha a loja inteira na memória- vai ficar desempregado e obsoleto nesse mundo líquido.
A essa tristeza acrescente-se a notícia recente do fim programado do cinema "Belas Artes" (depois de episódios de agonia e renascimento) em São Paulo. Guardo bons momentos do Belas Artes, onde, lá pelo final dos anos 60, assisti pela primeira vez a "A Chinesa" de Godard.
Pelo que se percebe neste país, certos símbolos da modernidade estão sendo "deslocados" fisicamente, e olhe que somos, apesar do recente "status" de emergentes - um país, em certos setores super-periférico.

Sei que nossas grandes cidades vivem processos de mudança constante, reescrevendo suas histórias em fragmentos e como palimpsestos vão se gravando novos conteúdos simbólicos sobre as ruínas de outros símbolos que são soterrados como coisa passada - letra morta, mas confesso, que nunca imaginei que um dia teria saudades da modernidade, parece um paradoxo, né!? É isso aí, o que foi moderno, um dia, está em fase terminal.
Cientistas sociais já haviam constatado a existência de uma "tradição da modernidade"- nesta época de globalização e desterritorializações em todos os níveis - e outros avançaram na afirmacão da existência de uma "cultura internacional popular" - mas isto é um papo para outra hora.

2 comentários:

ze disse...

Caro Bruno, este blogue mesmo veiculando músicas não é moderno ? as pessoas conversando e 'trocando figurinhas' pela internet não é moderno ? os Grimm quando no séc. XIX levantam e registram o conhecimento popular com as velhinhas nos campos para que não sumam diante da modernidade industrial, não afirmam e resgatam o saber do Povo em processo de destruição pela máquina moderna ?

LIBERATI disse...

Caro amigo Ze, acredito que estamos em outra modernidade- o sociólogo Giddens a chama de alta-modernidade. Mas de qualquer forma, certas "instituições" de uma modernidade que existiu, estão indo para o brejo. É o rumo dos negócios, diria o desavisado- o mundo dos negócios se alterou - o CD perdeu o valor, o filme de arte já não está com essa bola toda- assim caminha a humanidade - mas não dá para deixar de notar que algo está acontecendo. O que ficou no lugar do Paissandu? O que ficou no lugar da Modern Sound? O que ficará no lugar do Belas-Artes? Por que em certos países algumas das "casas da modernidade" ficaram de pé - e por que aqui, tudo vai sendo deslocado, derrubado? E interessante é ver que a modernidade cada vez mais está indo para o museu.
grande abraço