12.5.11

Comentário de Emiliano Castro sobre CD de Daniel Murray ,"Tom Jobim para violão solo"


(Recebi um e-mail de meu amigo Emiliano Castro, no qual ele faz uma apresentação do CD de Daniel Murray com músicas de Tom Jobim - publico o texto no nosso boteco virtual conforme veio, em boa prosa)
Mês passado finalmente recebi do Daniel Murray o seu CD recém lançado "Tom Jobim para violão solo".

O título já dá a sinopse do projeto, mas não revela que este segundo álbum do intérprete firma-o num outro patamar. Já não podemos falar de um "jovem violonista".
Trata-se de um disco histórico, feito por um dos maiores violonistas do Brasil e acho que o maior número de interessados merece saber disso.

O produtor do disco, Paulo Bellinati, é um mestre de todos nós, violonistas brasileiros e estrangeiros simpatizantes.
Bellinati, que não é mestre por acaso, conhece as muitas dimensões profissionais e artísticas da carreira e é talvez o principal responsável pela idealização deste disco tal como veio ao mundo.
Me parece evidente que seu trabalho como produtor imprimiu no CD intenções e pretensões antigas de sua trajetória como arranjador e instrumentista. (A maioria dos arranjos do disco são dele, Bellinati.)
Isto por si só já é um monumento.

Mas o mestre é também, até onde posso perceber, o padrinho musical mais importante de Daniel Murray.
Aos dezesseis anos Daniel já tocava quase toda a obra de Bellinati para violão solo e a convivência entre os dois sempre foi intensa.

Isso quer dizer que o fundamento estético do violão do Daniel é um território quase virgem na história do nosso instrumento.
Me explico: todos querem juntar os universos popular e erudito. Eu quero, muitos colegas famosos e desconhecidos querem, a torcida do Timão quer fazer música "com referencias do clássico e do popular".

Mas a excelência técnica do concertista Paulo Bellinati associada à profundidade que ele atingiu como arranjador e compositor popular (e segurando o suingue!) foi inédita quando apareceu, é ponto de partida no violão brasileiro e, como a música brasileira é o que é no mundo, Bellinati é um mito fundador na história do violão mundial e ponto!

O "território quase virgem" a que me referia é esse domínio extremo da sonoridade do violão de concerto aliado à capacidade de improvisar bem e ao suinge que caracterizam a música popular.

E o meu assunto aqui é usar esses adjetivos para qualificar o violonista Daniel Murray.

As interpretações do homem erguem de vida cada um dos arranjos e parecem sinfonia de orquestra grande, parecem a voz do Tom, parecem banda tocando samba chique, tudo respeitando as maneiras do compositor.
Somado o arsenal técnico e sensível do intérprete que conhece muito violão e muita música. E deve conhecer muita vida também (vai saber o tanto de dor e de amor que aquele coração é capaz de sentir...)

Pra voltar aos parâmetros objetivos, procurando outros nomes que tenham alcançado ser tão populares mantendo tão absolutamente o domínio da sonoridade do violão clássico, me lembro do próprio Bellinati, me lembro do Ralph Towner... e daí vai escasseando.
Tem o Marcus Tardelli, que fez há pouco um disco homólogo abordando a obra do Guinga. Mas esse disco está em outra chave. É mais endiabrado que chique. É mais batuque que sinfonia. Os arranjos pretendem outra coisa e desde o repertório até a masterização retumbante mostram um produto emoldurado noutro contexto.
A este propósito, pra não esconder nada, não gostei da masterização do disco do Daniel. Nas audições, faça-se o esforço de chegar logo ao seu violão e viver o que há de maravilhoso alí.
E me lembrei do Tardelli aqui porque seu disco também é histórico e também é de um violonista sem tamanho, desses da familia "popular de concerto".

... daí não me lembrei de mais ninguém. Quem lembrar que me ajude. Pelo bem da nossa música, pelo bem do violão brasileiro.

Pra terminar, faço público o comentário que outro mestre, Mauricio Carrilho, fez sobre o Daniel Murray interpretando Tom Jobim. Sem me lembrar exatamente das palavras, Mauricio escreveu que este é melhor disco de Tom Jobim que ele já ouviu na vida, incluindo os do próprio Tom (!!!!!!!!!!!!)

Resta-me desejar que a aliança dessas forças todas projete esse "jovem mestre" (assim dá pra falar) tão longe quanto já alcançou a música do Tom.

Porque trata-se, na minha opinião, de um dos discos para violão solo mais importantes do mundo, de todos os tempos.

Um abraço e boa audição!
Emiliano

2 comentários:

Carlos Montana disse...

Sou amante do violão há mais de 50 anos, acompanho a carreira dos mais variados estilos de violão desde meados dos anos 50, tenho uma vasta discografia e tive o privilégio de ver muita gente tocar ao vivo, assisti vários concertos do Baden no início de sua carreira, Helio Delmiro, Guinga, Raphael Rabello, também tive a sorte de assistir gênios do violão clássico ao vivo como o Julian Bream e o Segóvia nos EUA.

O Daniel está tocando bonito nesse disco. Bonito timbre e interpretação. Ouvi atentamente todas as faixas, a maioria dos arranjos (do Bellinati) são de muito bom gosto, mas tudo soa mais como transcrições, sem muita novidade.

Já acho exagerado comparar esse disco do Murray ao clássico "Unha e Carne" do Marcus Tardelli, que é um gênio não só como intérprete, mas também como arranjador, pois trás novos caminhos para o instrumento e para cada música que ele toca, através de uma técncia totalmente inovadora associada à um pensamento violonístico ímpar.
Não acho que o Unha e Carne seja menos orquestral ou chique, muito pelo contrário, se ouvir atentamente as valsas Cine Baronesa e Constance ou o choro Dichavado você sente uma riqueza de vozes e uma sofisticação harmônica jamais ouvida, e tudo criado pelo Tardelli, eu toco as versões originais do Guinga, e estão bem diferentes.

O disco do Murray é praticamente a realização das gravações que o Paulo Bellinati iria fazer se não fosse a distonia focal.
Já o "Unha e Carne" é um disco que mostra um violonista de rara personalidade, que inaugura uma nova maneira de tocar e pensar o instrumento e acima de tudo, é visceral, arrepiante, emocionante, é difícil não chorar ouvindo o Igreja da Penha ou o Constance por exemplo. Ou difícil ficar parado ouvindo um Mingus Samba ou os Baiões. Esse cd sim, é sem dúvida, um dos maiores albuns de violão de todos os tempos!

E fica meu respeito e admiração ao Daniel, que continue doando seu talento e sensibilidade ao violão brasileiro!

Forte abraço
Carlos Montana

Anônimo disse...

Oi, Carlos.
Muito prazer em te ler e em ser lido por alguém com a tua atenção e experiência!
Seguindo tuas pistas, voltei ao Unha e Carne. É de chorar. O Marcus é violonista sem tamanho. O Guinga é sem tamanho! E o som do disco é impecável. Ouvi, como já havia ouvido, um dos maiores discos de violão solo de todos os tempos.
Mas continuo aqui a nossa conversa.
O que eu pus em relevo no disco do Murray é um outro violão, bem menos habitual no Brasil.
Arranjador no disco é o Bellinati. E o projeto, como sabemos, é de fato um projeto anterior ao Daniel. Isto obstaculiza, mas acho injusto que te impeça de perceber o caroço, o tesouro que está ali pra história do nosso instrumento.
O Daniel ouve o violão quase exclusivamente polifônico. Suingar e improvisar é que são novidade nele. No Tardelli não, mas deixemos ele aparte nessa hora porque em seu disco essa polifonia é eventual, não é o prato principal, e não parece ser o que ele busca, não é seu assunto. O Monstro Tardelli tem outra posição no campo. Inclusive, como você disse, a de criador.
O que me comove no intérprete Daniel Murray é que, afilhado que é do Bellinati, ele leva a um extremo pouco visitado na nossa música popular esse pensamento polifônico (além do Bellinati e do Marco Pereira uns 15 anos atrás, te pergunto humildemente: quem mais?). E acho mesmo que ele foi mais longe que os nossos mestres nesse oficio. Os mestres (Bellinati, Pereira, Garoto... Tapajós? Dilermando?) disseram "não devemos nada aos eruditos E somos populares". O Murray, que não nasceu popular, ouviu a encomenda e, sem pensar, chegou mais longe ainda nesta trilha.
Isso não tira o pódio de outro. Mas inaugura mais um ponto de referência na nossa constelação. Aliás, já menos sozinhos, os mestres que eu tenho assuntado acima já podem ser entendidos como uma constelação não um episódio! Já tem seguidores à altura.
Penso agora na tua razão: o Tardelli também é desta constelação, mas pela sonoridade, não pela polifonia. Não leva sozinho tarefa de todo o Super Maogani. E é de coração popular. Que bom!!!
Yamandú (pra mim o maior), Penezzi e outros feras de norte a sul são da família dos mestres Baden e Raphael. Nosso VIOLÃO BRASILEIRO é polissêmico mesmo!

Carlos, te agradeço a oportunidade de poder pensar e sentir junto.
Sou de São Paulo. Você é do Rio? Quando eu for tocar por aí podíamos nos conhecer e brindar esse violão todo.
Meu email é bremiliano@gmail.com
Valeu!!!
Abraço!
Emiliano Castro

BEIJÃO BRUNO!!! VIVA O TEU BLOG E VIVA VOCÊ!