16.6.11

Celia e Celma, nesta quinta, em raro show no Rio (grátis): o Brasil profundo em prato musical com um jeitinho de Minas



No início dos anos 70, participando, na companhia de Angelo Antônio e de Gastão Lamounier Neto, do grupo vocal A Turma da Pesada, elas ajudaram Clara Nunes a vencer uma edição do Festival de Música de Juiz de Fora com o samba "Mandinga", um dos frutos da curiosa parceria entre o elegante Ataulfo Alves e o informal Carlos Imperial. Mocinhas que, então, já moravam no Rio, para onde vieram a fim de estudar no Instituto Villa-Lobos - lá diplomadas em licenciatura musical - e aqui ainda se apresentaram em casas noturnas de prestígio, como a Sambão e Sinhá, cantaram em bailes, como "crooners" da orquestra do trombonista Ed Maciel, e fizeram show produzido pela dupla Miele e Bôscoli. No entanto, seria, nos anos finais da década seguinte, na cosmopolita Sampa, onde fixaram residência, que as gêmeas Celia e Celma, se reencontrariam artisticamente consigo, em "rancho fundo" do nosso território cultural, irmanadas, no espelho retrô do tempo, àquelas mineirinhas nascidas e criadas em Ubá, de família com casa vizinha à casa da família de Ary Barroso, crianças que foram e cedo tiveram contato com o folclore do seu estado: vendo a folia de reis e o congado e ouvindo muita catira, muito cateretê, por exemplo. Um Brasil na mesma toada, de "caipirarte" vivida e revisitada, nelas se tornaria a motivação maior, mais pulsante, de uma carreira a um só tempo una e dual, além de corolário natural de valorização da nossa autenticidade interiorana - mormente a do Sudeste do país. Um sabor roceiro e culturalmente nobre, muito bem provado, aliás, em excelente programa por elas semanalmente conduzido, de 1988 a 1997, no Canal Rural (no qual entrevistaram, por exemplo, grandes nomes das nossas cordas "violadas", como Ivan Vilela, Paulo Freire e Miltinho Edilberto), Sabor reforçado quando do lançamento de um livro saído do prelo da editora do Senac (SP), "Do Jeitinho de Minas", que reuniu receitas talhadas para o fogão de lenha e a panela de pedra, próprias da gastronomia popular da Zona da Mata, em edição com CD anexo no qual, pela voz das cantoras, se ouvem as instruções de preparo dos pratos ao ritmo do xote, do samba e da moda de viola.  
       Fui, por alguns anos, assíduo espectador da referida atração de tevê, na NET, e sou admirador do que Celia e Celma cantam e fazem, com sinceridade e sem xenofobia, em defesa de um "Brasil brasileiro" já cantado por Ary nos seus versos famosos e por ele internacionalmente aquarelado. Um Brasil, em particular o país musical, que precisa dar mais as caras por aí e aproximar-se mais da sua massa de ouvintes, frequentando-lhes, por exemplo, em fina sintonia, iPads e iPods. Um Brasil talentoso e culturalmente lindo e trigueiro que, ainda sob a inspiração do Ary, abre a cortina do passado e percebe no presente, sem medo de ser feliz, que o seu coqueiro ainda dá muito coco pro futuro. Um Brasil, em suma, essencial, ora a reboque de um Brasil meramente aparente.
      Um bom dia a todos. Grato pela atenção a estas linhas e à dica respectiva, no "flyer" acima.

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