9.11.13

O traidor de Dublin está na praça

(NR: Este é um texto que será corrigido - escrevi ao sabor da emoção de reencontrar um amigo e sua escrita - sem respirar, com uma pontuação claudicante cometi essa croniqueta) Um novo livro misterioso e raro acaba de chegar às livrarias. Seu título já é um enigma Falsificação das didascálias do manuscrito d'O traidor de Dublin segundo o rei, a velha e o poeta de San Pablo City. Seu autor é Jorge Lescano, um cidadão do mundo que nasceu na Argentina, terra de craques como Messi, Borges, Piglia y otros. Alguns exemplares desse novo livro podem ser encontrados sites das livrarias Cultura, Martins Fontes e Asabeça. Não vou fazer uma resenha dessa obra, pois recebi o livro agora e ainda não consegui completar sua travessia. Pelo pouco que li, percebo que é uma aventura estética provocadora, um jogo com o prazer da escrita que suscita o prazer da leitura. Só queria escrever algumas linhas sobre seu autor - e nisto estou sendo injusto com Lescano, pois acredito que merecia um texto mais bem escrito, mas espero que ele encare como um depoimento de uma testemunha de seu imenso talento. Foi entre os anos nebulosos de 1966 e 1967 que conheci o artista argentino Jorge Lescano. Acredito que ele tinha acabado de chegar ao Brasil naquela época e logo emplacou uma exposição na então prestigiada galeria da Folha de S. Paulo. Nela exibiu uma série de desenhos impressionantes, feitos a nanquim utilizando a técnica de bico de pena . Eu era um moleque que trabalhava como contínuo no Depto. de Promoções desse jornal por essa época. Sua exposição durou um bom tempo (que hoje não consigo me lembrar) e confesso que não me cansei de esquadrinhar aqueles desenhos magníficos toda vez que entrava no prédio para mais uma jornada de trabalho. Tive poucas conversas com o artista em questão naquele tempo, mas percebi que era uma pessoa muito gentil- boa-praça mesmo, apesar de esgrimir uma ironia implacável. A exposição um dia acabou, e sabe como é a paulicéia desvariada, cada um seguiu seu caminho. Jorge recolheu suas obras, e foi buscar seu destino naquela cidade polifônica. Eu, dentro de meu labirinto fui parar num laboratório de uma grande indústria de São Miguel Paulista. Tinha que fazer um estágio, necessário para receber o diploma de técnico- químico, que acabei chutando para o alto, pois não entreguei o relatório da minha experiência. E não foi porque me recusei a escrever o tal texto, é que exagerei na dose e o dito cujo ficou imenso, a ponto de me perder nele, e como tinha que trabalhar, depois do estágio, fui me empregar num outro laboratório, este de controle de qualidade de uma fábrica especializada em envasamento de aerosol . Lá se envasava de tudo: inseticidas, perfumes, tintas, cosméticos, remédios, desodorantes etc. Resumindo: acabei ficando com um certificado de conclusão equivalente ao curso colegial considerado "científico" nessa época pois fornecia formação em exatas (existia o ramo chamado de clássico voltado para humanidades). Nesse tempo eu alimentava a ilusão um dia terminar o relatório e obter meu diploma de químico. Mas num fim de uma certa tarde, num momento em que saí do laboratório para fumar, me encantei com o refugo que jazia nos fundos da fábrica - era um lixo colorido e luminoso, que bateu na minha cabeça como uma metáfora do fim da nossa civilização técnico-científica.O tropicalismo estava em cartaz… Em vez de terminar o relatório, comecei a escrever uma peça de teatro anárquica, na qual um grande cientista se recusa a fornecer o código de um descobrimento fundamental, que serviria para destruir a humanidade. Foi aí que desisti daquela profissão de "químico cheiroso", e acho que com essa atitude salvei minha vida, pois sempre fui um alérgico de carteirinha e sofria por trabalhar num ambiente onde conviviam os mais variados odores. Aquela mistura de cheiros de inseticidas (mata-barbeiro , mata berne, mata-barata, e mata outros insetos e bichos escrotos) perfumes baratos, remédios para asma, aromatizardes de ambiente, tudo aquilo estava penetrando pelos meus poros, tomando conta dos meus pulmões, fazendo com que eu me transformasse num sujeito movido a espirros… Para desespero da minha família resolvi sair daquele mundo industrial e levado por um livro de Talcott Parsons (que ironia!) acabei desembocando num cursinho vestibular. Lá, com auxílio luxuoso de uns amigos, cai dentro de um curso de Sociologia, no auge da ditadura, e por tabela fui trabalhar numa fundação que operava em favelas e bairros operários … Acho que é bom parar de relatar essa minha história. Na verdade esses detalhes não importam, e sim, que um belo dia, perto do final dos anos 70, tornei a encontrar com Lescano, mas não me lembro bem das circunstâncias. Recordo que chegamos até a trabalhar juntos como "especialistas em comunicação" nessa fundação, mas isso não durou muito e nossa dupla criativa logo se defez. Nesse meio tempo eu casei, comecei a publicar ilustrações na chamada imprensa alternativa, sofri um acidente numa mini-moto e acabei saltando fora de Sampa. Junto com minha primeira mulher que carregava um filho para nascer fui morar no Rio de Janeiro. Consegui, depois de muita luta entrar para o Jornal do Brasil e fiquei na redação por uns 30 anos e fumaça desenhando, escrevendo e aprendendo…um tempo do qual não me arrependo. Nas minhas voltas aos campos de Piratininga para visitar minha família que insistia em permanecer contemplando a solidez do Tietê, de vez em quando mantinha contato com meu amigo artista. Por essa época Lescano tinha bolado uma oficina de criação de texto - o que me surpreendeu. Ensinava jovens talentos a penetrar na atmosfera da escrita. Mais tarde publicou um livro de contos pela editora Ática, que tinha por título Amanhã São Péron (1978). Soube agora que em 1983, publicou Os quitutes de Luanda, pela editora Criar de Curitiba…..O tempo passou e ele continuou sua tarefa de mestre, agora ensinando Teoria do Teatro. Para minha surpresa, por meio da internet conseguimos nos reencontrar, e hoje recebi seu livro O traidor de Dublin…que mais posso dizer? É um novo reencontro com o talento desse amigo que tece labirintos e enigmas textuais. Jorge é um talento múltiplo, dono de uma bagagem intelectual imensa e invejável que a universidade até agora perdeu. Era para estar dentro de um departamento de alguma faculdade de comunicação, letras, teatro ou artes cênicas organizando cursos, transmitindo seu conhecimento e beneficiando as novas gerações com sua criatividade. Vou parar por aqui, volto ao livro de Lescano,Dublin me espera. (Clique na imagem para ampliar e ver melhor) NR: Para se comunicar com o autor e obter mais informações sobre o livro escreva para lescanolivros@hotmail.com

Um comentário:

ze disse...

Boa crônica. Acabaram com os estudos clássicos e ficou só o científico. Como se fosse uma viagem desnecessária, um diletantismo, as ciências humanas. O materialismo vencendo dentro da educação. Mas o Enem do Pt está dando o troco no Vestibular das exatas.