29.11.07

Enfim a Crônica das Vacas!


(Nossa querida repórter da roça, Tinê Soares escreveu uma saborosa crônica, que não poderíamos deixar de publicar. Pensamos em botar no ar no final de semana. Como vários pedidos de fãs chegaram a esta modesta redação solicitando urgência, publicamos agora em primeiríssima mão)

O Cerco
Fim de novembro, anos 60. Filhos em apartamento, mãe com dor de cabeça. Colônia de férias no Forte? Acampamento de escoteiros em Friburgo? Esporte intensivo no clube? Casa dos avós no interior de Minas? Um concorda, outro faz bico. E ainda tem as férias da empregada. Que fazer? Um quer ir ao cinema, outro, pedalar na lagoa. Uma quer ir ao museu das bonecas, a outra, paquerar nas tardes dançantes. Se pudesse, despacharia todos para Orlando, Disney sempre foi uma solução - ou era, pelo menos naqueles tempos. Agradar a todos ou não perdê-los de vista, não viver o caos doméstico nem desmoronar ao fim de cada dia das férias escolares anunciadas, eis o problema: o dinheiro não chega a tanto.

Naquele ano o pai estava numa empreitada pelas bandas gaúchas. E veio dele a solução. Do Rio de Janeiro direto para o Rio Grande do Sul. Eu trabalho, vocês se divertem. Ele descreveu as maravilhas da proposta. Sorrimos. A mãe, nem tanto...se fossem só alguns dias, mas quase quatro meses? Incluídas duas semanas de falta no ano letivo escolar seguinte, Oba!
A 'funcionária doméstica' - quase uma outra filha - de malas semiprontas e um sonoro Eu topo! selou nosso destino. Família unificada, o pai satisfeito, incontáveis mini-aventuras previstas, a mãe com dúzias de malas, os filhos na algazarra, pampas, aí vamos nós!
A viagem foi de ônibus com lanchonete a bordo, de trem com restaurante fechado, de Kombi caindo aos pedaços, a pé no lamaceiro, Chegamos!

Tratores em movimento, vento e poeira nas caras, à margem da estrada o cenário se abriu: aprovações risonhas ecoaram pelo vale. A mãe só pensava que saltos altos e maquiagem não combinavam com o lugar. Então ela não fora avisada disto?
Incrustada numa imensa fazenda, em terreno cedido pelo dono que levaria vantagens com a construção da estrada, feita às pressas, uma linda casa. Parecia a dos sete anões. Estilo europeu. Tudo em madeira. Sem TV. Sem telefone. Com lareira, que nem sabíamos o que era. Banho, só ao meio-dia, quando enchiam a caixa. Mantimentos, só por lista, quando alguém do almoxarifado ia à cidade. Copos, faltam copos - era a mãe - tenho medo de bujão de gás - o pai lhe pedia calma, o necessário entraria aos poucos.

Muitas foram as descobertas; a começar pelo caçula.
Um dia ele apareceu chispado, lívido, quase sem voz: um bicho grande correu atrás dele; ora, era um dos porcos premiados no exterior, imensos, o criador esqueceu de avisar que as quadras individuais dos melhores da raça ficavam atrás de nossa casa, mas, que não se preocupassem, a cerca era baixa porém eletrificada, calhou do guri ir lá quando desligada... e o citadino do meu irmão mal conhecia uma galinha fora das bandejas congeladas do super!

Numa das primeiras manhãs, acordamos com os gritos da mãe. O pai já havia saído. Encolhidos sob os edredons, resmungamos Deve ser uma cigarra. Uma aranha. Uma lagartixa. Uma barata. Chegamos à porta do quarto dela e a vimos de costas diante da janela, braços agitados para cima, histérica, Minha roupa, ai, minha roupa, saiam, xô! Meu Deus, de onde veio tudo isto? Acudam! Corremos para fora, vassoura, rodo, espanador em punho, ameaças às vacas que cercaram a casa e faziam bom proveito das roupas no varal. Elas não se intimidaram. Os bois ameaçavam em nossa direção. A balaustrada da varanda não os impediria de avançar. Nem a porta dos fundos. Afinal, a casa fora construída no meio do pasto deles. Pior, não havia cerca. Estávamos sitiados! Um de nós furou o cerco bovino, subiu o barranco, atravessou a estrada, chegou a um dos barracões em busca de um peão, um encarregado qualquer.
Gargalhadas se alastraram na região até chegar em Passo Fundo e interromper uma reunião do pai. Diante da mãe, ele segurou o riso: ela estava mais feroz que todos os animais locais. Um drama.
Salvos do ataque, e roupas perdidas, recebemos a visita do ilustre fazendeiro, um colono italiano com uma penca de guris, as mãos cheias de compotas e pães feitos pela mulher, umas copas defumadas em casa, a se desmanchar em pedidos de desculpas e o convite de irmos para a casa-sede até cercarem o campo. O nome dele, esqueci, mas o sobrenome era Migliavacca, è vero!

8 comentários:

Anônimo disse...

Bruno, caprichaste no boi, nota 10!
Valeu!

LIBERATI disse...

Valeu sua colaboração querida Tinê. Quero mais!
bjs

Anônimo disse...

Tinê, você se esqueceu do cachorro com hidrofobia.

Anônimo disse...

Pelo menos o porco não estava na frente da porta. Viajei junto, Tinê. Uma vez fui numa festa da uva no sul e caminhões passavam oferecendo uva na rua gratuita para o povo. comi muito. mas teve desgraça junto. zé

Eliane disse...

Tinê,
você é maravilhosa; que experiência de vida, heim? Bjos, Eliane

Anônimo disse...

Comentário bovino:
Gostei muuuuuito!
Bj

LIBERATI disse...

Sensacional , Tinê deu o maior Ibope, está convidada para ser cronista neste blogue. Oficialmente.
Abraços a todos que aqui compareceram.

Anônimo disse...

Bruno, aceito o galardão... se minha máquina não me deixar na mão. :)

Aos conhecidos que não se inibiram em comentar aqui, meu muito obrigada; o mesmo p/ os acanhados q se dirigiram ao mail-box.
2dez07