22.11.07

Geléia Geral: 68, Mailer, Yippies e o eterno presente


Continuando as minhas reflexões anacrônicas sobre 68 e como ele ainda dita o tom apesar de toda água que passou debaixo da ponte e os tempos terríveis desse encadeamento de fatos que desandou num modo de vida destrutivo que nos aflige e está nos levando cada vez mais para um fim trágico. Recentemente me perguntei por que retornei a 68 usando o livro de Kurlansky (1968 - O ano que abalou o mundo) ? Decerto foi para recuperar um tempo que vivi minha juventude e precisava entender. Não havia até então um painel tão amplo que mostrasse o quanto foi decisivo este ano (ou o quanto ele significou como ponto de mutação) pela imensa quantidade de coisas que aconteceram nele. Um ano em que houve a ruptura clara com uma parcela das amarras de um passado pesado e que mudou a cultura para sempre. Pode-se ver 68 como o fenômeno de uma geração , uma geração que de certa forma está hoje no poder. O curioso é que no livro de Kurlansky , cheguei a criticar a excessiva preocupação dele com os eventos que cercaram a convenção do partido democrata de Chicago. Juro que não entendi a gravidade do que lá tinha ocorrido. Ao retornar ao livro de Norman Mailer "Miami e o Cerco de Chicago" vi que o que aconteceu naquela cidade sob o governo do prefeito Daley foi uma confusão dos diabos, uma demonstração da força bruta, da manipulação. Uma convenção que foi refém dos podres poderes de Chicago. Que mostrava uma outra face dos Democratas, a divisão deles, suas fraquezas, a truculência e a imposição de uma facção que se mostrou mais forte e era extremamente conservadora. Naturalmente era contra tudo que representava alguma coisa fora do esquadro deles, os cabelos compridos, o rock, os andrajos dos jovens, seus discursos inflamado e seus intelectuais marginais. Uma massa de jovens que tentava desesperadamente e sem nenhuma clareza se opor a um time de segunda chefiado por Hubert Humphrey que veio a ocupar o vácuo deixado por Bob Kennedy, que foi assassinado e é claramente mistificado por Mailer e por muitos de nossa geração. Na verdade tudo o que cercava aquela eleição era muito nebuloso para mim. Todo o desmonte da máquina democrata foi mostrado por Mailer com competência, e ele é muito "honesto" ao dizer que tinha medo, que mergulhou no uísque e ficou fora dos eventos principais. Ele mostra, de alguma forma o processo que mais tarde vai dar na eleição de Nixon, coisa que não é muito bem explicada.
Lembrei de uma observação de Eric Hobsbawm (em A Era dos Extremos) acerca do fenômeno contemporâneo da destruição do passado, ou como ele diz " dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas"
Ele considera esse fenômeno uma coisa terrível , uma característica a ser salientada e que marca o final do século XX. O resultado disso, ele afirma, é que os jovens "crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem." Os perigos são claríssimos, um deles é não aprender lição nenhuma com o passado. A outra face é repetir erros. E como toda nova geração tem por tendência negar tudo o que a anterior fez, e encarar o mundo como se ela o estivesse fundando agora ,isso se agrava muito as coisas. À ignorância se junta a teimosia e a arrogância e uma desvalorização da vida e de uma riqueza que só vai ser revelada por algum arqueólogo. Diz Hobsbawm que ao historiador cabe a função de trazer de volta esse passado, "lembrar o que os outros esquecem".
Por essas e outras , pincei do livro de Mailer uma espécie de plataforma do partido Yippie, que foi colhido ao que parece num panfleto distribuido no Lincoln Park, ou nas anotações de uma reunião realizada na tarde de um domingo, no longínquo 25 de agôsto de 1968 - a sua leitura é interessante para ver o que um dia a imaginação extrapolou seus limites e o quanto estamos distantes e perto dessas reivindicações que decerto consideramos curiosas, uma autêntica viagem na maionese. É bom salientar, que o pau comeu em Chicago depois dessa reunião, houve um verdadeiro massacre por parte das forças da ordem representadas pela polícia local e a Guarda Nacional. Cinco dias de batalha campal. Observação : Os Yippies eram segundo Mailer " a facção militante dos Hippies, o Partido Internacional da Juventude" ...Segundo ele os Hippies erigiram seu templo naquele entroncamento onde o LSD cruza a vibração de uma guitarra elétrica a todo volume no ouvido, plexo solar, barriga, lombos....Eram refugiados dos subúrbios da classe média " e seu cortiço não podia durar...
Aqui vai o seu manifesto daquela data.
"YIPPIE!
Lincoln Park
VOTE NUM PORCO EM 1968
Motel de Graça
"venha dormir conosco"
REVOLUÇÃO EM PROL DE UMA SOCIEDADE LIVRE: "YIPPIE"!
Por A. Yippie
1- Fim imediato da Guerra do Vietnam
2- Liberadade imediata para Huey Newton, dos Panteras Negras e todos os outros negros. Adoção do conceito de controle comunitário nas áreas dos guetos...
3- Legalização da marijuana e todas as outras drogas psicodélicas...
4- Um sistema penitenciário baseado no conceito da reabilitação, ao invés do de punição.
5...abolição de todas as leis relacionadas com crimes sem vítimas. Isto é, permanência somente de leis relacionadas com crimesem que haja uma parte a contragosto atingida, como assassinato, estupro, assalto.
6- Desarmamento total de todas as pessoas, a começar pela polícia. Isso inclui não apenas armas, mas também recursos brutais como gases lacrimogêneos, MACE (um tipo de gás inibidor da autonomia de ação do indivíduo), aguilhões elétricos, cassetetes grandes e pequenos, e demais congêneres.
7- Abolição do dinheiro. Abolição do pagamento de aluguéis, de meios de comunicação, de transporte, de alimentos, de educação, de roupas, de auxílio médico e do uso de sanitários.
8- Uma sociedade que vise e promova ativamente o conceito do "não emprego total". Um sociedade na qual as pessoas estejam livres da escravidão do trabalho. Adoção do conceito "Façamos as máquinas trabalharem".
9-... Eliminação da poluição do nosso ar e da nossa água.
10- ...incentivos para a descentralização das nossas cidades superpovoadas...incentivo à vida rural.
11-...informação grátis sobre o controle da natalidade...abortos sempre que desejados.
12 Um sistema educacional reestruturado que proporcione ao estudante possibilidade de determinar seu curso de estudos e permita a participação estudantil no planejamento geral de programas...
13- Uso aberto e livre dos meios de comunicação...televisão em cabos, como um método para aumentar a seleção de canais à disposição do telespectador.
14- Fim de toda e qualquer censura. Estamos fartos de uma sociedade que hesita em mostrar gente praticando violência e se recusa a mostrar um casal trepando.
15- Achamos que as pessoas deviam trepar o tempo todo, em qualquer hora, com quem quisessem. Isso não é um programa a defender e sim o simples reconhecimento da realidade em torno de nós.
16- ...um sistema de referendum nacional conduzido através da televisão ou um sistema telefônico de votação...uma descentralização do poder e de autoridade, com muitos e variados grupos tribais. Grupos em que as pessoas existam num estado de confiança básica e sejam livres de escolher sua tribo.
17-Um programa que encoraje e promova as artes. Entretanto, achamos que se a Sociedade Livre a eue visamos fosse disputada e conquistada, todos nós atualizaríamos a criatividade em nosso interior. Num sentido muito real teríamos uma sociedade na qual cada homem seria um artista.
...Porcos da política, os seus dias estão contados. Somos a Segunda Revolução Americana. Venceremos. Yppie!"
Enquanto isso, aqui o pau comia na casa de Noca. Até que em 68 passeatas foram toleradas e também reprimidas com violência, mas nos seus inícios o movimento estudantil libertário e confuso teve espaço para reagir, como disse o jornalista Élio Gáspari lá fora a roda de Aquarius dava sua livre volta , no território de Pindorama sofria-se a implantação de uma dietadura que iria durar mais de 20 anos. Os espaços de contestação foram diminuindo e chegou-se ao ponto de falar baixinho coisas que hoje qualquer criança berra numa mesa de bar do "Baixo Gávea"
Voltaremos ao tema do fim do sonho.

11 comentários:

Anônimo disse...

Altamente atual! polícia sem armas, anistia aos crimes sem vítimas... É um manifesto que lembra Thoreau e seu retorno ao campo. A cidade, oposta, contrária, ao paraíso. desde sempre é assim. zé

Anônimo disse...

a oração 'ponto de mutação' diz um pouco da questão, do encontro do zen e da ciência, em que esta última se dá de cara com seus limites, no livro do mesmo nome.
O passado esquecido aqui da gente pensava eu hoje passa pela língua geral proibida - não teria uma cultura inteira então se perdido já então para o liberalismo? zé

Anônimo disse...

Longo...volto p/ mastigar... Liber estudando p/ a tese... mto bem... 'té já!

LIBERATI disse...

Caro Zé, viu como o mestre Zu tem razão, 68 foi o ano que não terminou.
Mas a proposta que na época era muito anárquica hoje ainda é radical. Quase 40 passaram e as coisas estão ainda por resolver. Mas os caras já pensavam nisso naquela época que se perdeu no meio do gás lacrimogêneo.
Um abraço

LIBERATI disse...

Caro Zé, o neoliberalismo hoje é mais do que um sistema , é uma cultura como disse meu amigo sociólogo.
Mais uma mercadoria no balcão das ideologias. Tá vendida!
Um abraço

LIBERATI disse...

Querida Tinê, leia devagar, estou a divagar nesse texto, mas algumas janelas se abrem para o presente.
bjs

Anônimo disse...

No JB de ho-je d.Mauro (p.A2) fala do assunto. Cultura descartável. Tinê expôs galinha azul. zé

Anônimo disse...

Tive o grande privilégio de conhecer o Rui que é uma figura acima de tudo humana e amiga.
Com seu jeitinho carinhoso não só conquistou minha admiração e amizade mas também com seu talento
e dono de uma voz lindissima nos leva a viajar em canções de artistas fabulosos e inesqueciveis
como Noel Rosa.
Acredito que Rui é uma pérola que merece e deve ser cultivada pois os maiores ganhadores somos nós.
As canções na voz do Rui são para serem guardadas e mostradas anos e anos depois a quem amamos e dizendo: Isso sim é que uma boa musica em uma bela Voz...
E o que é belo não morre jamais...

És belo Rui de Carvalho.

Beijos

Luciana Nagamatsu

Anônimo disse...

Tive o grande privilégio de conhecer o Rui que é uma figura acima de tudo humana e amiga.
Com seu jeitinho carinhoso não só conquistou minha admiração e amizade mas também com seu talento
e dono de uma voz lindissima nos leva a viajar em canções de artistas fabulosos e inesqueciveis
como Noel Rosa.
Acredito que Rui é uma pérola que merece e deve ser cultivada pois os maiores ganhadores somos nós.
As canções na voz do Rui são para serem guardadas e mostradas anos e anos depois a quem amamos e dizendo: Isso sim é que uma boa musica em uma bela Voz...
E o que é belo não morre jamais...

És belo Rui de Carvalho.

Beijos

Luciana Nagamatsu

Anônimo disse...

Tive o grande privilégio de conhecer o Rui que é uma figura acima de tudo humana e amiga.
Com seu jeitinho carinhoso não só conquistou minha admiração e amizade mas também com seu talento
e dono de uma voz lindissima nos leva a viajar em canções de artistas fabulosos e inesqueciveis
como Noel Rosa.
Acredito que Rui é uma pérola que merece e deve ser cultivada pois os maiores ganhadores somos nós.
As canções na voz do Rui são para serem guardadas e mostradas anos e anos depois a quem amamos e dizendo: Isso sim é que uma boa musica em uma bela Voz...
E o que é belo não morre jamais...

És belo Rui de Carvalho.

Beijos

Luciana Nagamatsu **

Unknown disse...

boa noite Rui!
Sinto-me privilegiada por desfrutar de um amigo cujo conhecimentos intelectuais são excelentes.É uma honra amigo !Visitei ambos os blogs ,só q ñ consegui postar
meus comentários neles.Aqui o espaço é muito pequeno,mas vou tentar resumi -los
achei muito bom todos os charges!as frases do dia;Não li o livro A Era dos Extremos,mas plo que vi dos comentários acredito ser muito bom.Gostei muito
do "Noel Rosa p/Rui de Carvalho e o novo compositor e intérprete tijucano mas
com os pés e a cabeça em v.isabel!
Amigo vc é fera,my good!tudo está perfeito!fico indignada quando reconheço trabalhos que nem o seu ,reverenciado por seu trabalho por grandes expressões da MPB e ser injustiçado.......................é revoltante.
Querido,só falta vc vir até minha cidade,o povo aqui sabe o que é bom!Quero ressaltar o grande trabalho que vc faz (pergunta de planos p/o futuro).Parabéns
mas uma vez vc é MIL!!!!!
bjus neste coração lindo,inteligente ,culto e cheio de muita inspiração.
do ceu.