12.11.07

Onde estão as lições de 68?


(Final da resenha sobre o livro 1968 O ano que abalou o Mundo, de Mark Kurlansky)
Vamos às teses: o autor atribui a criação do fenômeno 68 a alguns fatores. O exemplo dos movimento americano pelos direitos civis,
uma geração que se sentia distante dos seus pais e mestres, e não tolerava a idéia de autoridade, a TV ainda não domesticada, e o
catalisador da época, a odiada Guerra do Vietnã, estopim usado para detonar vários movimentos. Uma das teses mais discutíveis é a de
que talvez 68 não existisse se os governos não tivessem uma atitude repressiva. Outra é que naquele ano se iniciou, depois da invasão da
Checolosváquia, a erosão da URSS. Um outro poderia dizer isso em relação ao dia em que Lenin morreu e Trotski perdeu o comando para
Stalin, ou mesmo quando este último fez um pacto com Hitler. A erosão de um sistema às vezes está em lugares estranhos. Mas o autor
tem razão num aspecto: em 68 houve o desencanto da militância comunista, quando as tropas russas acabaram com a “Primavera de
Praga”.

Fica como falha a omissão de acontecimentos de certas zonas periféricas, como a América Latina, onde, na década de 60, enquanto o
mundo “curtia o seu barato”, um surto de ditaduras estimuladas pelo Tio Sam se espalhava, o que levou a revolta estudantil a tomar
caminhos radicais. O jornalista não fala, do mesmo modo, no misterioso projeto Camelot, que fez uma “inteligente” pesquisa de opinião
onde traçava o perfil político das áreas a serem dominadas e que foi denunciado em 65 pelos próprios jornais americanos.

Um ano tão mal comportado, que criticou o personalismo, deveria receber tratamento mais iconoclasta. Talvez ver 68 dentro de um
processo de “contestação” que se inicia no fim dos anos 50, quando houve a explosão teen-age, a chamada “juventude transviada” que
desdenhava os mais velhos como “quadrados” e quebrava cinemas ao som do rock’n’roll. Apontar o momento em que o império
americano se afirmava culturalmente, mostrando que era um aparente “Tigre de Papel”, como brinca uma personagem no filme A
Chinesa, de Godard. Do jeito que Kurlansky tratou esse ano, 68 parece um coquetel molotov que cai no colo do leitor. Outra crítica
também se faz necessária: a carência de imagens num ano em que elas foram tão decisivas.

Dizer que 68 foi ruim porque não venceu nenhuma batalha, e as estruturas permaneceram apesar dos abalos, seria reduzir suas
conquistas. Kurlansky acerta ao mostrar que alguns homens caíram logo depois, como De Gaulle, e essa voragem originou uma revolução
que afetou o comportamento e a cultura das gerações que vieram surfar nas ondas futuras. Uma coisa é certa: não se pode sair por aí
comparando o ativismo de 68 ao movimento atual que incendeia as periferias de Paris. A revolta dos “filhos dos banlieues” é efeito tardio
da colonização que agora toma o território dos bairros do ex-colonizador ao ritmo do gangstra rap.

A rapaziada deve ter percebido que a visibilidade da mídia só viria com demonstrações violentas. Podem até usar uma velha tática:
chamá-los de “escória” é bom motivo para botar mais fogo nos automóveis, que mostra que os “podres poderes da direita” esqueceram
há muito tempo as lições de 68.
(Esta resenha foi escrita e publicada na época recente em que explodiram movimentos de revolta na periferia de Paris)

5 comentários:

Anônimo disse...

Desculpe se entendi errado:
sua nota entre ( ) diz que esta sua resenha foi feita recentem/t?

O último distúrbio nas cercanias de Paris - e noutros centros franceses - teve relação c/ a lei trabalhista do "primeiro emprego" (reformulada em seguida) no ano passado; e problemas referentes aos "sans-papiers" (imigrantes ilegais), um fenômeno que aflige vários países europeus em decorrência de levas cada vez maiores de pessoas de etnias diferentes a fugir das guerras, fome e falta de trabalho (norte da África, Oriente Médio), acentuando a já difícil vida dos "novos" países europeus que se tornaram independentes...

Seu txt tem mtas info que, se fossem separadas, dariam outras tantas análises/observações. [inclusos os posts anteriores sb/ o livro de Kurlansky] Como não li esta obra, não vou dar palpites.

Anônimo disse...

'tá maneiro. 'guerra fria' não houve o quê houve foi 'guerra quente'. acho que a tecnologia tem dedo aí, talvez por causa da música que vc falou, guitarra elétrica. sociedade de massa. zé

LIBERATI disse...

Queridos amigos,desculpem a pressa, respondo depois, o dia tem poucas horas para que eu possa dar conta do recado...
um abração e até já

LIBERATI disse...

Cara Tinê, os acontecementos da periferia de Paris são recentes sim, claro que não são fresquinhos e foi Sarkozy ainda ministro que disse que o pessoal era escória. Parece que ele mudou de perspectiva depois que se elegeu.
bjs

LIBERATI disse...

Zé, o problema francês é uma bomba relógio. Inclusão de migrantes, do pessoal que embarcou das colônias. O problema é incluir essa gente na democracia, nos direitos à educação igual. O sistema francês precisa criar espaço para os seus novos cidadãos e eles crescem e se multiplicam e a periferia cresce e se rebela para se incluir. Que tipo de inclusão se fará lá? Eis o problema. Quem vai perder? Quem vai ganhar? A globalização exclui, o neoliberalismo bota o mercado acima dos homens. Não dá mistura.
Um abraço